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O crescimento da Proteção animal na Região Metropolitana do Recife

2. O CAMPO DE PESQUISA E O PERCURSO METODOLÓGICO

2.4 APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE A PROTEÇÃO ANIMAL NA RMR

2.4.1 O crescimento da Proteção animal na Região Metropolitana do Recife

Desde que passei a fazer parte da proteção animal, não foi apenas o Adote um Vira-Lata que passou por mudanças. A partir de 2012, testemunhei, de várias maneiras, a expansão do movimento de proteção animal, a começar pela multiplicação dos grupos organizados e dos eventos por eles promovidos. A dinâmica da proteção animal tornou- se mais complexa, dando espaço à formação de coalisões, conflitos internos e disputas em torno da definição de modelos de atuação, especialmente para os eventos de adoção e ao posicionamento em relação à política partidária e aos representantes eleitos.

Foi justamente a partir das eleições de 2012 que a causa animal tornou-se nicho eleitoral em Recife, com a eleição do vereador Rodrigo Vidal (PDT) e a criação da Secretaria Executiva de Direitos dos Animais (SEDA) na Prefeitura do Recife, em janeiro de 2013 (com a nomeação de Vidal para o cargo, que gerou bastante controvérsia entre os protetores de animais). Já em 2014, essa tendência foi confirmada com o lançamento de 4 candidaturas “da causa animal” e as várias promessas de campanha relacionadas, por parte de outros candidatos. A repercussão das denúncias feitas sobre a SEDA, assunto

recorrente em jornais e redes sociais, também atesta a visibilidade ganha pela causa. Além da veiculação de informações, é possível citar também a realização, entre 2013 e 2015, de audiências públicas na Câmara de Vereadores de Recife, e na Assembleia Legislativa, além de reuniões entre representantes da prefeitura e protetores descontentes com a gestão da SEDA.

Pode-se perceber, então, que, ao longo do meu período de participação na proteção animal, não foi apenas o Adote um Vira-Lata que mudou. Especialmente a partir de 2013, reivindicações políticas, protestos públicos e denúncias tornaram-se recorrentes no âmbito da proteção animal da RMR, gerando um cenário distinto daquele mapeado em 2011, no qual 78,6% dos entrevistados afirmaram que não realizavam nenhum tipo de articulação com o poder público. Naquela pesquisa, também chamaram atenção as respostas dadas à pergunta aberta “na sua opinião, qual é hoje o principal problema relacionado aos animais?” Ao reunirmos os resultados que se assemelhavam, percebemos que 45,9% apontaram “falta de consciência, educação e/ou conhecimento pela sociedade”, 26,5% citaram a “falta de controle populacional” e 12,2% falaram da “falta de políticas públicas e/ou leis”. A demanda por castração, como se pode ver, já era considerável naquele momento, mas o foco principal estava na responsabilidade a ser assumida pelos indivíduos, não pelo Estado.

Entre os protestos, denúncias e reuniões de cobrança ao poder público, a temática mais recorrente é o aumento da pena para crime de maus tratos, exigindo que o Estado interfira e civilize o comportamento dos tutores em relação aos animais de estimação71. A segunda temática que recebe atenção dos protetores é a demanda por mudanças nas políticas de controle populacional, com o fim da captura e morte de animais em situação de rua e o estabelecimento de programas de castração gratuita para cães e gatos. Na Região Metropolitana do Recife, como foi sublinhado, essa reivindicação foi o pontapé inicial para o crescimento e a articulação política da proteção animal, por isso ela será retomada no capítulo 3.

Enquanto as reivindicações por mudanças nas políticas de controle populacional procuram interferir nas ações do Estado, as reivindicações de combate aos maus tratos

71 Embora a lei de Crimes Ambientais preveja punição para maus tratos contra todas as espécies silvestres,

exóticas, domésticas ou domesticadas, não há dúvidas de que o centro das atenções em todos esses protestos são os cães e gatos. A logo do Movimento Crueldade Nunca Mais é uma pata de cachorro e, no caso da Marcha da Defesa Animal, embora haja na logo imagem de patas de vários animais, os cartazes, camisetas e bichos de pelúcia levados por manifestantes retratavam majoritariamente cães. Além disso, nas duas marchas realizadas em Recife, muitos cães foram levados para a caminhada.

dizem respeito também às interações travadas por indivíduos dentro dos domicílios. Nesse sentido, a proteção animal apresenta um argumento semelhante ao que foi levantado pelo movimento feminista no período de estabelecimento da Lei Maria da Penha, ou seja, de que o Estado tem obrigação de interferir em situações privadas para proteger os indivíduos mais vulneráveis em tais relações. Trata-se de uma demanda civilizatória nos dois sentidos: porque exige que o Estado promova uma pacificação das relações sociais e porque traz consigo o impulso de estabelecer um controle crescente sobre essas relações. É justamente nesse aspecto, do progressivo aumento do controle, que a proteção animal tem atuado de forma intensa, ainda que, muitas vezes, de forma inconsciente.

O primeiro indicativo de como os protetores de animais tentam interferir nas relações travadas com cães e gatos é a insistência para que se deixe de usar os termos proprietários e donos e se passe a falar em guarda e tutores. Tanto o repúdio à terminologia tradicional quanto a proposta alternativa apontam o que os protetores esperam das pessoas que criam cães e gatos. Os termos tutoria e guarda remetem à responsabilidade, refletindo a expectativa de que cães e gatos deixem de ser propriedade para se tornarem alvos de compromisso por parte das pessoas. Ao assumir esses termos, faço uma opção política, ciente do fato de que a maior parte das pessoas ainda nomeia tutores como donos e os veterinários, em geral, usam a denominação de proprietários. Ressalto, porém, que o uso dos termos tutor, tutoria e guarda, ao longo desta tese, é fruto de uma necessidade de conceituação que poderia ser suprida com o uso dos termos tradicionais ou com a elaboração de um novo conceito. Entre essas opções, escolhi aquela que me parece mais adequada, ressaltando que chamarei de tutores todas as pessoas que criam cães e/ou gatos, independente de como essa relação se configure. É preciso ressaltar isso porque muitos daqueles que utilizam as terminologias dono/posse travam, com seus animais, relações marcadas por compromisso e cuidado, mas, em geral, não conhecem outro termo que não aqueles consolidados na linguagem até então. Cabe lembrar, ainda, que muitos tutores já têm procurado se afastar das terminologias que indicam propriedade, adotando como estratégia o uso de termos referentes à família (LIMA, 2015; OSÓRIO, 2012).

A transposição do universo doméstico que os gatos habitam é feita à imagem e semelhança das relações humanas. A unidade doméstica é o espaço da família e das relações de parentesco, pensadas como relações de afeto. Humaniza-se o animal que habita a casa e se o inclui na família: ele é uma criança, um bebê, demanda cuidados, precisa de mãe, precisa de família (OSÓRIO 2012: 10).

Dado que a caracterização das relações com cães e gatos como familiares é um ponto relativamente polêmico a ser debatido com maior profundidade no capítulo 6, opto por falar em relações de tutoria, situando-me a meio termo entre os termos dono(a) e mãe/pai. Essa opção pelos termos tutor (em vez de dono) e guarda (em vez de posse) será feita em todas as situações aqui analisadas, independentemente de como se apresentem, pois não se trata de um tipo ideal, mas apenas de uma categoria geral. Por se tratar de um tipo de relação muito distinto, a manutenção de animais voltados para a reprodução e venda será chamada de criação e as pessoas que o fazem serão chamadas de criadores, seguindo os termos nativos.