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Norbert Elias, Boltanski & Thévenot: a construção de um modelo de análise

2. O CAMPO DE PESQUISA E O PERCURSO METODOLÓGICO

2.3. ANÁLISE DOS DADOS: IDENTIFICAÇÃO DE REPERTÓRIOS MORAIS

2.3.1. Norbert Elias, Boltanski & Thévenot: a construção de um modelo de análise

Como expliquei no início deste tópico, a proposta de Boltanski & Thévenot mostrou-se interessante para esta pesquisa por oferecer um modelo teórico-metodológico focado na análise de críticas e justificações morais. Para explicar como combinei a teoria da capacidade crítica à teoria do Processo Civilizador, começo por indicar em que aspectos me afasto do trabalho de Boltanski & Thévenot e de que maneira considero a proposta deles como um recorte dentro da proposta eliasiana, que permanece central para os objetivos desta pesquisa.

Embora tenham como ponto de partida a importante conexão entre classificação e julgamento e se proponham a estudar as operações de qualificação, Boltanski & Thévenot limitam-se a encaixar os argumentos observados nos quase-experimentos em um modelo previamente estruturado, gerado a partir de obras clássicas da filosofia política. Ora, por

mais interessantes que sejam as semelhanças entre as justificações feitas pelos atores sociais em situações cotidianas e aquelas feitas por cientistas sociais, não é possível equiparar falas do mundo da vida a falas elaboradas em contextos acadêmicos tão específicos quanto as obras da filosofia política e da moral. Ao tratarem as obras da filosofia política como tradução das generalidades da vida cotidiana, os autores não parecem lembrar que toda tradução é incompleta e seletiva, de forma que há muito mais na vida cotidiana que aquilo que foi “traduzido e esclarecido” na filosofia. Por perderem essa limitação de vista, chegam a afirmar que, ao cruzar os seis Ordenamentos Morais por eles identificados, teriam descoberto “as críticas legítimas mais frequentes em nossa sociedade” (BOLTANSKI & THEVENOT, 1999:374). Em outro momento, Boltanski & Thévenot (2006:71) afirmam que o modelo possibilita vislumbrar outras “Políticas”, mas, na prática, atêm suas análises a essas possibilidades.

Posteriormente, Lamont & Thévenot realizam uma pesquisa comparando debates com temáticas similares, realizados na França e nos Estados Unidos, para identificar as especificidades relativas a cada contexto, mas não chegam a propor a elaboração de outros “Mundos”, apenas a adequação do modelo francês a algumas especificidades encontradas entre os norte-americanos.

Para maximizar os dados do próprio campo, procurei gerar uma matriz alternativa para analisar as críticas e justificações observadas no campo de pesquisa. Para tanto, desprendi-me do conteúdo dos “Ordenamentos Morais” identificados por Boltanski & Thevenot e utilizei apenas a forma proposta, ou seja, os elementos constituintes de cada um dos mundos: valor fundamental, formato das informações relevantes para as avaliações, relação elementar entre os seres, ordenamento legítimo entre os seres.

Ao fazer essa sistematização, pude compreender melhor a construção de argumentos encontrados nos manuais de guarda responsável e em vários embates realizados no ambiente virtual e nos eventos de adoção. Essa sistematização demandou leitura e releitura do material reunido e teve como principal dificuldade o fato de que, ao contrário do que propõem Boltanski & Thévenot, os atores sociais não mudam de um sistema argumentativo para outro de forma coerente. Para que fosse possível construir a matriz, procurei identificar, prioritariamente, os valores subjacentes às falas, o ordenamento estabelecido entre os seres (espécies e categorias) assumidos como relevantes e as virtudes exaltadas. A partir daí, busquei identificar como as virtudes se relacionavam às operações de classificações dos seres e aos valores fundamentais. Nesse momento, percebi que não era possível analisar, sob a mesma lógica, as operações de classificação

dos seres humanos e não humanos, pois, embora o domínio humano seja questionado e algumas espécies animais por vezes sejam consideradas mais virtuosas que os humanos, os animais não humanos não são classificados a partir dos mesmos critérios. Na avaliação dos humanos, a conduta escolhida é o elemento fundamental, por isso a capacidade racional de escolha é assumida como característica distintiva em relação aos animais não humanos e, portanto, estabelecendo padrões diferentes de julgamento61.

