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3. OS IMPULSOS CIVILIZADORES E A POSIÇÃO AMBÍGUA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO BRASIL

3.1. LUGAR DE BICHO: CRIAÇÃO NAS ÁREAS EXTERNAS

De acordo com a leitura de Elias sobre as pulsões e a formação das funções psíquicas, é na socialização primária que desenvolvemos uma estrutura básica de sentimentos e comportamentos que nos acompanhará, inconscientemente, na forma de nojo, medo, vergonha e desagrado. Partindo dessa premissa, parece interessante refletir sobre o que o comportamento das crianças pequenas é capaz de revelar sobre a socialização para relações com animais não humanos nos centros urbanos brasileiros.

Observando crianças em fase de desenvolvimento da linguagem, por exemplo, é perceptível como a progressiva expansão de seu vocabulário segue roteiros culturais facilmente identificáveis. No Brasil, com pequenas variações regionais, todas as outras crianças são chamadas de “bebê”, todos os cães são “auau”, todos os gatos são “miau”, todos os pássaros são “piu-piu”, todas as galinhas são “cocó” e todas as vacas são “mumu”79. Enquanto isso, os adultos e as crianças próximas recebem uma variedade de

nomes, escapando às classificações genéricas. Mãe e pai cumprem a função de nomes próprios e os demais membros da família são todos nomeados ou pelo primeiro nome ou por uma junção de parentesco e nome (vovô, vovó, tio e tia). Aos poucos, a partir do contato frequente com algumas crianças (da família ou da escola) e com alguns animais tutorados (em casa ou nos lugares frequentados), nomes próprios começam a ser aprendidos e passam a distinguir indivíduos dentro das categorias genéricas “bebê”, “auau” e “miau”80. Quando começam a distinguir indivíduos, as crianças pequenas

perguntam seus nomes, mas, para muitas espécies, a resposta recebida será a categoria genérica. Por mais que estejam presentes entre os brinquedos, roupas e decorações infantis, os cavalos, vacas, porcos, galinhas e outras espécies são entidades abstratas para as crianças criadas nos grandes centros urbanos (LÉVI-STRAUSS, 2009). Sem nomeação, não ocorre um reconhecimento de individualidades; sem convivência, não ocorre um aprendizado em relação às suas formas de comunicação ou ao fato mesmo de que tenham algo a comunicar. Apenas lentamente, termos como “carne”, “bife” e “coxinha” começam a ser associados a animais e, quando isso ocorre, as espécies já foram

79 Também faz parte desse processo o aprendizado da associação entre as variadas representações de cada

espécie, que só depois de bastante treino serão identificadas e classificadas corretamente. Brinquedos, esculturas, fotografias, pinturas, estampas, ilustrações em livros e outras formas de representação são progressivamente associadas entre si sob a mesma categoria “bebê”, “auau”, “miau”, “piu-piu” “cocó” ou “mumu”.

cognitivamente distinguidas daquelas “especiais”, cujos representantes são reconhecidos como indivíduos81.

A escassez de interações que destaquem indivíduos em relação a categorias genéricas, portanto, tem um impacto nas categorias de pensamento a partir das quais a criança interpreta o mundo. Retomando a conexão entre classificação e julgamento, apontada por Boltanski & Thévenot (2006), é possível entender como a construção de esquemas mentais de classificação dos seres tem um impacto direto na localização de diferentes espécies nos ordenamentos morais. As espécies socialmente distanciadas e reificadas são vistas como animalescas, de forma que a violência que lhes é imposta não parece atingir indivíduos, e sim seres abstratos, desprovidos de individualidade e, em certos casos, entendidas como incapazes de sentir dor. Embora de forma menos marcante que no caso dos animais de produção, a ausência de individualização ou a individualização tardia dos membros de uma espécie também ocorre em relação às espécies de estimação quando o contato da criança com esses animais é escasso. Esse é o resultado da configuração em que cães e gatos em situação de rua são significados como sujos e perigosos, tornando-se distantes inclusive para pessoas que convivem com animais individualizados dessas mesmas espécies82. Quando animais “de casa” são

entendidos como diferentes e especiais e o contato com os animais “de rua” é repreendido como algo perigoso ou nojento, esses últimos serão reificados de forma similar ao que ocorre com os animais de produção e, consequentemente, não serão percebidos como indivíduos, tampouco como indivíduos moralmente ou afetivamente relevantes.

