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Eric Voegelin e a Secularização do Messianismo Judaico a partir do Simbolismo de Joaquim de Fiore.

No documento A Norma do Novo_DTP (2) (páginas 151-161)

Antecedentes das Teorias Modernas do Progresso

Joaquim de Fiore criou, com sua obra, o conjunto de símbolos que organi- za, até hoje, a auto interpretação da sociedade política moderna, isto é:

1) a concepção da História como uma sequência de três Eras, onde a ter- ceira é claramente o ápice final. Ver, neste particular, as concepções de Francis Bacon, Turgot, Comte, Hegel, Marx, e outros. Para F.Bacon, assim como para todos os humanistas renascentistas, por exemplo, a História dividia-se em três etapas: (i) a história dos gregos e dos romanos; (ii) a medieval-cristã (o medium

aevum); e (iii) a história que estava começando.

2) a ideia de um líder necessário; e

3) a ideia do profeta da nova Era (o gnóstico secularizado ou laico), às vezes combinada com a segunda acima. A fim de dar validade e convicção à ideia da chegada necessária do Terceiro Momento Final, é também necessário presumir-se que o curso da História, como um todo inteligível e significativo, seja “acessível ao conhecimento humano”, ou através de uma revelação direta (como profecia), ou através da gnose especulativa (e mesmo de uma vanguarda).

A ideia de profecia ou revelação de um destino (futuro) significa, de fato, a própria gnose (ou conhecimento), ideia esta que se encontra vinculada à necessida- de de um certo controle, previsão e domínio da história através do conhecimento subjetivo, transformado este, doravante, no saber de certas leis internas, intrínsecas,

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de movimento, tanto das trajetórias do homem e da sociedade, quanto das coisas materiais. Prospectar o futuro, predizer, a partir da hipótese da gnose (isto é, do

conhecimento, neste caso, laico), o movimento imanente da História e das coisas.

Assim, para Eric Voegelin, o profeta gnóstico ou, nos estágios posteriores de secularização, o intelectual gnóstico, torna-se um acessório obrigatório da mo- dernidade. E Joaquim de Fiore viria a ser o primeiro intelectual dessa espécie;

4) a ideia de uma irmandade de pessoas autônomas, isto é, de uma co- munidade dos espiritualmente perfeitos, sem qualquer autoridade institucional para mediá-los. A Terceira Idade, na concepção de Joaquim, transformará os homens em membros de um Novo Reino sem a mediação sacramental da graça. Nessa nova Era, a Igreja institucional deixaria de existir, pois os dons caris- máticos necessários à vida perfeita chegariam aos homens diretamente e sem a administração dos sacramentos.

Encontraremos esta ideia-símbolo em diversas seitas medievais e renas- centistas, nas igrejas puritanas, etc. Em sua forma secularizada, esta ideia tor- nou-se componente decisivo do credo democrático liberal clássico e contempo- râneo (por exemplo, em Rousseau), e constitui, nos séculos XIX e XX, o núcleo ativo do misticismo marxista sobre a existência de um reino de liberdade e do gradual desaparecimento do Estado sob o comando do “Partido Comunista” e seus intelectuais (oniscientes).96

A escatologia trinitária evolutiva de Joaquim de Fiore constitui uma es- peculação (hoje diríamos uma teoria) sobre o significado e o sentido da História, especulação esta marcadamente distinta da interpretação cristão-católica ofi- cial da Alta Idade Média.

Conforme vimos anteriormente, reintroduz-se, reinterpreta-se e recupera- -se, a partir de Joaquim de Fiore, de certa forma, a concepção judaico-cristã de um Fim para a História, no sentido de um “estado inteligível de perfeição na Terra”. A História volta a adquirir direção e destino, e uma certa expectativa

mais promissora e mais otimista.

