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Meia década de metas para a inflação

É preciso avançar na consolidação da credibilidade da política monetária

(GARCIA, 2008)

Após a flutuação cambial de 1999, adotou-se como regime de política monetária no Brasil a sistemática de “metas para a inflação”. O Brasil faz parte de um crescente grupo de países que, por razões diversas, passaram a adotar tal sistema a partir de 1990. [...]

[...] Após meia década, a percepção geral parece ser a de que a política macroeconômica apoiada no tripé câmbio flutuante, superávit primário adequado e metas para a inflação é indubitavelmente eficaz para manter a inflação sob controle. Mas há também o sentimento de que a política econômica está devendo a tão desejada retomada do crescimento sustentado.

Como o regime de metas para a inflação pode ser aprimorado de forma a melhor contribuir para a retomada do crescimento sustentado? A principal tarefa é reforçar a credibilidade da política monetária, de forma a dar mais estabilidade às expectativas inflacionárias, assim contribuindo posi-tivamente para o investimento produtivo e para o crescimento.

Estudos que Alexandre Lowenkron e eu vimos realizando mostram que as expectativas infla-cionárias de médio prazo são excessivamente sensíveis às surpresas na inflação corrente. Caso a credibilidade na capacidade de o BC cumprir as metas para a inflação fosse aumentada, eventuais surpresas de curto prazo não teriam tanto impacto na expectativa de inflação de médio prazo, uma vez que haveria maior confiança quanto ao cumprimento das metas.

De onde pode advir a desconfiança quanto ao cumprimento das metas? Certamente não advém de uma avaliação que o BC venha sendo leniente com a inflação. Não obstante a ação firme que o BC vem demonstrando, qualquer regime de metas para a inflação leva em conta, explícita ou

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implicitamente, o nível de atividade. Provocar altas muito elevadas no desemprego para cumprir rigorosamente a meta inflacionária pode não valer a pena em algumas circunstâncias.

Apesar de toda a crítica que tem sido dirigida contra o BC por suposto excesso de conser-vadorismo, apenas em 2000 a inflação situou-se no centro da meta. Para 2004, a inflação deve se situar mais perto do limite superior da meta do que do centro da mesma. Em termos de resultados, temos ainda muito a conquistar. E quando não se confia plenamente na meta, para cumpri-la, o BC tem que impor mais custos à economia do que precisaria se houvesse plena credibilidade. Ou seja, maior credibilidade possibilitaria ao BC praticar juros menores para cumprir a meta de inflação.

Mas há uma outra fonte de desconfiança quanto ao cumprimento das metas. Trata-se do que os economistas conhecem como “mudança de regime”. Uma das possibilidades de mudança de regime ocorreria caso a política econômica atual não consiga produzir resultados em termos de crescimento econômico e melhora dos indicadores sociais, sendo então radicalmente desfigurada na tentativa de obter melhores resultados. Nos últimos meses, por exemplo, o temor tem sido a reversão para políticas econômicas defendidas pelo PT antes da Carta aos Brasileiros, possivelmente com a substituição das equipes da Fazenda e do BC. Sob esse cenário, voltariam os déficits primá-rios do primeiro governo de FHC, os juros reais cairiam fortemente e, inevitavelmente, a inflação se elevaria. Uma contínua sucessão de boas notícias é necessária para evitar tal cenário. Por isso as más notícias (surpresas) no front inflacionário de curto prazo têm um impacto muito elevado nas expec-tativas inflacionárias de médio prazo. As más notícias quanto à inflação de curto prazo aumentariam a probabilidade de se abandonar a política macroeconômica consistente que o governo Lula vem seguindo, o que levaria ao retorno da inflação elevada.

Uma causa de tal mudança de regime poderia ser uma eventual deterioração das condições de liquidez dos mercados financeiros internacionais. Nesse cenário externo ruim, caso o FED viesse a elevar bruscamente os juros nos EUA, o risco Brasil subiria muito, levando à forte depreciação da taxa de câmbio. O BC então seria forçado a elevar os juros reais, abortando uma vez mais o cresci-mento e elevando as chances de abandono do atual tripé macroeconômico.

