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2. O CAMPO DE PESQUISA E O PERCURSO METODOLÓGICO

2.2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.2.2. Pesquisa documental

2.2.2.1. Jornais impressos

Em relação aos dados, tomei como ponto de partida um mapeamento das matérias sobre animais de estimação, proteção animal e temas relacionados, publicadas em dois veículos de comunicação da grande mídia em Pernambuco: Jornal do Commercio e Diario de Pernambuco. Como recorte, foram selecionados todos os jornais de sábado e domingo no período de janeiro de 2009 a março de 2012. A opção por esse recorte foi feita porque as edições dominicais, que são as mais bem produzidas da semana, possuem maior número de matérias e também o maior número de vendas, podendo ser consideradas como representativas do veículo. Dado que os eventos promovidos pela proteção animal comumente acontecem aos sábados, esse dia também foi incluído. Em relação ao período, optei por fazer coincidir a pesquisa com minha entrada na proteção animal, de forma a investigar se eram fundamentadas duas impressões que tinha como ativista: a predominância de uma perspectiva do mercado pet nas matérias sobre animais de estimação e a invisibilidade das questões morais levantadas pela proteção animal e pelo ativismo vegetariano. Meu objetivo naquele momento foi estabelecer um ponto de partida para a pesquisa, por isso procurei identificar, na grande mídia pernambucana, as representações recorrentes sobre diferentes espécies animais e sobre as relações entre essas espécies e os humanos, especialmente no caso dos cães e gatos.

Pela intenção de construir paralelamente uma base de dados mais ampla, registrei não apenas as matérias e notas sobre cães e gatos, e sim todo o material referente a animais não-humanos, excetuando as que tratavam de produtos de origem animal que não tratassem dos animais em si e as matérias sobre dengue que, encontradas em grande quantidade, demandavam trabalho e desviavam excessivamente do objetivo. A realização

de um mapeamento dessa monta não teria sido possível sem o apoio de Ivo Raposo e Isabel Guedes, extensionistas do Adote um Vira-Lata que me acompanharam nas incursões aos jornais, realizadas na Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco no ano de 2014.

A cada edição, foram consultados todos os cadernos, excetuando-se apenas os classificados, as colunas sociais e os cadernos de imóveis e veículos. Nesse primeiro momento, identificamos as matérias que faziam referência a animais não humanos nos elementos pré-textuais (título, chapéu, chamada, sutiã, imagens e legenda de imagens). Ao serem identificadas, as peças eram submetidas a análise de conteúdo e registradas em uma tabela contendo data, jornal, caderno, título, tema abordado, espécies abordadas (com os termos usados para caracterizá-las), representações feitas sobre as espécies citadas e um espaço para observações adicionais.

Como qualquer técnica de pesquisa, a análise de conteúdo não é completa. Por lidar com uma quantidade muito grande de informações, essa técnica perde em termos de profundidade da análise, como acontece, por exemplo, no caso dos questionários. Para o objetivo estabelecido para esta etapa, no entanto, essa técnica foi a mais adequada, pois me permitiu sistematizar um grande volume de dados em um período curto de tempo, de acordo com a indicação de Bauer (2002), sem perder a possibilidade de retomá-las posteriormente para análises mais demoradas, pois os dados registrados me permitiam encontrá-las novamente para releitura.

A incursão nos jornais impressos possibilitou a identificação de uma diversidade de representações sociais sobre cães e gatos, variáveis de acordo com o foco da editoria (economia, cotidiano, comportamento, ciência), com os interesses humanos em jogo (animais úteis, divertidos, lucrativos, perigosos, indesejados) e com a situação abordada.

A identificação das representações recorrentes na grande mídia apontaram algumas direções em que ocorrem mudanças nos veículos de comunicação, mas não seriam suficientes para explicá-las, tampouco para identificar transformações nas relações travadas pelos atores sociais, que não podem ser tomados como meros reflexos da mídia. Afinal, não seria correto tomar as representações midiáticas como idênticas às representações cotidianas, tampouco inferir, a partir de análises de documentos, quais são as interpretações que as pessoas fazem daquilo que aparece na mídia (BAUER, 2002; GUBA & LINCOLN, 1994).