Abordar essas situações é relevante porque permite compreender que, além da formação de esquemas mentais e comportamentos, os tipos e a frequência dos contatos com animais não humanos formam também uma estrutura de sentimentos em relação às

81 A dissociação entre o alimento e o animal do qual se origina é facilmente perceptível nos momentos em

que de forma não planejada, crianças pequenas fazem essa associação e se chocam. Um exemplo disso é o vídeo do menino Luís Antônio, que se tornou viral em 2013 e foi compartilhado e considerado “exemplo de amor pelos animais” não apenas entre vegetarianos.

82 O distanciamento é ainda maior no caso de pessoas socializadas com pouco ou nenhum contato com cães

e gatos, que não se tornam capazes de entender os sinais emitidos pelos animais e, consequentemente, sentem medo e/ou desconforto na presença de qualquer um, sem distinção entre “de casa” e “de rua”. Uma gradação ainda maior de distanciamento pode ser atribuída àqueles que, na infância, foram repetidamente reprimidos ao tentar se aproximar de cães e/ou gatos, pois estes tendem a desenvolver uma associação inconsciente dos animais às emoções negativas decorrentes das repressões. O resultado desse mecanismo nas emoções é visível nas pessoas que nunca tiveram uma experiência negativa com um cão ou gato, mas têm medo deles, bem como nas que sentem forte repulsa à simples ideia de contato com seus corpos. Muitas vezes essas emoções são racionalizadas como medo de adoecer, mesmo que o indivíduo não saiba dizer que doenças imagina que podem ser contraídas e conviva com pessoas que têm contato direto com esses animais, mas não parecem doentes.

espécies. Nesse ponto, mais uma vez, é preciso recorrer a Elias, que ressalta o caráter processual da formação dos indivíduos e a construção de uma sensibilidade que vai além dos aspectos conscientes e/ou racionais.

Em minha infância, tive duas experiências de criar cadelas – ambas no quintal. A primeira delas, Pituxa, era uma mestiça de poodle de porte médio, que chegou adulta em nossa casa, por volta de 1992, repassada por uma amiga de minha mãe. Criada com acesso à rua, Pituxa passava bastante tempo na casa de uma vizinha, que criava uma dezena de animais, entre cães e gatos. Eu e minha irmã do meio achávamos aquela casa divertida e atraente, especialmente pelo fato de que em todos os ambientes era possível encontrar animais. Minha mãe, por outro lado, demonstrava fortes ressalvas sobre nossa amizade com a filha da vizinha, que, como costumava dizer, andava “solta” pela rua até o anoitecer. O que para nós era sinônimo de liberdade, para a minha mãe era falta de cuidado. Essa relação entre cuidado e controle, entretanto, não se expressava na relação que mantinha com os animais de estimação que, pelo contrário, eram repetidamente adjetivados como livres - especialmente os gatos. O surgimento do discurso atual de que “gato feliz é gato seguro” e de que “quem ama o gato tela a casa”, do qual sou adepta, em tudo se assemelha ao discurso de minha mãe na infância, que tolhia meu desejo de liberdade e justificava-se afirmando que se tratava de cuidado.

Na casa da minha vizinha, os gatos novatos ficavam trancados no quarto das crianças, os gatos adultos, o cão pequeno e o husky siberiano ficavam soltos por todo lado, enquanto os cães “de guarda” eram isolados no quintal durante o dia. De vez em quando ela preparava bolas de carne moída crua e jogava no chão da casa para os gatos, que disputavam, carregavam para baixo das camas ou móveis e comiam com voracidade. Achávamos natural que Pituxa preferisse ficar ali, onde os animais pareciam muito à vontade. Quando a família vizinha se mudou, Pituxa foi junto e todas nós concordávamos que seria mais feliz. Ficamos encarregadas de cuidar dos dois gatos que a família acreditava que não se adaptariam à mudança, mas ambos desapareceram em poucos meses.

