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A estabilidade dos preços, alcançada no Plano Real com a adoção do regime de câmbio fixo (âncora cambial), ficou ameaçada após a maxidesvalorização cambial em 1999. O aumento da taxa de câmbio em mais de 60% em dois meses iria rapidamente tornar os produtos comercializados, no mercado

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inflacionário intenso fez com que o governo decidisse adotar um novo regime de política monetária: regime de metas de inflação.

No Brasil, o regime de metas de inflação foi implantado oficialmente no dia 22 de junho de 1999, através do Decreto 3.088 de 21 de junho de 1999, após o fim do regime de taxa de câmbio fixo (mini-bandas cambiais) em janeiro de 1999, com a proposta de manutenção da estabilidade monetária obtida pelo Plano Real (julho de 1994).

Antes da adoção do regime de metas para a inflação, o Banco Central do Brasil (BCB) criou, no fim de março de 1999, um Departamento de Pesquisa focalizado no desenvolvimento do novo regime monetário.

No Brasil há uma separação clara da instituição que mede a variável de inflação a ser seguida, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a entidade responsável pelo seu cumprimento, o Banco Central do Brasil. No dia 30 de junho de 1999, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu as metas de inflação para 1999, 2000 e 2001, respectivamente 8,0%, 6,0% e 4% com intervalos de tolerância de dois pontos percentuais acima e abaixo das metas centrais, bem como o índice utilizado para calcular a variação de preços. No caso brasileiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, é utilizado como o índice de preços oficial. As metas são anunciadas para dois anos e meio adiante. Em junho de 2000, a meta de 2002 foi estipulada em 3,5% no ano, com intervalo de 2 pontos percentuais. Em junho de 2001, o CMN estipulou uma meta de inflação, para o ano de 2003, em 3,25% com a mesma tolerância de intervalo. As demais metas e seus intervalos de confiança são apresentados na tabela 2. Cabe destacar que, atualmente, a meta de inflação está em 4,5% e com tolerância de 2 pontos percentuais para cima e para baixo.

Bogdanski, Tombini e Werlang (2000) destacam a importância da adoção de metas decrescentes para controlar as expectativas. Deve-se, portanto, distinguir o processo inflacionário devido a um aumento temporário da inflação de um choque. No início de 1999, com a desvalorização do câmbio, o país sofreu com um choque e, consequentemente, um realinhamento dos preços relativos.

O Brasil adota um núcleo de inflação com metas e intervalos de tolerância de dois pontos percen-tuais acima e abaixo. Não é admitida cláusula de escape devido à tolerância de dois pontos percenpercen-tuais e, com isso, o sistema perderia credibilidade. Caso a meta não seja atingida, o presidente do Banco Central deve enviar uma Carta Aberta para o ministro da Fazenda explicando o não cumprimento da meta bem como suas providências e prazo para a retomada das metas estipuladas.

Uma outra característica importante do regime de metas brasileiro consiste na publicação trimestral de um Relatório de Inflação por parte do Banco Central, com moldes do Inflation Report do

Bank of England (Relatórios de Inflação do Banco Central da Inglaterra) e, nas reuniões mensais do

Comi-tê de Política Monetária (Copom), com a publicação das atas. Essas duas publicações Comi-têm como objetivo principal melhorar a comunicação da condução da política monetária do Banco Central com o público e, com isso, torná-la mais transparente e democrática.

Esse regime foi adotado por outros países também. O grande pioneiro do regime de metas de inflação foi a Nova Zelândia, que implementou o sistema em julho de 1989. Economias desenvolvidas como o Canadá, Reino Unido e Austrália adotaram esse regime no início dos anos de 1990, com o obje-tivo de manter estável o nível de preços da economia.

Com relação aos países em desenvolvimento, o grande precursor é o Chile, que gradativamente incorpora em suas políticas econômicas, desde setembro de 1990, um regime de metas de inflação.

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lorizações de suas moedas domésticas em relação ao dólar norte-americano e mudam seus regimes cambiais e suas políticas econômicas. A República Tcheca e a Polônia, ambas da Comunidade Europeia, mas não da zona do Euro, decidiram implementar um regime de metas de inflações em dezembro de 1997 e março de 1999, respectivamente. Países como México, Colômbia e África do Sul também adota-ram esse regime nos anos de 1999 a 2000.

No caso brasileiro, o regime de metas vem sendo operado com a taxa de câmbio flutuante. Uma situação na qual o preço da moeda estrangeira é determinado pelo mercado de divisas. Como destacado pelo gráfico 1 a seguir, após a maxidesvalorização do real em 1999, o câmbio seguiu uma tendência de alta.

A partir de 2001 a taxa de câmbio apresenta um forte crescimento devido à crise da Argentina da dívida externa. E o problema financeiro argentino e suas consequências para a economia brasileira são maiores do que, normalmente, as pessoas imaginam. Para ser exato, desde 1999, a economia argentina

vinha sofrendo com uma recessão econômica. A crise asiática em 1997, o default1 russo em 1998, a

desvalorização do real em 1999, a queda nos preços das commodities2 agrícolas e minerais, em

conjun-to com a apreciação do dólar nos anos seguintes, amplificaram o cenário de baixa liquidez financeira externa e a redução na competitividade comercial. O governo recém-eleito de De la Rua trouxe, na sua fase final, novamente Domingo Cavallo, ministro da Economia, para o centro das decisões políticas.