A concepção cristã da História de Agostinho, como vimos, admitia, é certo, a ideia de um rumo em direção a um fim, estado este compreendido como uma realização unicamente transcendental. Ao elaborar esta interpretação,

96 Ver também LOWY, M. Rèdemption et Utopie: le Judaìsme Libertaire em Europe Centrale (une Étude

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S.Agostinho diferenciava a esfera profana da História, onde os Impérios cres- cem e decaem, da História sagrada, que culmina na encarnação de Cristo e no estabelecimento da Igreja. Além disso, incorporou Agostinho a ideia de que a História transcendental, que abrangeria a peregrinação terrena da Igreja, mo- ver-se-ia rumo à realização escatológica. A História profana, por outro lado, não teria igual direção, pois consistiria na espera do fim (como término); sua forma presente foi expressa na famosa fórmula de um saeculum senescit, isto é, de uma época que envelhece (um mundo que envelhece).97

Nos dias de Joaquim, a civilização ocidental estava em fase de rápido cres- cimento e começava a reconhecer sua força, não suportando facilmente o der- rotismo agostiniano com relação à esfera mundana da existência.98

Nesta primeira tentativa do Ocidente de imanentização do significado da His-

tória, que foi a de Joaquim de Fiore, não se perdeu a conexão com a simbologia e

a dogmática cristã. Aliás, conforme explicitado no capítulo 4/II adiante, a carac- terística principal da fase pioneira de nossa modernidade, em nossa compreensão, é precisamente esta dualidade simbólica, por assim dizer, entre a expressão (forma) comunicada, e o conteúdo a ser transmitido. Na interpretação escatológica de Joaquim de Fiore, o conteúdo utilizado ainda é o relativo à dogmática e aos fatos da religiosidade judaico-cristã, mas a forma expressiva e a exegese empreendida levarão a uma abordagem e a uma leitura sucessivamente moderna dos textos.99

A ideia de uma compreensão do significado e de uma realização históri- ca radicalmente imanente, como nos diz Voegelin, cresceu de forma vagarosa, num longo processo que pode ser caracterizado como uma transição que vai do humanismo ao iluminismo. Na nova Era anunciada por Joaquim de Fiore, na Terceira Idade, a maior realização dentro da História ainda se daria através da irrupção do espírito, e não através de uma erupção imanente ou revolução unicamente humana. Somente no século XVIII, com a disseminação e a conso- lidação da ideia de progresso, o aumento do significado na história tornou-se um fenômeno unicamente intramundano, sem qualquer irrupção transcendental ou espiritual. Designaremos aqui esta segunda fase da imanentização, conforme indicado por Voegelin e outros, como secularização.

97 Para um aprofundamento ver VOEGELIN, Eric. The New Science of Politics, 1952; tr.port. A Nova

Ciência da Política

98 Ver Voegelin, op.cit., p.92

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A imanentização de Joaquim de Fiore suscitou uma questão teórica que não se apresentava na Antiguidade clássica, e nem na cristandade ortodoxa da Alta Idade Média: o problema de um eidos da História.

A verdade soteriológica do cristianismo rompeu com o entendimento clássico do ritmo cíclico da existência, conforme vimos na Parte I, pois para a dogmática cristã da Alta Idade Média Orígenes-agostiniana, além dos êxitos e insucessos temporais e mundanos da existência humana, encontra-se o Destino Sobrenatural do homem, e sua perfeição através da graça no além. O homem e a sociedade teriam sua realização, mas esta estaria além do mundo concre- to e natural da existência humana. Para o cristianismo ortodoxo não haveria, portanto, um eidos da história porque a sobrenatureza escatológica não é uma natureza no sentido filosófico e imanente. Logo, o problema do eidos da história só se apresenta quando a realização transcendental cristã é imanentizada.

Entretanto, esta hipótese imanentista da escatologia cristã, vertida para uma compreensão do significado humano da História, é simplesmente uma falá- cia teórica, pois o curso da história, como um todo, não é objeto de experiência. Neste sentido, a História não possui, como querem os modernos (com exceção de T.Veblen, Darwin e outros), um eidos, uma intencionalidade intrínseca, imanente, pois seu curso se estende a um tempo futuro desconhecido. O significado da História é, portanto, uma ilusão. E esse eidos ilusório, que possui fontes e raízes profundas no messianismo judaico e no milenarismo cristão, como vimos anteriormente com detalhes, é criado ao se tratar um símbolo de fé como se fosse uma proposição rela- tiva a um objeto da experiência concreta e imanente. É neste sentido que podemos dizer, com grande dose de segurança, que todos os intelectuais modernos (com as exceções assinaladas acima), se fazem profetas-previsores. Os economistas modernos talvez sejam o gênero paradigmático deste intelectual gnóstico secularizado.