A segunda cadela, Cravina, era uma dálmata bagunceira que uma tia passou adiante declarando que o animal era “impossível”. Após algumas semanas em nossa casa, puxando roupas no varal e pulando nas pessoas que iam ao quintal, ela foi entregue para um tio que, afirmavam os adultos, teria condições de cuidar, por ter um quintal grande e já criar outros cães. Em nenhum momento foi cogitada a possibilidade de ajudá-la a gastar energia, muito menos de fazer passeios com ela, visto que, em nossa prática corrente, cão

que podia passear era aquele que soubesse se comportar e voltar sozinho. Os cães “de casa”, então, ou eram criados com livre acesso à rua ou confinados, com o objetivo de fazer guarda no período da noite. As raças populares entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990 eram justamente as de guarda, como pastor alemão, fila brasileiro, dobermann e boxer (posteriormente substituídas por rotweiller e pit bull). Entre os cães de pequeno porte, a moda dos anos 1980 foi o pequinês – raça representada como territorialista e “traiçoeira”. Circulando entre a área externa e a interna, seguindo “o dono” pela casa e avançando em quem chegava no portão, os cães de raça pequinês parecem ter feito a transição entre os cães de guarda e os cães de companhia83.

O pequinês ideal, segundo o que pede o padrão da raça, deve possuir essas características, assemelhando-se a um pequeno leão, demonstrando bravura, coragem, combatividade e amor próprio (...) Luís Carlos Spinelli vê como vantagens o fato de poder mantê-la em apartamento e lugares pequenos e de não consumir grandes quantidades de alimento, além de ser um cão que ao primeiro ruído logo avisa – ou seja, funciona como um bom alarme (CÃES & CIA nº85, 1986:40).

Outras raças de pequeno porte, com características de companhia e guarda, eram o Fox Paulistinha (Terrier Brasileiro) e o Fox Terrier, caracterizados em uma matéria de 1994 como “mais eficiente que qualquer sistema anti-roubo” (CÃES & CIA, 1994 nº 194, p.5).

Talvez por essa associação do cão à função de guarda, havia um medo generalizado de cães desconhecidos, tanto na rua quanto na casa das outras pessoas. Ao chegar à residência de um conhecido que criasse um cão, a primeira pergunta a fazer era “ele morde?”. Em resposta, ou o “dono” prendia o animal para a visita entrar, ou afirmava que o cão não mordia, mas se mantinha vigilante enquanto a visita entrava, geralmente desconfiada. Criados no quintal, muitas vezes amarrados ou em canil durante o dia, muitos desses cães de fato não reagiam bem à presença de pessoas desconhecidas. O mesmo não pode ser dito dos cães “de rua” ou criados com acesso livre aos espaços públicos, pois esses, como os de hoje, são obrigados a se acostumar com o vai-e-vem constante de pessoas. Ainda assim, a ideia geral era de que os animais “de rua” eram especialmente perigosos e poderiam morder a qualquer momento. A maioria dos amigos e parentes da mesma geração que eu parecem ter perdido o temor, ao chegarem à

83 O papel do pequinês no Brasil se aproxima ao que cumpriram os buldogues na Inglaterra. De acordo com

Thomas, o destaque ganho por esta raça naquele momento devia-se ao fato de ser uma “excelente síntese das inclinações gêmeas da classe dominante setecentista: uma preocupação com a origem (pedigree), a educação e um gosto agressivo pela guerra” (THOMAS, 2010:154).

adolescência, enquanto a maioria das tias age da mesma maneira, demonstrando medo de mordidas ou repulsa muito forte às lambidas de cães e à aproximação de gatos.

Em 1986, um leitor enviou para a revista Cães uma carta comentando matéria sobre cães “puros”, publicada em edição anterior, comentando que, em sua opinião, o que estava enfraquecendo os animais não eram os cruzamentos realizados pelos criadores, e sim a introdução de “cuidados excessivos” na lida com os animais que, de acordo com a moralidade de propriedade, são definidos como animais úteis:

Discordo quando se afirma que as raças estão sendo desnaturadas e perdendo a sua utilidade. Mantenho na chácara onde vivo um casal de Old English Sheepdogs. Pastoreiam perfeitamente as ovelhas (...) Quando comprei, o criador mencionou uma série de cuidados a serem tomados como o uso de xampus e talcos especiais. Nada foi necessário. Com apenas uma escovação por semana, a pelagem deles se mantém impecável (...) A Collie (...) é tão hábil no pastoreio que posso afirmar que ela vale por dois peões a cavalo. Os Dachshunds também andam por toda a chácara, caçam tatus e perseguem animais silvestres (...) Concluo que, infelizmente, alguns criadores dispensam a seus cães cuidados excessivos. Porém, não acho justo generalizar. Ainda existem criadores – como eu – que sabem dosar os mimos dados ao cão e o enxergam como ele realmente é: um animal útil (CÃES, 1986, nº5:35).