A matriz que utilizo para fazer análises, portanto, é um resultado da pesquisa, por ter sido elaborada a partir dos dados de campo, mas, ao mesmo tempo, é também uma ferramenta metodológica, pois serviu como guia para a análise e comparação entre dados de diversos tipos (orais, documentais e diários de campo). Dessa maneira, parece-me cabível apresentá-la neste momento.

61 Dado que os humanos são classificados a partir do comportamento que se entende como escolha, as

crianças que cometem atos de crueldade contra animais são classificadas ou como produto da maldade dos pais ou como pessoas de caráter intrinsecamente mau. Esse fato foi observado por mim quando analisei os comentários a respeito do espancamento de um cão poodle no Espírito Santo, que causou grande comoção no ano de 2014 (LIMA, 2016).

Moralidade Vegana proteção parentesco interespécie Moralidade Pet propriedade Valor fundamental (modo de avaliação) Negação à exploração dos animais

Altruísmo Reciprocidade Reconhecimento

social Utilidade

Manutenção da

vida natural Cuidado Conexão emocional

Identificação com as características da raça Praticidade Formato das informações relevantes

Filósoficas Oral Exemplar Valor monetário Oral

Científicas Exemplar Anedóticas Visual (estética) Exemplar

Lógico-

argumentativas Anedótica Observação Anedótica

Exemplar Observação Valor monetário

Relação elementar

Respeito (abster-se

de causar danos) Doação Reciprocidade Admiração Custo-benefício

- Cuidado/controle Afeto Orgulho Comando

Ordenamento dos agentes morais (Humanos) Doação pessoal (abster-se de usar animais como recursos) Altruísmo Afeto Qualidade dos exemplares possuídos Autoridade Afeto Dedicação - -

Capacidade de mobilizar outras pessoas Conexão emocional - - - Civilidade Civilidade - - Ordenamento dos animais não humanos Importam os indivíduos, especialmente os conscientes e os sencientes Importam os indivíduos, especialmente os vitimados pelos humanos Indivíduos importam, especialmente aqueles inseridos na família

Valor monetário Performance

Importam os animais expostos a

sofrimento e/ou morte para servir

aos humanos Resiliência (força, garra, recuperação de doenças) Inteligência Importa a função a ser exercida (guarda, companhia, exposição) Importa a função a ser exercida (guarda, controle de pragas, companhia)

- Docilidade/confiança Docilidade Adequação estética Custo-benefício

- Gratidão Conexão afetiva

com o tutor

Comportamento

esperado da raça -

componentes de um debate moral e ideias importantes sobre a maneira como os atores sociais articulam tais elementos em situações concretas. As discordâncias que aponto em relação a eles são importantes apenas para deixar claro até que ponto a proposta por eles elaborada foi utilizada nesta pesquisa e em que medida precisou ser adaptada62.

Além do problema metodológico de aplicar uma matriz genérica ou criar uma matriz específica, com os dados de campo, foi preciso lidar também com um problema teórico, resultante da caracterização dos sujeitos na obra de Boltanski & Thévenot (1999, 2006). Em vários momentos, os autores afirmam a intenção de sublinhar a capacidade de agência do ator social, apresentado como sempre capaz de decidir, refletir e justificar suas ações de forma competente e coerente. Em uma crítica a Bourdieu, Boltanski e Thévenot (1999:364; 2006:15) contrapõem-se à ideia de condicionamento da ação por constrangimentos externos de dominação, poder e força. Nesse movimento, que Campos (2009) caracteriza como “reabilitação teórica da capacidade de crítica e justificação dos atores sociais”, os sujeitos são caracterizados como dotados da capacidade de perceber as regras práticas de cada situação, adaptá-las continuamente e justificar os próprios atos, de acordo com princípios etnometodológicos (GARFINKEL, 2006; 2008). Ainda nesse sentido, a situação é definida como elemento explicativo fundamental, em detrimento das características dos atores, grupos ou estruturas sociais.

