• Nenhum resultado encontrado

O milagre econômico e os choques do petróleo

brasileiro e a crise

dos anos 1980

A economia brasileira iniciou os anos 1970 em forte crescimento econômico. O país crescia a taxas superiores a 10% ao ano com uma inflação controlada e parecia que nada poderia parar o Brasil. Mesmo no primeiro choque do petróleo, em 1973, os formuladores de política econômica decidiram manter o ritmo forte de crescimento lançando o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Entretanto, as con-dições de financiamento e a alta nos preços tornaram-se preocupantes em 1979, no segundo choque do petróleo, inviabilizando a manutenção do crescimento econômico. Os anos 1980 foram inicialmente difíceis em virtude da recessão mundial e brasileira e na segunda metade devido ao problema da hi perinflação e dos insucessos dos planos econômicos.

Esta aula tem como propósito apresentar como a economia brasileira foi gradativamente se deteriorando entre as décadas de 1970 e 1980, com a recessão e principalmente com a inflação des-controlada. Nesse sentido, divide-se o capítulo em duas seções. Primeiramente, os fatores que justifica-ram o milagre econômico vivido no início dos anos 1970 e, posteriormente, as consequências dos cho-ques do petróleo são apresentados. E, na segunda parte, serão analisados o ajuste recessivo brasileiro, com a queda do PIB e o aumento da inflação nos anos 1980, uma década complicada para a economia nacional.

O milagre econômico e os choques do petróleo

O milagre econômico ocorreu entre os anos 1968 e 1973 e representou o período de maior expansão da economia brasileira. Como demonstrado na tabela 1, a seguir, o Produto Interno Bruto

130 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Com isso, torna-se essencial apresentar os motivos gerais que impulsionaram um crescimento tão expressivo da economia. Primeiramente, nos anos anteriores, entre 1964 a 1967, o país apresentou um crescimento econômico moderado, principalmente do setor industrial. Nesse caso, havia capacidade ociosa no nível produtivo da economia. Segundo, o sistema financeiro nacional tinha se modernizado, criando o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (Bacen). E, com a melhora na atividade bancária, o crédito pôde expandir. E, por último, as condições externas eram favoráveis, com taxa de juros internacionais baixas e grande volume de liquidez. Como o Brasil se beneficiou da poupança externa, crescendo acima da sua capacidade interna, o período foi considerado, por muitos pesquisadores e políticos, como um milagre da economia brasileira.

Os anos de 1962 a 1967 tiveram como foco principal o combate ao processo inflacionário e a ins-tabilidade política com o lançamento do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) em 1964. Com isso, a economia brasileira cresceu em média 4,0% no PIB ao ano e 3,7% na indústria. Esses valores para a época eram moderados e até mesmo baixos devido à capacidade produtiva da economia brasileira, que apresentava condições para crescer acima de 8% ao ano em virtude dos fortes investimentos públicos e privados nos final da década de 1950, podendo-se argumentar que o país apresentava capacidade ociosa, isto é, não utilizava totalmente a produção instalada. Esse fato era justificado pela redução no nível de demanda, devido ao aumento nos juros e na redução dos gastos do governo.

Portanto, o governo na época do milagre identificava uma necessidade de expandir o crescimento econômico e recuperar a capacidade de investimento da economia. Com a redução da taxa de juros e o aumento no crédito na economia, mais recursos financeiros foram destinados às empresas e, com isso, a taxa de investimento em relação ao PIB se expandiu de 18,7% em 1968 para 19,1% em 1969. No ano seguinte, 1970, o país lança o I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) com o objetivo de tornar o Brasil uma grande potência econômica até o final do século XX.

Tabela 1 – Indicadores macroeconômicos no milagre econômico de 1968 a 1973

Ano PIB real(em %) Renda per capita (em %) Inflação(IGP-DI) Saldo da balança comercial (em

milhões de US$)

Investimento

(em % do PIB)

1968 9,8% 6,7% 25,5% 26,2 18,7% 1969 9,5% 6,4% 19,3% 317,9 19,1% 1970 10,4% 6,8% 19,3% 232 18,8% 1971 11,3% 8,6% 19,5% -343,5 19,9% 1972 11,9% 9,2% 15,7% -241,1 20,3% 1973 14,0% 11,2% 15,5% 7 20,4% Média 11,2% 8,2% 19,1% -0,25 19,5% Fu nd ão G et ul io V ar ga s ( FG V) ; I ns tit ut o B ra si le iro d e G eo gr afi a e E st at ís tic a ( IB G E) ; B an co C en tr al d o B ra si l (B CB ).

O governo deveria investir para reduzir o hiato tecnológico existente entre o Brasil e os países industrializados, empregando recursos na qualificação da mão de obra e no desenvolvimento das empresas nacionais. Buscava-se também aproveitar o extenso território nacional e os recursos naturais abundantes que forneciam uma vantagem comparativa à agricultura brasileira com a modernização na agricultura. Entre os anos de 1968 a 1973, a agricultura cresceu em média 4,5% ao ano. Uma taxa expressiva se comparada com os anos anteriores, mas não suficiente para absorver grande parte da

131 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

mão de obra pouco qualificada. Coube, em grande medida, ao crescimento da construção civil corrigir o problema do subemprego e desemprego. O gráfico 1 descreve que já em 1968 a construção civil

cres-ceu acima de 16%, em termos reais (m2 construído). Com a expansão do crédito via Banco Nacional de

Habitação (BNH), o setor não parou de expandir. Em todo o milagre, cresceu a taxas superiores a 10%, sendo que em 1972 cresceu 17,9% e no ano seguinte 20,9%. Além de realmente “puxar” a economia, a construção civil gerou muito emprego nas grandes cidades, em especial Rio de Janeiro e São Paulo.