Suas tentativas de reativar a economia flexibilizando a política monetária e o arranjo cambial não se mostraram bem-sucedidas. A partir de 1999, o país mergulhou em uma profunda recessão. Em particular, o ano de 2001 foi marcado por uma crescente perda de confiança na solvência da econo-mia argentina, especialmente do setor financeiro. As reservas internacionais, que no começo de 2001 estavam na casa dos US$21 bilhões, caíram rapidamente para menos de US$15 bilhões em agosto. Com o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), verificou-se uma recomposição das reservas para os níveis do início do ano.

Porém, com o agravamento da crise, chegou-se em dezembro com reservas abaixo de US$14 bilhões. A queda dos depósitos bancários em quase 1/3 e os saldos negativos da conta capital, que chegaram a US$6 bilhões no último trimestre, não deixavam dúvidas quanto ao fato de que estava em curso uma grave crise de confiança marcada pela fuga de capitais. Em dezembro, o peso e o governo desabam, diante da pressão das manifestações populares (os “panelaços”). Rodríguez Saá toma o poder e decreta o maior default da dívida externa da história. A dívida foi estimada em US$132 bilhões.

É interessante notar que, nos momentos mais agudos de crise, especialmente antes da queda final da conversibilidade, o FMI esforçou-se em liderar pacotes de socorro para o país, que era um dos seus casos exemplares de implementação de reformas liberalizantes.

Entre 1991 e 2001 foram firmados cinco acordos, além de dois outros em 2003 cujos recursos eram destinados fundamentalmente para honrar os compromissos já assumidos. Os montantes desembol-sados pelo Fundo chegaram a US$42 bilhões em valores correntes, dos quais US$23 bilhões no acordo

stand-by3 de 2000 e sua suplementação em 2001. Um balanço das consequências econômicas e sociais desse período deve partir da constatação de que a Argentina passou, em pouco mais de uma década, de um país caracterizado por uma alta homogeneidade social para um novo perfil de concentração da renda mais próximo à realidade média latino-americana. A péssima distribuição de renda na Argentina

1 O não pagamento de uma dívida é conhecido como default.

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chegou a ser pior que os verificados na Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, México e todos os países centro-americanos. Com a fuga de capitais na Argentina, a falta de confiança da população com o sistema financeiro, o PIB em 2001 caiu 4,4% e em 2002 despencou em 10,9%. A economia viveu a maior recessão dos últimos tempos.

Para o Brasil a grande consequência da crise argentina foi ela ter gerado uma falta de confiança nos sistemas financeiros dos países da América Latina. Muitos investidores argumentavam que o Brasil, em 2002, poderia ser o próximo país a decretar sua moratória da dívida externa ou interna. Nesse

com-plicado ambiente externo4 aliado à possível vitória do governo Lula nas eleições presidenciais, o Brasil

registrou uma forte fuga de capitais (saída de dólares). E, assim, o real sofreu uma forte desvalorização frente ao dólar norte-americano. Por exemplo, em janeiro de 2002, o câmbio estava em R$2,37/US$1,00 e em outubro R$3,80/US$1,00. Uma desvalorização do real frente ao dólar de 60%, como destacado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Desempenho mensal da taxa de câmbio (R$/US$) no Brasil de jan./1999 a dez./2007

jan/99 jul/99 jan/00 jul/00 jan/01 jul/01 jan/02 jul/02 jan/03jul/03 jan/04 jul/04 jan/05 jul/02 jan/06jul/06 jan/07 jul/07

Taxa de c âmbio (R$/US$) 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 Ba nc o C en tr al d o B ra si l ( BC B) .

Como consequência, o PIB brasileiro nos anos 2002 e 2003 apresentou crescimento extremamente baixo e a inflação disparou. Em 2002, a taxa de inflação foi de 12,53% e no ano seguinte 9,30%. Ambos os valores, como destacado pela tabela 2, estão fora da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional. Em 2002, a economia cresceu apenas 2,7% e, em 2003, 1,1% como mostra a tabela 1. A renda

per capita ficou praticamente estagnada e, com a falta de confiança dos empresários em relação ao

futuro da economia, a taxa de investimento em relação ao PIB caiu de 16,4% em 2002 para 15,3% do PIB em 2003 como mostra a tabela 1.

A principal vantagem da crise de 2002 e da desvalorização do real frente ao dólar foi o impacto positivo no crescimento sustentável das exportações brasileiras. Com isso, a balança comercial, como destacado na tabela 1, melhorou consideravelmente. Por exemplo, em 2002, o saldo da balança comercial era de um superávit de US$13,1 bilhões. Dois anos depois, em 2004, o superávit comercial aumentou para US$33,6 bilhões, possibilitando uma entrada maior de dólares e, assim, estabilizando e até reduzindo a taxa de câmbio.

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Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos do Brasil de 2000 a 2007

Ano PIB real(em %) capita (em %)Renda per Inflação(IPCA) Saldo da balança comercial (em