A definição da ordem de generalidade é reconhecida como centro das operações críticas feitas pelos atores, por isso as diferentes formas de justificar e estabelecer equivalências não estão ligadas a algo fixo, e sim à situação em que o debate esteja inserido. Dessa maneira, Boltanski & Thevenot (2006) alertam para a necessidade de analisar cada situação a partir dos valores mobilizados pelos atores, ao invés de tratá-las a partir do que o pesquisador julgue como pertinente.

62 Foi possível identificar também uma moralidade ambiental-conservacionista, organizada em torno do

valor fundamental equilíbrio ecológico (e não de uma proteção à vida de forma genérica, como o “mundo verde” apontado por Boltanski & Thévenot). Nesse ordenamento moral, as informações relevantes são as mensuráveis (atribuídas às ciências) e a relação elementar entre os seres é o controle da natureza pela ação humana, em busca de garantia ou reestabelecimento do equilíbrio. Os humanos são valorados de acordo com a expertise e os animais priorizados são aqueles categorizados como dotados de importância ecológica ou ameaçados de extinção. Indivíduos não humanos não são relevantes nesse ordenamento moral, que se interessa por espécies, biomas e ecossistemas. Os conflitos entre esse ordenamento moral e os ordenamentos vegano e de proteção são material para análises muito interessantes, mas que extrapolaram os objetivos traçados para esta tese, por isso não serão trabalhados neste momento.

A ideia de que os “Mundos/Cidades” sejam escolhidos de acordo com a situação, e não com o indivíduo, pode levar a crer que não existem moralidades de grupos, mas apenas moralidades de situações, havendo no máximo a sedimentação de um entendimento de certas gramáticas como adequadas a determinados contextos (como a Cidade Industrial no contexto de uma empresa). Por outro lado, não se pode esquecer que os indivíduos levam a qualquer situação uma carga cultural e um conjunto arraigado de valores e normas, que, por estarem incorporados como habitus, surgem com maior facilidade em suas zonas de relevância. Sendo assim, embora concorde com a recomendação de evitar a essencialização de categorias teoricamente definidas, sublinho que indivíduos fortemente identificados com um grupo tendem sim a recorrer preferencialmente às gramáticas morais mais incorporadas em seu habitus e, portanto, têm maior capacidade argumentativa a partir desses Ordenamentos Morais e tendem a apoiarem-se neles para fazer avaliações de situações pouco conhecidas.

Merece destaque, ainda, o fato de que, em todas as sociedades, as normas sedimentadas estabelecem para os indivíduos quais são as maneiras mais adequadas de enfrentamento (familiaridade, violência, justificação, etc). Isso precisa ser ressaltado porque o regime de justificação, que Boltanski & Thévenot (2006) consideram socialmente desejável para a busca por justiça, não é uma opção disponível em todos os contextos de forma idêntica. O regime de justificação só começa a emergir como padrão na sociedade moderna, em que o regime da violência é condenado pelo padrão de civilidade e o regime da familiaridade é condenado pelo padrão de racionalidade. A preferência por essa forma de enfrentamento ocorre entre indivíduos com estruturas de personalidade formadas em um contexto de relações pacificadas, sensibilidade de condenação à violência, valorização cultural da capacidade conciliatória e educação capaz de desenvolver as habilidades reflexiva e argumentativa. Essa é justamente a estrutura de personalidade resultante do processo de longo prazo de civilização dos modos, apresentado no capítulo 1.

É nesse sentido que a proposta de Boltanski & Thévenot (1999, 2006) pode ser entendida como leitura de uma das características do Processo Civilizador - a emergência de uma estrutura de personalidade a partir da qual os sujeitos se entendem como indivíduos racionais e refinados, tornando-se afeitos a embates argumentativos e, em geral, habilitados para tomar parte deles. Por ser característico dos desentendimentos

entre indivíduos submetidos a impulsos civilizatórios, o regime de justificação predomina nas classes sociais mais escolarizadas e dotadas de maior capital social63.