O simbolismo cristão do destino sobrenatural, herança direta do messianismo judai- co, possui uma estrutura teórica que foi mantida nas variantes imanentistas modernas. O avanço do peregrino e a santificação da vida constituem um movimento rumo a um

telos, a uma meta; e essa meta é compreendida como um estado superior de perfeição.

Assim, no simbolismo cristão do destino sobrenatural, podemos distinguir: a) o movimento, como seu componente teleológico; e

b) um estado de valor máximo, como seu componente axiológico.100

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Os dois componentes acima ressurgem nas variantes modernas da imanen- tização, podendo-se percebê-los como variantes que ora acentuam o componente teleológico (o movimento), ora o axiológico (um estado de valor máximo), e ora uma combinação dos dois. No primeiro caso, quando a ênfase recai fortemente sobre o movimento - sem que se explicite claramente o componente da perfei- ção final - o resultado será a interpretação progressista da história (A.Comte, por exemplo). O objetivo ou a meta de um estado de perfeição superior aqui não precisa ser esclarecido, porque os pensadores progressistas, homens como Diderot ou D’Alembert, interpretam o progresso como um aumento qualitativo e quanti- tativo crescente do bem presente; o maior e o melhor, sucessivamente.101

No segundo caso, quando a ênfase recai claramente sobre o estado supe- rior de perfeição, sem nitidez acerca dos meios necessários para a sua realização, o resultado será o utopismo.

E os utopismos sociais podem assumir várias formas:

1) a forma de um mundo de sonho axiológico, onde o autor tem consciência do aspecto irrealizável do mesmo, como por exemplo, a Utopia de Thomas More;

2) a forma de vários idealismos sociais, tais como o desejo da abolição de- finitiva da guerra, da eliminação da distribuição desigual da propriedade e da renda; o término das injustiças, etc.

3) e mesmo formas compostas, tais como o desejo de condições socioeconô- micas mais justas, com efetiva condição material e psíquica para tal propósito, mas com possibilidades remotas de execução em função das estruturas sociais cristali- zadas, como por exemplo a famosa utopia de Edward Bellamy, Looking Backward.

A imanentização pode se estender, ainda, à totalidade do símbolo cristão do destino sobrenatural e do messianismo judaico. O resultado será então, neste caso, o misticismo ativo na busca de um estado de perfeição, a ser alcançado através da revolução social, como por exemplo, em diversos movimentos socia- listas salvacionistas modernos, e principalmente no marxismo.

A tentativa de imanentizar o significado da existência e da História é funda- mentalmente um esforço para obter um domínio sobre o nosso conhecimento da transcendência maior, mais seguro e mais evidente do que o propiciado pela cognitio

fidei cristã (este instável e incerto); e as experiências gnósticas secularizadas ofere-

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cem esse maior domínio na medida em que constituem “uma expansão da alma até o ponto em que Deus é trazido para dentro da existência do próprio homem”.102

A gnose pode ser primordialmente intelectual, e assumir a forma de uma ela- boração racional e especulativa nos mistérios da criação e da existência, por exem- plo, as gnoses contemplativas de Hegel ou Schelling. Pode ser também emocional, tomando a forma de uma presença da substância divina na alma humana, como nas manifestações de diversos líderes messiânicos ou mesmo no gnosticismo cristão, por exemplo, os cátaros. Ou pode ser, finalmente, volitiva, tomando a forma de uma

redenção ativa, e até revolucionária, do homem e da sociedade, por exemplo, nas

atitudes e obras de A.Comte, de K.Marx ou mesmo de A.Hitler.103

“Essas experiências gnósticas, com todas as suas variantes, constituem o núcleo da redivinização da sociedade moderna, pois aqui os homens que recor- rem a essas experiências divinizam-se ao substituírem a fé, no sentido cristão, por formas mais concretas de participação na essência divina”.104

