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O CONTROLE SOBRE AS RELAÇÕES COM CÃES E GATOS: NORMATIVIDADE, ESTADO E CONTROLE SOCIAL

F. C (mulher): Cade o amor? tá faltando como pode maltratar um filhote de

4.3. O CONTROLE SOBRE AS RELAÇÕES COM CÃES E GATOS: NORMATIVIDADE, ESTADO E CONTROLE SOCIAL

Por mais que pareça urgente e moralmente indiscutível para os militantes, a garantia de direitos para animais não humanos esbarra em vários impasses estruturais. Até o século XIX, na Inglaterra, um vizinho que matasse o porco ou o boi do outro, seria punido por ter privado seu proprietário de um meio de sustento, mas um cão ou gato, desprovidos de importância econômica, não constavam entre os animais cuja mutilação ou morte fosse proibida (THOMAS, 2010). A partir da consolidação do hábito de criar animais de estimação e afeiçoar-se a eles, essas espécies passaram a ser protegidas sob o argumento do dano emocional que sua perda causaria ao “dono”. Essa é a lógica predominante hoje no Brasil

Sob o ponto de vista legal os animais, sem qualquer discriminação em categoria estão inseridos no capítulo do Meio Ambiente da Constituição Federal, cujos preceitos asseguram sua total proteção pelo Poder Público e a comunidade. Estão ainda amparados pela Lei de Crimes Ambientais. Entretanto, o que se vê na prática é que os atentados contra fauna são punidos timidamente, e de forma imediata só quando o crime se insere nas modalidades de crime ecológico, ou seja, quando o ato ameaça a função ecológica de um animal silvestre no ecossistema. Para a maioria dos doutrinadores o Direito protege os animais com o intuito de proteger o homem, daí uma habitual atenção dirigida aos animais silvestres, em detrimento dos domésticos. O extermínio da vida de um animal doméstico é aceito pelo sistema que prioriza os direitos econômicos (DIAS, 2004:9).

A punição, geralmente aplicada quando um animal de estimação é prejudicado ou morto, é a restituição da perda material de seu “proprietário”, ficando o culpado condenado a pagar ou providenciar um animal de mesma raça ou com o valor de mercado do que foi perdido.

Um pet shop de Ijuí (RS) foi condenado a pagar em R$ 900 por danos materiais e em R$ 2 mil por danos morais à dona de um cachorro que morreu após banho e secagem do pelo. A dona diz que ele morreu por hipertermia (alta da temperatura do corpo). Para o juiz, é dever da empresa provar que não deu causa ao fato (Jornal da tarde, 23 de janeiro de 2009)

Se, além disso, o judiciário considerar que houve danos emocionais importantes para o “dono” do animal, cobra-se também multa por danos morais:

O dono de um cachorro pitbull que matou um cão da raça shith tzu vai ter de indenizar a dona do cão morto por danos morais e materiais. A decisão é do juiz da 4ª Vara Cível de Brasília e cabe recurso (...) Na decisão, o juiz afirmou que nos termos do artigo 936 do Código de Defesa do Consumidor, o dono

do animal deve ressarcir o dano por este causado, a não ser que prove a

culpa da vítima ou caso de força maior. (...) O juiz condenou o dono do pitbull a indenizar a autora em R$ 4 mil por danos morais e em R$ 1.000,00, por

danos materiais, correspondentes ao valor necessário para a compra de outro cão da mesma raça (TJDFT, 2011).

Entretanto, se o animal não tem “proprietário” ou se for vitimado justamente por quem detém sua propriedade, não existe a possibilidade jurídica de julgamento ou condenação pelos danos a ele causados. De acordo com Lourenço (2008), trata-se de uma limitação do sistema jurídico brasileiro, no qual os animais são classificados como objetos (“bens semoventes”) não sendo, portanto, passíveis de proteção legal por si mesmos. Essa classificação tem sido revista em alguns países, nos quais os animais sencientes têm sido redefinidos no código civil, deixando de fazer parte da categoria “coisa”, ainda que, de maneira geral, não sejam definidos de outra maneira.

Atualmente, de acordo com o Artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998), é considerado crime contra o meio ambiente “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Embora pouco contribua para a punição de maus tratos contra animais domésticos, esse dispositivo foi considerado um avanço considerável quando aprovado, dado que, até então, os atos nele previstos eram tratados apenas como contravenção penal, conforme relata Dias:

A Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal _ LPCA, desde a sua fundação, em 1983, esteve envolvida com a modernização da legislação ambiental no Brasil. Ao verificar que a punição dos maus tratos aos animais e agressões à fauna silvestre eram apenas contravenções e, via de regra, restavam sem punição, a meta de modernizar a legislação entrou para a linha de frente da LPCA. Para atingir seus objetivos a Liga trabalhou continuamente junto com a mídia, junto às autoridades e outras entidades ambientalistas do Brasil (DIAS, 2004:5).