Por dizer respeito a um tipo específico de confronto e aos membros de uma categoria social também limitada, o “regime de justificação” não é capaz de oferecer uma explicação abrangente dos conflitos identificados nesta tese, que não estão limitados a grupos escolarizados e frequentemente não chegam a assumir a forma de disputas argumentativas. Diante disso, esclareço que a elaboração de um modelo inspirado em Boltanski & Thévenot teve aqui o objetivo de sistematizar informações, mas não pretendo defender que os atores efetivamente mobilizem esses Ordenamentos Morais de forma organizada em suas falas cotidianas, tampouco que passem de um mundo a outro de forma intencional, buscando, conscientemente, acordos sobre princípios em comum. Essas atitudes típicas dos debates intelectuais foram esporadicamente observadas no campo, mas não constituem o padrão das interações sobre relações de tutoria. Entre os motivos pelos quais isso não ocorre, destaco a diversidade do perfil sociocultural dos indivíduos que frequentam eventos de adoção e daqueles que interagem nas comunidades de adoção no facebook. Essa variedade é incompatível com a afirmação de Boltanski & Thévenot (2006:15), segundo a qual o ator social é “capaz de mudar de uma forma de justificação a outra sem deixar de permanecer coerente com um conjunto consistente de pressupostos”. É interessante trazer, a esse respeito, a crítica de Campos (2009). Segundo ele, embora afirmem construir uma teoria da capacidade crítica, esses autores não tratam especificamente dessa questão. Em vez disso, tomam tal capacidade como algo dado, deixando de lado tanto a sua construção social quanto a distribuição social dessas competências críticas. Isso fica claro na seguinte passagem:

Assim como assumimos que todos são inerentemente capazes de reconhecer quando algo está bem fundamentado ou não, devemos assumir que todas as pessoas são inerentemente dotadas com o equipamento necessário para se adaptarem às situações em cada um dos mundos que identificamos (BOLTANSKI & THEVENOT, 2006:145).

Ao tratarem a capacidade crítica como algo dado, os autores deixam sem explicação pressupostos importantes como por que alguns indivíduos decidem criticar, como a crítica é ativada e por que alguns atores são mais críticos que outros (CAMPOS,

63 Justamente por isso, os indivíduos dessas classes comumente se chocam com o comportamento dos

indivíduos com menor capital social e os julgam como incivis, bárbaros, irracionais e perigosos. Essa perspectiva está ausente em Boltanski & Thévenot (2006), que desconsideram as classes sociais e o conceito bourdieusiano de capital como elementos explicativos.

2009:3). Realizam, em vez disso, uma equiparação exagerada entre as capacidades de reflexão e julgamento de todas as pessoas, bem como dos parâmetros de julgamento de filósofos com a dos membros comuns da sociedade francesa64 (IZQUIERDO, 2004). Os atores sociais representados nesta teoria são igualmente dotados de capacidades lógicas de processamento de informação (como os das teorias econômicas) e capacidades de raciocínio abstrato (como na psicologia cognitiva), mas, ainda, capacidades de julgamento semelhantes às dos profissionais da metafísica e da filosofia política e da moral (DODIER apud IZQUIERDO, 2004:12). Nas palavras dos próprios Boltanski & Thévenot (2006:44):

O alcance de um entendimento justificável pressupõe não apenas a possibilidade de conceber um sistema de restrições que governarão o processo de entendimento, mas implica também que as pessoas possuem as habilidades necessárias para aceitar essas restrições e operar de acordo com elas.

Em outro momento, porém, afirmam, de acordo com a ideia de etnométodo, que aprender a operar em um Ordenamento moral é um processo gradual, que se dá na prática, por isso as justificações baseadas em um princípio de mercado são aprendidas “indo a um salão automobilístico ou a um supermercado, e não indo a uma livraria para ler Adam Smith” (BOLTANSKI & THÉVENOT, 2006:147-148). Porém, se eles assumem que esse processo é gradual e depende de vivência prática, como considerar que todos sejam igualmente competentes para operar dentro de todos os mundos? Como exemplo, vale remeter a Bourdieu (2007) para lembrar como a apreciação da arte, de acordo com o mundo da inspiração, depende da aquisição de capital cultural e, portanto, tem um importante componente de classe. Disso se conclui que, ironicamente, o situacionalismo de Boltanski & Thévenot ignora a maneira como, a cada situação, variam as diferentes capacidades de crítica e argumentação dos atores, as variações nas formas de argumentar e os constrangimentos externos que também compõem a cena.