De maneira geral, o único aspecto que diferenciava os animais “de casa” em relação aos “de rua” era a garantia de abrigo e alimentação – muitas vezes de maneira precária. Nas casas de classe média e baixa, o alimento geralmente eram restos das refeições da família, farinha de milho (fubá) e carnes de qualidade inferior (miúdo), misturadas ou não a ração (e as opções no mercado eram poucas).

Roberta - Meu pai é agrônomo e a gente sempre morou em fazenda, aí eu sempre tive contato com galinha, com vaca, cavalo, tudo. E desde pequena eu gostei, só que depois [aos 10 anos] a gente se mudou pra uma casa pequena, que não tinha quintal... E meu pai era só assim: “bicho tem que ficar separado, tem que ter um quintal, uma área separada, não dentro de casa”.

Amara –Na minha infância os animais eram tratados como cachorro mesmo, né? E gato como gato mesmo.

Lena – Como é tratar cachorro feito cachorro e gato feito gato?

Amara – Na rua... No quintal amarrado... não tinha a mordomia que tem agora não (riso).

Lena - O que é que foi marcante na história de Maria (primeira cadela que criou)? Amara - Eu só lembro do tempo que ela ficou doente porque não é feito agora. Agora a gente tem mais cuidado, tem mais médico, antes não tinha. Então ela ficou doente, criou um câncer e a gente não sabia, tá entendendo? Não é feito agora que, qualquer coisinha você corre pra o veterinário, né? Dava um remedinho, um chá (...) Marcante pra mim foi essa doença dela, que morreu e ninguém fez nada (...) A gente gostava muito dela, ela era obediente, as meninas também gostavam muito...

Lena - Aqui na vizinhança é assim também? As pessoas criam como tu cria ou criam diferente?

Amara - Tem uma senhora aqui que cria feito eu crio: tudo bonitinho, tudo dentro de casa, mas tem uma vizinha que já faz do jeito que era antigamente: sobra de comida (se sobrar), amarrado... porque cachorro antigamente não era esse luxo de ração, era sobra. Se sobrasse, bem, se não sobrasse, o bichinho passava o dia todinho ali com fome (...) então aí essa vizinha tem [cachorro] como antigamente...

É interessante perceber, por exemplo, a insistência da Cães & Cia, uma revista especializada para tutores de animais de companhia, em ajustar as atitudes dos “proprietários” em relação ao alimento fornecido aos animais de estimação:

Dicas para criar

Não alimente seu cão ou gato só com carne bovina, pois sendo pobre de cálcio e muito rica em fósforo causa várias doenças que afetam a formação dos ossos.

Não dê ao seu cão ou gato alimentos ricos em carboidratos, como farelo e farinha de trigo, aveia, feijão, biscoitos, bolo, bolachas, pão fresco ou amanhecido, batata, beterraba e arroz (em excesso). Eles formam gases, causando cólicas (CÃES & CIA, 1994, nº176, p.12).

A garantia de abrigo, por sua vez, costumava resumir-se a uma área coberta no quintal (casinha, canil ou área de serviço), pois os animais “de casa” também não eram bem vindos dentro da residência. A presença de animais soltos nos espaços íntimos ocorria em poucos casos e era comumente considerada anti-higiênica e inconveniente. Em matéria publicada em 1994, na Revista Cães & Cia, pessoas que criam ou pretendem criar gatos são instruídas a construir um gatil ideal, “prático para você e confortável para os gatos”. As medidas mínimas indicadas para o gatil somam 1,60 x 3,10m – medida indicada para comportar “até 3 exemplares”. A necessidade de tal estrutura, dividida em dormitório, solário e bancada, é assim justificada:

Se você cria ou pretende criar gatos, a construção de um gatil torna-se uma decorrência natural. Confinar gatos em um ambiente específico tem uma série de vantagens. É uma forma de proteger o interior de nossa casa das “afiações de unhas” e outras artes felinas, evita a ocorrência de fugas, simplifica os cuidados diários e facilita o controle dos acasalamentos, tudo isso sem impedir que tenhamos maior contato com os nossos bichanos, sempre que o desejarmos (CÃES & CIA, 1994, nº194, p.32).