Assim, para E.Voegelin, e outros, essas experiências constituem o núcleo ativo da escatologia imanentista (numa primeira fase de nossa modernidade, e que aqui designamos por fase pioneira), pois molda-se, a partir destas referên- cias, a lógica interna da ação política e filosófica / comportamental do Oci- dente moderno, ou seja, desde a imanentização de correntes salvacionistas de líderes paracléticos protetores medievais, passando através do humanismo, do iluminismo, do progressivismo-evolucionismo, do liberalismo-positivismo, até chegarmos aos credos mais contemporâneos do marxismo e derivados.

A radicalização das formas anteriores de imanentização paracléticos-sal- vacionista pode ser designada por secularização, e cobre os períodos que em nossa compreensão designamos por fase consciente de nossa modernidade. No secularismo, a divinização experiencial do homem é mais extremada. Aqui, o momento decisivo da história ocorre quando o homem projeta e traz definitiva- mente Deus para o interior de si mesmo; quando se torna consciente de que ele próprio é Deus, transfigurando-se numa espécie de super-homem.

Assim, conforme brevemente visto acima, o gnosticismo medieval encon- tra-se ligado à gnose contemporânea por uma linha de transformações gradu-

102 VOEGELIN, Eric. The New Science of Politics, 1952; tr.port. A Nova Ciência da Política; p. 95 103 Mais detalhes em Voegelin, op.cit.

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ais, tão tênues que somente de forma embotada percebemos hoje a origem deste gnosticismo nos idos dos séculos XII e XIII.

A gnose não conduz necessariamente à construção falaciosa do significa- do imanente da história que caracteriza a modernidade desde Joaquim de Fio- re. Por conseguinte, na busca da certeza deste significado imanente deve haver um elemento adicional que orienta a gnose rumo à especulação histórica. Este elemento adicional foi a expansão civilizacional e material da sociedade oci- dental a partir do século XII. “É o atingimento da maioridade na busca de seu significado, um crescimento consciente que não toleraria ser interpretado mais como envelhecimento, ou supor um mundus senescit” (um mundo que envelhece e

se degrada), tal qual a interpretação clássica agostiniana.105

O crescimento espiritual (material, urbano e institucional) do Ocidente foi visualizado e expresso na especulação de Joaquim de Fiore com a ideia da chegada iminente de uma Terceira Idade mais harmoniosa, justa e perfeita; e “as primeiras manifestações do humanismo filosófico e literário foram expressas nas ideias de Dante e de Petrarca acerca do Império Apolíneo, uma espécie de um Terceiro Reino da vida intelectual. E, no Iluminismo, Condorcet concebeu a ideia de uma civilização unificada onde cada indivíduo seria um intelectual francês”.106

Com o enorme avanço da ciência e da tecnologia a partir do século XVIII, o novo instrumento de cognição irá transformar-se no veículo simbólico da ver- dade gnóstica. Na especulação gnóstica do cientificismo, esta variante chegou ao ápice, na interpretação de Voegelin, quando o pensador positivista substituiu a Era de Cristo pela Era de Comte. E o cientificismo permanece até hoje como um dos mais poderosos movimentos gnósticos da sociedade ocidental.

Assim, o núcleo da articulação política da sociedade ocidental, e que se expressa também nas demais formas simbólicas, verifica-se no simbolismo do

Terceiro Reino. E o momento que marca o começo desse curso civilizacional foi

a ativação do antigo gnosticismo através de Escoto Erígena, ainda no século IX. A especulação gnóstica venceu a incerteza da fé cristã recuando da trans- cendência e dotando o homem e seu raio de ação intramundano com o significado da realização escatológica. Na medida em que essa imanentização avançou expe- riencialmente, a atividade de construção da civilização transformou-se num trabalho

105 Ver VOEGELIN, Eric. The New Science of Politics, 1952; tr.port. A Nova Ciência da Política; p. 97 106 Ibid., p. 97

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místico de auto-salvação. A força espiritual da alma, que no cristianismo se devotava

à santificação da vida e à salvação, podia e devia ser agora orientada rumo à criação

do paraíso terrestre, criação essa que era mais atraente, mais tangível e, acima de

tudo, mais fácil. A ação civilizacional (material, econômica e tecnológica), tornou- -se, para usarmos a expressão sugerida por Voegelin, um divertissement.