Essas ressalvas sobre as diferentes capacidades críticas entre os atores e as disparidades de poder nas situações de conflito são importantes para que se perceba que, no contexto de um evento de adoção, a capacidade de impor condições para entregar um

64 Pode-se dizer que, afastando-se de Garfinkel, Boltanski e Thevenot se aproximam muito mais de uma

concepção parsoniana de ordem social, pois, sendo todos os atores igualmente capacitados para reflexão e crítica, não parece haver nenhum processo de socialização necessário ou capaz de diferenciá-los em relação a isso. Teríamos, portanto, críticas previsíveis dentro de um quadro analítico determinado, resultantes da mera junção de uma capacidade interpretativa e argumentativa a priori (dada pelo que Parsons chamaria de sistema orgânico) e um conjunto de valores e regras de caráter universal (que Parsons classificaria como sistema cultural).

animal é dada, ao protetor, por uma combinação entre o domínio de uma gramática moral específica e a situação, em que ele detém mais poder que o candidato. As diferentes capacidades críticas podem até ser deixadas de lado quando se analisa debates entre indivíduos com nível sociocultural equivalente, mas não se aplica a boa parte das situações vivenciadas nessa pesquisa. Nos eventos de adoção, por exemplo, seria possível imaginar que a moralidade de proteção fosse consensualmente estabelecida como adequada, mas não é isso que ocorre, havendo, a cada interação, uma negociação que depende de fatores como conhecimento sobre a proteção animal, classe social e experiências prévias com animais de estimação.

Ademais, a moralidade de proteção não é diretamente perceptível nem rapidamente aprendida pelos que adentram nessa forma de ativismo. Pelo contrário, é notável como os ativistas mais antigos, em vários momentos, entram em conflito na tentativa de adequar os noviços a regras que consideram indiscutíveis. Entre os “Mundos” identificados nessa pesquisa, a moralidade de proteção foi a mais difícil de sistematizar, pois se trata de uma gramática moral dispersa, relacionada a um conjunto amplo de situações, cujos participantes são permanentemente renovados e entre os quais não há o costume de reunir-se em espaços políticos de construção e estabelecimento de consensos65. Mesmo nos espaços virtuais compartilhados por protetores, a renovação dos

participantes é constante e há pouco espaço para debates, pois a prioridade, entre os membros, é a resolução de problemas pontuais: estão todos em busca de adoção ou ajuda e qualquer crítica sobre a postura adotada é rapidamente repelida por vários membros como “negatividade”, “falta de preocupação com a urgência” ou “vontade de aparecer”. Outro exemplo de como os debates em um regime de justificação dependem de habilidades desenvolvidas gradualmente é a recente inserção de protetores em debates políticos. Desacostumados com o debate de princípios e, em muitos casos, pouco familiarizados com a realização de planejamentos institucionais, muitos protetores demonstram inabilidade para debater em termos gerais, apegando-se a exemplos particulares (“essa semana eu peguei um cachorro coberto de carrapato e cuidei sozinha, paguei pela castração. A prefeitura não ajuda”), reivindicações pontuais (“A orla está

65 Diferente do que ocorre na maioria dos movimentos sociais, a entrada na proteção animal costuma se dar

a partir de ações isoladas, sem a presença de lideranças, cartas de princípios ou fóruns de debates. No caso do vegetarianismo, que algumas vezes é adotado também de forma isolada, esse apartamento tende a ser quebrado rapidamente porque as mudanças que esse estilo de vida implica exigem uma busca constante por informações e seus adeptos procuram a ajuda de pessoas mais experientes.

cheia de gatos, alguém precisa resolver aquilo) e julgamentos particulares (“o problema da SEDA é que Rodrigo Vidal é um mau caráter”).

O contexto em que essa pesquisa foi realizada é marcado pelo surgimento de uma configuração social em que aumentam os mecanismos de controle sobre as relações de tutoria, levando à emergência de dilemas morais relativos ao convívio humano com cães e gatos. Nesse processo, o crescimento da proteção animal na Região Metropolitana do Recife é um indicador importante a ser considerado.