A indústria de transformação cresceu a uma taxa superior a 10% ao ano no milagre econômico. Os principais segmentos que se beneficiaram dessa expansão foram a metalurgia, química, petroquímica e produtos minerais não metálicos (cimento, papel e celulose). E contaram com um forte fomento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal (CEF) e benefícios fiscais para a concentração industrial nas grandes empresas e, com isso, fortalecendo e consolidando um modelo brasileiro de capitalismo industrial. Esse estava também voltado para a necessi-dade de integrar os interesses governamentais das empresas públicas com as necessinecessi-dades das grandes empresas ou grupos privados nacionais.

Kon (1999, p. 53) descreve as relações entre o governo e o setor privado no I PND: “Todavia, não devemos considerar tal expansão como sendo resultado de uma proposta de aumento do grau de inter-venção do Estado na economia, mas sim como uma forma concentrada pelo Estado brasileiro naquele momento para viabilizar o desenvolvimento de certos setores considerados essenciais para o crescimento econômico”.

A política industrial voltada para o fortalecimento de grandes grupos gerou consequentemente uma concentração de acumulação de capital. Como a economia crescia atendendo ao mercado doméstico e externo, a taxa de lucro era bastante elevada e, com o cenário político não democrático, prejudicou o avanço dos sindicatos nas negociações salariais. Assim, o crescimento real dos salários em comparação com o crescimento dos lucros foi pequeno e nas atividades que demandavam mão de obra não qualificada foi praticamente nulo, podendo argumentar que o crescimento econômico no milagre foi altamente concentrador de renda.

Gráfico 1 – Taxa de crescimento real (em %) anual da indústria de transformação e da cons-trução civil no Brasil de 1968 a 1973

PIB – Indústria de transformação PIB – Construção civil

In st itu to B ra si le iro d e G eo gr afi a e E st at ís tic a ( IB G E) . 7 10 13 16 19

132 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

O setor externo também beneficiou o forte crescimento brasileiro, como destacado anteriormente. Contudo, cabe uma análise mais detalhada. Em primeiro lugar, com o crescimento econômico e da renda, as importações de bens são intensificadas. Sendo comum, em períodos de expansão econômica, os países apresentarem, por exemplo, déficit na balança comercial: importações maiores que as exportações. E, de acordo com a tabela 1, não foi isso que ocorreu no milagre, pois na média o saldo da balança comercial foi de US$ 250 mil, isto é, muito pouco. Ou, melhor ainda, praticamente equilibrado. Nesse período, obser-vou-se um aumento expressivo nas exportações brasileiras em virtude do crescimento mundial. Produtos como soja, açúcar, carne, minerais, têxtil estavam valorizados internacionalmente e compensaram o au-mento nas importações.

Essa dinâmica externa benéfica para o crescimento brasileiro foi afetada com o primeiro choque do petróleo, em 1973, que representou um aumento nos preços internacionais do barril de aproximada-mente US$3,00 para US$12,00. E, como o país era dependente dessa matéria-prima, a balança comercial se deteriorou rapidamente, como destacado na tabela 2, por exemplo, em que 1974 com o forte cres-cimento econômico do PIB de 8,2% e o aumento no preço do petróleo, a balança comercial brasileira registrou um déficit histórico de US$4,69 bilhões. Mesmo com as dificuldades externas, o Brasil decide em 1974 manter o programa de crescimento acelerado com o lançamento, neste ano, do II Plano Na-cional de Desenvolvimento. A ideia do governo era realmente manter a atividade econômica forte visto que, na interpretação dos formuladores de política do governo, o primeiro choque do petróleo deveria ser um avanço nos preços temporários, e não permanente. Isto é, esperava-se uma redução dos preços para os próximos três anos pelo menos e o Brasil não poderia parar de crescer e se desenvolver.

E, aliadas ao capital privado as empresas estatais deveriam expandir seus investimentos em setores-chave da economia, que poderiam desconcentrar a produção industrial no Sudeste. Buscou-se com isso incentivar as indústrias básicas na área de telecomunicações, energia e transportes. Em média, a indústria cresceu em termos físicos 6,5% ao ano, entre o período de 1974 a 1979. Bem menos que no milagre, mas uma taxa expressiva; os segmentos como eletrônicas, petroquímicas, fertilizantes, papel e celulose, e fertilizantes foram os mais beneficiados.

Na área energética procurou-se incentivar programas alternativos de geração de energia, devido ao aumento no preço do petróleo, como o programa Pró-Álcool de 1975, que diminui a dependência do país. Foram feitos também investimentos em novas usinas hidrelétricas, como a Itaipu e Itumbiara.

Kon (1999) destaca que em 1974 o Brasil produzia 8,6 milhões de toneladas de lingotes de aço para 13,9 milhões em 1979. O crescimento foi menor que o previsto, mas foi importante. No que se refere à produção de alumínio, zinco e fertilizante, o II PND foi excepcional e superou as expectativas. E a economia brasileira cresceu, em média, 6,7% ao ano durante o plano. Com o segundo choque do petróleo, em 1979, a balança comercial não conseguiu se recuperar, gerando mais um déficit de US$2,8 bilhões. Sendo que o principal problema começa a ser observado na inflação que, de acordo com o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), passou de 40,8% em 1978 para 77,2% em 1979 e sem perspectiva de arrefecimento.

133 | O milagre econômico brasileiro e a crise dos anos 1980

Tabela 2 – Indicadores macroeconômicos no II Plano Nacional de Desenvolvimento de 1974 a 1979

Ano PIB real(em %) capita (em %)Renda per Inflação(IGP-DI) Saldo da balança comercial (em