Nesse sentido, a opção por pesquisar na mídia um período que vivenciei como ativista (2009 a 2011) foi importante porque me permitiu analisar as publicações do ponto

de vista das representações construídas na mídia, mas também do ponto de vista das leituras feitas, na época, por quem militava na proteção animal. Complementei esse mapeamento com análise de conteúdo também em documentos da proteção animal, dando preferência aos materiais do Adote um Vira-Lata e àqueles repercutidos com frequência por protetores da RMR nas redes sociais.

2.2.2.2. Revistas especializadas

Consultei 15 edições de revistas especializadas em animais de estimação: Revista Cães & Companhia (posteriormente nomeada Cães & Cia), revista Cães e revista Cães & Raças. Por não haver base de dados disponível na internet, as edições foram adquiridas em sebos virtuais, nos quais busquei inicialmente as edições mais antigas e, posteriormente, aquelas que anunciavam na capa matérias relevantes para a pesquisa. As edições da década de 1980 consultadas da revista Cães & Companhia foram 26 (1981), 48 (1983), 51 (1983), 85 (1986) e 92 (1987) e, da revista Cães (especializada, lançada pela editora da Cães & Cia - Flash), foram consultadas as edições nº 4 e 5, ambas de 1986. Já na década de 1990, foram consultadas as edições 176, 178 e 187 (1994), 194 (1995) e 203 (1996) da revista Cães & Cia. Também foram consultadas as edições 1 e 7 (1996) da revista Cães & Raças. Neste material, procurei analisar as matérias sobre cães de guarda, cães de companhia, gatos e problemas de saúde nas duas espécies, além das cartas de leitores. Por fim, foi feito um panorama dos produtos anunciados nesses veículos.

2.2.2.3. Manuais de guarda responsável

Em um paralelo com os “manuais de etiqueta” analisados por Elias e com os “manuais de empresas” analisados por Boltanski & Thévenot, chamo “manuais de boa tutoria” analisei publicações (impressas ou virtuais) voltadas para a adequação do comportamento de tutores (que se costuma chamar de educação para a guarda responsável). Analisei esses manuais como forma de identificar os aspectos gerais da mudança social que me interessa, pois tais publicações intentam prescrever uma conduta socialmente aceitável justamente quando ela ainda não está consolidada (se já estivesse, tais indicações não seriam necessárias). Dois tipos de manuais foram considerados:

 Manuais de boa tutoria, escritos por protetores de animais de Pernambuco ou por eles distribuídos

 Páginas de grupos de proteção da Região Metropolitana do Recife na internet  Programas televisivos que atuam como manuais de boa tutoria, com recorte nos

dois mais difundidos no Brasil: “O Encantador de Cães” e “Meu Gato Endiabrado”.

A leitura e categorização desse material ajudou a situar melhor de que maneira a proteção animal age (para além de minha experiência), que aspectos do discurso da proteção estavam sob disputa e quais deles ganhavam espaço na grande mídia. Por outro lado, ao longo do período do doutorado, interessei-me cada vez mais em entender como os sujeitos inseridos nessa configuração realizavam leituras dessas indicações e negociavam a convivência com os animais de estimação.

Embora o mapeamento acima descrito aponte transformações discursivas e normativas, o corpus a partir do qual ele é realizado não permite o acesso às emoções envolvidas no processo, tampouco às tensões que as novas relações com animais de estimação geram. Buscando acessar essas questões, aproveitei minha inserção no campo para investir em uma observação participante, capaz de enriquecer o corpus da pesquisa com detalhes vivos, que possibilitassem o acesso aos elementos cotidianos das relações com cães e gatos.