As dicas, percebe-se, não se aplicam a quem criava gatos para o controle de pragas (visto que o gatil é fechado), e sim a quem pretendesse criá-los para reprodução e venda e/ou para companhia. Assim, o gatil permitiria conciliar os contatos afetuosos – quando desejados- e a proteção da casa e objetos contra danos decorrentes da presença dos felinos.

Obviamente, a maior parte das pessoas não tinha espaço ou dinheiro para construir gatis, mas a orientação fornecida na revista é uma indicação bastante clara de que havia um desejo de manter os bichanos do lado de fora. Mais comumente, essa separação era feita com a utilização de telas impedindo sua entrada e, principalmente, com o hábito de expulsá-los quando tentassem entrar (com água, palmas, gritos, batidas de pé, etc).

No início da década de 1990, a maior parte dos meus parentes e amigos criava cães, mas a presença desses animais dentro de casa era rara. Quando ocorria, causava um estranhamento geral e uma certa impressão de sujeira. Os primeiros que começaram a introduzir cães dentro de casa foram justamente os que adquiriram cães de pequeno porte, pertencentes a uma das raças que se tornaram moda naquele momento. Miniatura pinscher, poodle, cocker spaniel, yorkshire terrier e dachshund (o salsichinha) eram os mais comuns e, em todas as raças, os menores eram os mais valorizados84.

Em minha família, após as duas breves experiências com cães, continuamos criando gatos e adorávamos felinos, mas eu e minha irmã gostávamos muito de abrir a enciclopédia na seção “raça de cães” e escolher qual queríamos, visto que algumas crianças próximas a nós já criavam cães de pequeno porte dentro de casa. Entre as raças apresentadas na enciclopédia, meu sonho era um maltês, com seus pelos longos, lisos e brancos. Quando minha tia comprou um Lulu da Pomerânia a família toda ficou encantada. Argos tinha os pelos brancos, lisos e longos, mas arrepiados, dando-lhe uma aparência de pelúcia, complementada pelas orelhas curtas e arredondadas. Para manter os pelos desembaraçados, era preciso dar banho com produtos específicos e secá-lo com secador. Minha tia fazia essa atividade com alegria e nós achávamos tudo aquilo muito engraçado, assim como o fato de que Argos não fosse deixado sozinho em casa. Quando a família ia passar a tarde de domingo na casa de minha avó, o cachorro ia junto, fazendo, pelo menos uma vez por semana, uma pequena viagem de Recife a Olinda. Em 1997, essa tia presenteou minha mãe com um Lulu da Pomerânea do mesmo canil que o dela. Com nossa ajuda, ela fez com que minha mãe abrisse a porta do quarto e se deparasse com uma bolinha de pelos dentro de uma caixa de presente, em cima de sua cama. Niño tinha o pelo marrom, fazendo-o parecer uma raposa. Ficamos extasiadas com o presente e nenhuma de nós se deu conta de que, logo na chegada, ele havia quebrado uma regra fundamental da casa: era um cachorro em cima da cama. Ninguém considerou também a

84 Raças como poodle, pinscher e Lulu da Pomerânea têm seus “exemplares” classificados a partir do

tamanho que atingem, sendo os menores os “mini”, “toy” ou número 0, enquanto os maiores são classificados como médio e grande ou como número 1 e número 2.

possibilidade de criá-lo no quintal, simplesmente porque aquele era um “cachorro pra dentro de casa” e essa característica se apresentava como óbvia para nós. Os Lulus eram, na época, o que se costuma chamar de exóticos, pois a raça era desconhecida, não havia muitos criadores e eles não costumavam ser vistos nas vitrines das pet shops. Uma das coisas que nos divertia em relação a isso eram as perguntas feitas por crianças pequenas, que queriam saber se Niño era um gato, uma raposa ou um cão. Andar com ele na rua era garantir olhares, sorrisos e perguntas e aquilo me fazia sentir especial.

Em 2000, três anos depois da chegada de Niño, uma tia mais distante, que criava vários Lulus da Pomerânia, deu uma filhote de presente a minha mãe. Mindy era uma