Para tornar nossa política monetária mais robusta e aumentar a credibilidade nas metas para inflação várias medidas podem ser tomadas. Tentar diminuir a indexação dos preços administrados ao IGP-M, índice fortemente influenciado pelo câmbio, é um passo importante. Tal iniciativa deve ser feita através da negociação, uma vez que eventuais quebras de contratos seriam contraprodu-centes ao afetarem negativamente o investimento privado.

Aumentar o superávit nominal via corte dos gastos públicos primários seria relevante para extinguir eventuais dúvidas quanto à sustentabilidade da dívida pública. A redução de risco país advinda de tal iniciativa em pouco tempo pagaria tal medida via diminuição dos juros da dívida pública.

Por fim, completar o arcabouço institucional do regime de metas para a inflação, conferindo autonomia operacional (não de objetivos) ao BC seria de inestimável importância para aumentar a

credibilidade da política monetária. Segundo estudo recente,os países que ainda não deram

auto-nomia operacional aos seus bancos centrais são exatamente aqueles cujas políticas monetárias têm menor credibilidade.

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Atividades

1. Descreva quando o Brasil adotou o regime de metas de inflação. Quais são suas principais

carac-terísticas?

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Gabarito

1. No Brasil, o regime de metas de inflação foi implantado oficialmente no dia 22 de junho de 1999,

através do Decreto 3.088 de 21 de junho de 1999, após o fim do regime de taxa de câmbio fixo (minibandas cambiais), em janeiro de 1999, com a proposta de manutenção da estabilidade monetária obtida pelo Plano Real (julho de 1994). Principais características:

adota como referência a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),

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calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). adota um regime de câmbio flexível.

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o Conselho Monetário Nacional fixa a meta de inflação e seus intervalos (limites superior e

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inferior) para os próximos dois anos subsequentes.

o Banco Central do Brasil (BCB) é a instituição responsável pelo cumprimento da meta de

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inflação.

caso a inflação saia da meta estabelecida, o presidente do BCB deve enviar uma Carta Aberta

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ao ministro da Fazenda justificando o descumprimento da meta inflacionária.

2. Desde 1999, a economia argentina vinha sofrendo com uma recessão econômica. Além da crise

asiática em 1997, do default russo em 1998, da desvalorização do real em 1999, da queda nos preços das commodities agrícolas e minerais, em conjunto com a apreciação do dólar nos anos seguintes, todos esse fatores amplificaram o cenário de baixa liquidez financeira externa e a redução na competitividade comercial.

A partir de 1999, o país mergulhou em uma profunda recessão. Em particular, o ano de 2001 foi marcado por uma crescente perda de confiança na solvência da economia argentina, especialmente do setor financeiro. Em dezembro de 2001, com reservas abaixo de US$14 bilhões, o peso e o governo desabam. Diante da pressão das manifestações populares (os “panelaços”), Rodríguez Saá toma o poder e decreta o maior default da dívida externa da história. A dívida foi estimada em US$132 bilhões.

3. Para o Brasil, a grande consequência da crise argentina foi este país ter gerado uma falta de

confiança nos sistemas financeiros dos países da América Latina. Muitos investidores argumen-tavam que o Brasil, em 2002, poderia ser o próximo país a decretar sua moratória da dívida ex-terna ou inex-terna. Nesse complicado ambiente externo aliado à possível vitória do governo Lula nas eleições presidenciais, o Brasil registrou uma forte fuga de capitais (saída de dólares). E, as-sim, o real sofreu uma forte desvalorização R$2,37/US$1,00 e, em outubro, R$3,80/US$1,00. Uma desvalorização do real frente ao dólar de 60%.

4. O Brasil deve enfrentar os seguintes desafios:

manter o processo de queda dos juros sem prejudicar a estabilidade da inflação.

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expandir os investimentos das empresas em uma taxa acima de 5% ao ano.

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FUNDAMENTOS DE

ECONOMIA