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Contemporaneidade O Princípio da Esperança

No documento A Norma do Novo_DTP (2) (páginas 163-166)

Um dos resultados imediatos e evidentes do restabelecimento de uma pers- pectiva mais otimista dos aspectos socioculturais do homem ocidental europeu a partir dos séculos XI e XII, bem como a sucessiva imanentização e seculariza- ção posterior da leitura do messianismo judaico e da concepção finalista cristã do destino sobrenatural, foi a conformação da ideia de progresso (ininterrupto). Doravante, a ideia do progresso, despida das referências mito-religiosas de onde surgiu, será um dos mais fortes símbolos caracterizadores da nossa modernidade.

“A ideia cristã católica de progresso floresce em torno do começo do sécu- lo XIII. É perfeitamente visível nos escritos dos séculos XII e XIII a consciência de um avanço persistente e cumulativo da cultura desde um passado remoto até um futuro distante, bem como a fé numa Idade de Ouro de moralidade e de espiritualidade que se localiza no futuro e neste mundo”.116

Um dos historiadores do sistema de patentes de nosso século, Max Frumkin, nos diz de forma direta e enfática: “A ideia de progresso não existia na Antiguidade ... para a mitologia grega as fases históricas caminhavam da Idade de Ouro deteriorando-se até a Idade de Ferro. «This is nothing but the very reverse of the idea of progress, and

115 Ibid., p. 358

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such a fact, because a fact it is, has an utmost importance for the study of our subject, a patent system being nothing else but the idea of progress appearing in Law.117

- Qual é o futuro da ideia de progresso? Pergunta, por outro lado, Robert Nisbet. Em sua opinião, uma resposta a essa pergunta deveria pressupor uma resposta a uma pergunta anterior, ou seja: Qual é o futuro do judaísmo e do cristianismo católico no Ocidente? Pois uma generalização que se pode formular sobre a ideia de progresso é que esta ideia, através da história, esteve sempre intimamente relacionada ou depen- deu da religião judaico-cristã, e das construções intelectuais delas derivadas.118

Foi dentro do Cristianismo, como resultado da união tão cheia de conse- quências do judaísmo, e especialmente do messianismo, que a ideia de progresso alcançou a forma e o conteúdo que deveria adquirir no mundo moderno: a visão da humanidade como um todo em avanço necessário, etapa por etapa, de um passado remoto e primitivo (infeliz) em direção a um futuro glorioso, justo e beatífico (embora distante); o processo todo do desenrolar de um desígnio inicial da Providência. E esta visão alcançou o seu ponto mais elevado durante o século XVII, com o florescimento puritano nas artes e na ciência.119

Para Emmanuel Mounier, em A Agonia do Cristianismo, “o cristianismo cató- lico não se identifica e não se reduz a nenhuma ordem estabelecida, pois a tensão escatológica do cristianismo (e do judaísmo-MC) não permite considerar nenhuma situação de fato como perfeita ou absoluta … Em suma, não há uma forma defi- nitiva do cristianismo com o mundo … essa forma definitiva não pode existir”.120

Mesmo durante o Iluminismo - com exceção de filósofos como Condorcet - a ideia do progresso continuou intima e profundamente unida ao Cristianismo, como enfatizam as importantes obras de Lessing, Kant, Herder, Priestley e muitos outros. E o mesmo ocorre no século XIX. R.Nisbet nos diz que para cada Marx entre os profetas do progresso, e a própria simbólica, a mensagem e a dogmática marxista não podem ser excluídas da tradição profética do judaísmo, dezenas de pensadores tomaram o cristianismo, ou algumas religiões substitutivas para o cristianismo, a pedra de toque da fé no progresso. Os escritos da fase madura de Saint-Simon e de