A secularização passará a significar a troca definitiva de todos os símbolos e a dissolução completa da estrutura mito-religiosa original. A vontade de Deus relati- va à salvação dos homens anunciada nos textos bíblicos, e a história da civilização humana, foram simplesmente projetadas uma sobre a outra ... Deus se desvaneceu na Providência, e o processo civilizatório moderno foi levado tão a sério que pode ser considerado um sucedâneo da salvação. A Civilização não chega propriamente a redimir os homens, mas estes atingem nela sua determinação. Como dirá Hans Freyer “é a transcendência recolhida no futuro terreno”.107

Para F.Bacon, R.Descartes, assim como para todos os demais pensadores da fase consciente de nossa modernidade, que atribuem sempre um começo ab- soluto ao seu tempo, o tempo que surgia era, assim, o único tempo digno, na medida em que o passado era considerado lugar de falsidades e erros. Descartes recebeu o apelido de “o demolidor de bibliotecas”, exatamente por esta razão, e dizia que os historiadores são pessoas que passam as suas vidas aprendendo fatos sobre a vida romana que qualquer escrava analfabeta do tempo de Cícero conhecia perfeitamente. Bacon, em The New Atlantis, sua utopia de uma so- ciedade localizada numa região distante do resto do mundo e governada por sábios e cientistas, marca, na literatura ocidental, o começo de uma constante afirmação, na qual os cientistas e os técnicos aparecem como redentores.

E como poderia ser atingido agora esse milagre de auto-salvação? Isto é, como poderia ser obtida esta redenção pela concessão da graça a si próprio? O milagre foi realizado paulatinamente através da conquista literária, artística e tecnológica, assegurando a imortalidade da fama aos intelectuais humanistas, cientistas, técnicos e engenheiros, em suma aos autores e inventores; através da disciplina e do êxito econômico, que garantiam a salvação ao santo puritano; através das contribuições civilizacionais (e principalmente técnicas) dos liberais e progressistas; e, finalmente, através da ação revolucionária, que estabeleceria o milênio na Terra, comunista ou de outro tipo gnóstico qualquer.

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Assim, como nos indica Voegelin, e com repercussões determinantes para a compreensão desta tese e livro, o “gnosticismo, secularizado, liberou de forma extremamente eficaz as forças humanas para a construção da civilização mo- derna porque sua aplicação fervorosa às atividades intramundanas (econômicas e materiais) tinha como prêmio a salvação. Na realidade, dotada do significado da salvação, a ascensão do Ocidente moderno, e do intelectual gnóstico laico moderno, tornou-se um apocalipse da civilização”.108

A natureza desta radicalização secular moderna tornou-se evidente na expressão que esta ideia de uma “salvação subjetiva imanente” assumiu na con- cepção gnóstica do positivismo de A.Comte.

Comte institucionalizou o prêmio atribuído às “contribuições civilizacio- nais”, na medida em que garantiu a imortalidade através da preservação, na memória da humanidade, do autor (ou inventor) da contribuição e de seus fei- tos.109 Concediam-se títulos honoríficos relativos a tal imortalidade, consistindo

a honra máxima, a inclusão do nome do autor e dos inventores no calendário dos Santos Positivistas. E os que não quisessem seguir este ideário comtiano de busca da fama por suas autorias, invenções e contribuições ao “progresso da ciência, da técnica e da humanidade”, seriam enviados, como o resultado de um alegórico Juízo Final, ao inferno do esquecimento social.110

108 VOEGELIN, Eric. The New Science of Politics, 1952; tr.port. A Nova Ciência da Política; p. 98 109 Ibid., p. 99

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Capítulo 3 / II – A Permanência do

Quiliasmo. Progresso e a Reafirmação

do Futuro como Mensagem Filosófico

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