Os procedimentos assumidos pelos ativistas incluíram reuniões e apresentação de projetos a legisladores, juristas e ministros, em um lobby que começou pela tentativa de

inserir a questão desde as reformas no Código Penal de 1984 e 1993 até chegar à Lei de Crimes Ambientais, de 1998.

A primeira barreira a ser vencida foi oferecer elementos de convicção aos membros da comissão, que eram contrários à inclusão da proteção animal na Lei de Crimes Ambientais. O movimento promoveu um grande lobby e a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal editou o livro Liberticídio dos Animais, onde os crimes cometidos contra os animais foram relatados com mais de cem legendas e fotos. Esse material foi distribuído não só à comissão de juristas, como aos Deputados e Senadores, que depois votariam o projeto de lei. A vitória veio com o art. 32 da Lei de Crimes Ambientais (DIAS, 2004:5).

No Código Penal, entretanto, os animais não humanos continuam ausentes, por isso, considerados individualmente, esses seres podem pertencer a apenas duas categorias jurídicas no Brasil: ou são bem comum (a perspectiva do Direito Ambiental) ou são propriedade (a perspectiva do Direito Civil), por isso a legislação hoje disponível no Brasil é inadequada para tratar de prejuízos a indivíduos não humanos. Por essa razão, autores como Santana (2004), Oliveira (2007), propõem a atribuição de um status jurídico diferenciado para os animais não-humanos (ou para algumas espécies). Apoiam-se, para tanto, na defesa do Direito Animal, realizada por autores como Regan (2008) e Francione (2012), segundo os quais essa nova categoria tem como base a defesa da inviolabilidade das mesmas características defendidas pelos Direitos Humanos: direito à vida, à integridade física e à liberdade115.

Os Direitos Animais, entretanto, estão longe de se tornarem uma realidade, tanto do ponto de vista jurídico quanto do reconhecimento social. Além disso, não há consenso nem para a sociedade nem para os agentes da lei sobre o que seja a crueldade que, de acordo com a Constituição Federal, o poder público tenha a incumbência de coibir.

Diante disso, protetores de animais mobilizam-se na tentativa de resguardar, ao menos, algumas espécies, de situações consideradas mais graves, como a utilização para o entretenimento (vaquejadas, circos, rodeios, etc), a indústria de peles e os testes de produtos cosméticos ou de higiene. Essa gravidade está relacionada tanto à percepção de sofrimento dos animais quanto à ideia de que seja desnecessária (por isso o uso de animais em testes de cosméticos é mais fortemente condenado que seu uso na indústria farmacêutica). No caso dos animais de estimação, os dispositivos legais mais

115 Para defender a garantia de direitos, Tom Regan (2006) propõe que a comunidade moral é formada por

seres humanos que tomam decisões morais (agentes morais) e seres humanos e não humanos que sofrem as consequências de tais decisões (pacientes morais).

reivindicados dizem respeito a atos de violência física, abandono, extermínio e às políticas públicas de controle populacional. A tônica em todos esses âmbitos é a mesma: civilizar as emoções e reduzir as expressões de violência, submetendo as relações a regras mais rígidas. Com o aumento da cobrança por parte do Estado, a tendência é o desenvolvimento paulatino de automonitoramento - seja por parte das empresas e órgãos governamentais que lidam com animais, seja por parte dos indivíduos em suas relações cotidianas. Nesse sentido, cabe destacar as decisões judiciais recentes de condenação a maus tratos contra animais em situação de rua, amparados no argumento de proteção à sensibilidade da população.

4.3.1. Entre legislação e controle social: a descrença na justiça e as penalidades informais

A descrença na justiça no Brasil é, de certa forma, generalizada, mas se acentua em relação a casos de maus tratos contra animais pelo fato desses atos serem considerados, pela legislação brasileira, “crimes de baixo potencial ofensivo” e, portanto, não resultarem em prisão116. Na legislação vigente, maus tratos são punidos com 3 meses a 1

ano de prisão (substituíveis por multa) e o aumento da pena continua em discussão. Apesar de haver debates em curso, no Senado e na Câmara dos Deputados, sobre propostas de aumento para a pena de maus tratos117, a sensação transmitida nos

comentários sobre os casos de agressão e abandono é de impunidade.