117 FRUMKIN, Max. The Origin of Patents, JPOS, n.27, 1945; p. 9 118 Nisbet, op.cit., 1980, p. 357

119 Para um aprofundamento, ver Nisbet, op.cit., 1980, p. 357

120 REALE, Giovanni., ANTISERI, Dario. Il Pensiero Occidentale dalle Origini ad Oggi, 1986; tr.port.

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A.Comte, por exemplo, dois indubitáveis expoentes da filosofia do progresso da fase

apoteótica de nossa modernidade, apontam para isto. Até mesmo John Stuart Mill,

ateu declarado durante grande parte de sua vida, em seus últimos anos declarou que o cristianismo era indispensável para a compreensão tanto da ideia de progresso como da de ordem. E a evidência maior desta correlação entre o progresso e a te- ologia cristã, encontra-se, evidentemente, na erga obra de F.Hegel, e mesmo na de Teilhard de Chardin, no século XX, com seu “Deus en avant” (seu Ponto Ômega).121

“O futurismo estrutural do acontecer histórico foi descoberto pelo homem europeu moderno porque ele o trazia consigo como cristão-judeu e engenheiro, como descobridor, inventor e reformador do mundo …”, dirá Hans Freyer de forma direta e insofismável.122

Desde o início do século XIX, e durante a própria fase apoteótica de nossa modernidade, o enfraquecimento e as posturas negativas evidentes de vários au- tores e filósofos acerca da ideia de progresso (Arthur Schopenhauer, Nietzsche, J.Burckhardt, Oswald Spengler, Thorstein Veblen, etc.), atestam, na realidade, um fenômeno mais profundo e significativo que vem ocorrendo no Ocidente nos últimos 150 anos aproximadamente. Este enfraquecimento e a dissolução de certas características, instituições e símbolos cardeais do Ocidente moderno, serão vistos com mais detalhes na Parte III deste trabalho. Aqui, apresentare- mos, de forma resumida, dado as consequências para o tema que nos ocupamos que é o sistema de patentes, a persistência e a resistência da ideia do progresso no interior de algumas formulações teológico-filosóficas contemporâneas.

A persistência da ideia de progresso no século XIX, e no século XX, apesar dos ataques de grandes intelectuais e filósofos mencionados no parágrafo anterior, pode ser avaliada e percebida nas formas intelectuais bastante elaboradas e orna- mentadas de filósofos que vieram a marcar todo o século e toda esta nova fase da cultura ocidental, e que de certa forma se prolongou até momentos avançados do século XX. Por exemplo, as obras de F.Hegel, de K.Marx, de H.Spencer, de C.Darwin, de A.Comte e tantos outros; e isto só para mencionarmos as obras lo- calizadas no sentido do movimento progressivo ascendente e de um futuro beatífico civilizacional, ou de um estado-momento de um valor superior.

121 Para mais detalhes ver LIMA VAZ, H.C. Universo Científico na Visão Cristã de Teilhard de Chardin, 1967 122 FREYER, Hans. Theorie des Gegenwartigen Zeitalters, 1955; tr.port. Teoria da Época Atual, 1965; p. 22

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A reafirmação do quiliasmo foi, como não poderia deixar de ser, continuada e reelaborada no interior das filosofias e das teologias católicas, protestantes, e nas interpretações do judaísmo. Tanto nas expressões propriamente teológicas ou religio- sas stricto sensu, como nas expressões mais secularizadas destas simbólicas, como por exemplo, nas obras dos neomarxistas e neopositivistas. Estes filões foram, e continu- am sendo, os leitos por onde correm as águas atuais da persistência da ideia de progres- so na contemporaneidade e alimentam (ainda) os símbolos maiores da modernidade: o futuro, a utopia, a perfectibilidade, a mudança, o progresso e a esperança.

Conforme vimos pela afirmação acima de Max Frumkin, como o destino da ideia do sistema de patentes encontra-se atrelado claramente ao destino da ideia de progresso, e este, por seu turno, encontra-se vinculado ao destino da pró- pria dogmática judaico-cristã do Ocidente, uma pequena descrição da situação presente das forças intelectuais destes pensamentos e destas simbólicas é, então, importante para uma avaliação compreensiva desta questão e deste destino.

Neste sentido, apresentaremos de forma resumida a seguir, os caminhos do pensamento que buscam a permanência do quiliasmo e a reafirmação do futuro como mensagem teológico/filosófica da contemporaneidade. Principal- mente merecem destaque, neste estudo, as Filosofias da Esperança.

No documento A Norma do Novo_DTP (2) (páginas 163-166)