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2. O CAMPO DE PESQUISA E O PERCURSO METODOLÓGICO

2.2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.2.5. Netnografia: observação no ambiente virtual

A coleta de dados no ambiente virtual foi utilizada para registrar conflitos envolvendo protetores de animais sem o dilema ético da observação participante. Acompanhando publicações na rede social facebook, pude registrar comentários tanto de protetores que participam de eventos do Adote um Vira-Lata quanto de protetores que sequer conheço pessoalmente, favorecendo o anonimato dos indivíduos e a diversidade de posturas observadas.

Para acompanhar diálogos interessantes para a pesquisa, participei por 3 meses do grupo de alcance nacional Veganismo e, ao longo de todo o período da pesquisa, dos grupos locais SOS Adoção Recife, Adote um Bichano e Vegetarianos e Veganos Recife. Por um período de 5 meses, participei também do grupo Adoção Animal Recife, mais recente que os demais e, provavelmente por isso, alvo de menor controle de postagens (publicações feitas pelos membros do grupo) e locus de um número considerável de conflitos entre os membros. Inicialmente, realizei apenas uma observação assistemática nessas comunidades, acompanhando publicações aleatórias que estavam no topo das comunidades quando eu acessava o facebook. Em um segundo momento, para ter uma noção mais segura da dinâmica dessas comunidades, delimitei um período de 20 dias (em fevereiro de 2015) em que registrei todas as publicações realizadas no grupo SOS Adoção Recife, mapeando o perfil dos animais apresentados e procurados, as situações apresentadas como emergenciais, as publicações de caráter educativo e os comentários feitos nas publicações.

2.2.6. Entrevistas

Por se tratar de uma etapa de checagem, realizei apenas cinco entrevistas, prezando pelo aprofundamento das informações, por isso cada uma durou entre 1h30 e 2h. Os informantes selecionados tem experiências de tutoria e/ou proteção bastante distintas da minha e entre si, como pode ser conferido na descrição a seguir:

ROBERTA54 é uma protetora que atua com resgate e adoções, mas não costuma

participar de eventos, por isso tem uma experiência distinta da minha. Ela não possui permissão da família para criar cães ou gatos em casa, por isso realiza apenas lar temporário e os animais que considera seus são criados na casa do namorado, onde passa os finais de semana e se encarrega dos passeios e banhos dos animais. Essa protetora participa da moderação de um dos grupos de adoção do facebook e, ao entrevistá-la, incluí perguntas sobre o funcionamento do grupo, os conflitos entre os membros e o perfil das publicações. Embora não faça ativismo nessa área, é vegetariana e costuma fazer publicações relacionadas à questão em seu facebook.

CARLA participa da proteção animal como colaboradora, especialmente em eventos de adoção e na produção e divulgação de material informativo sobre a causa animal (vegetarianismo e proteção animal). É vegetariana, já participou de grupo de ativismo mas, no momento em que a entrevista foi realizada, encontrava-se afastada da militância. Essa entrevistada foi selecionada pela experiência de tutoria, pois é casada e divide a casa em que mora com cinco cadelas, duas gatas e dois gatos, todos resgatados ou adotados através de outros protetores.

ALEXANDRE é tutor de 15 gatos e realiza resgate há mais de uma década, mas não está inserido nas redes de proteção, por isso não costuma buscar adoções e tem dificuldades para fazê-lo quando tenta. Mora em uma casa grande com os pais e já teve problemas com a vizinhança e com a família por causa dos animais, por isso decidiu construir um gatil onde mantém parte dos animais confinados, em uma espécie de revezamento. Não é vegetariano e usa redes sociais com certa frequência para compartilhar álbuns de animais para adoção e cartazes de eventos promovidos por protetores. Todos os anos, em seu aniversário, costuma solicitar aos amigos que levem donativos para posterior distribuição e, por duas vezes, o material solicitado foi ração para animais de abrigos.

AMARA é tutora de 10 gatos e 3 cadelas resgatados, com idades variadas. Divorciada, mora com duas filhas adultas em uma casa grande na periferia de Recife. Embora não tenha área externa, a casa possui um grande terraço de primeiro andar, onde vivem as cadelas e quatro dos gatos. Separada por uma grade e uma escada, a área interna da casa é ocupada por mais seis gatos, além de felinos que vivem na rua e entram pela varanda em busca de comida. Não é vegetariana e não usa facebook, mas uma de suas

54 Os nomes de todos os informantes são fictícios, assim como os nomes de seus animais, que serão citados

filhas está inserida na proteção animal e costuma se responsabilizar pela busca de adoção para os animais que ambas resgatam com frequência.

LINDALVA é tutora de um cão de raça de pequeno porte, comprado ainda filhote e que hoje tem 13 anos de idade. Recém-casada, estava no nono mês de gestação quando me concedeu a entrevista e havia passado há poucos meses por sua primeira experiência de resgate, com uma gata encontrada na área externa do prédio em que mora. Viveu sozinha com o cão por quase 10 anos e a convivência com o animal estava passando por várias mudanças desde a chegada do marido. Não é vegetariana, usa facebook e não está ligada a redes de proteção, mas esporadicamente compartilha pedidos de adoção ou ajuda feitos por amigos nas redes sociais.

As entrevistas foram iniciadas de forma não-dirigida, pedindo que cada um fizesse relatos detalhados de sua trajetória em relação a animais de companhia e, durante as falas, estimulei que desenvolvessem as memórias sobre animais considerados marcantes (de forma positiva ou negativa). No segundo momento, pedi que os entrevistados me contassem sobre os animais que criavam no momento atual, levando a novos relatos sobre como cada um chegou à casa. Para encerrar a etapa das memórias, pedi que detalhassem as diferenças entre a convivência com os animais criados na infância e os animais criados na vida adulta (a entrevistada mais jovem tinha 30 anos e a mais velha tinha 52).

Encerrado o primeiro momento, iniciei a aplicação do roteiro semi-estuturado, com questões ordenadas a partir das deixas oferecidas nas falas dos informantes e inserindo questões adicionais sempre que algum aspecto não planejado interessante surgia. Entre as questões em comum, pedi que relatassem a rotina diária e a divisão de tarefas entre as pessoas de casa em relação aos animais, os aspectos considerados positivos na convivência, os aspectos incômodos ou nojentos, a existência ou não de conflitos com outras pessoas por causa dos animais, o que lhes causava alegria na convivência com os animais, se algo nesse convívio lhes causava culpa e o que consideravam como maus tratos e como bem estar animal. Em seguida, perguntei se o tutor considerava que os animais possuem personalidades diferentes uns dos outros e, diante da resposta positiva de todos, pedi que descrevessem individualmente cada um de seus animais. Na última etapa da entrevista, pedi que fizessem um exercício de imaginação e contassem, em uma situação fictícia, o que achariam desejável mudar nos animais que criam e, em seguida, o que gostariam de mudar em suas casas e em si mesmos em benefício dos animais. Por fim, perguntei o que seria, na opinião deles, uma boa vida para um cão ou gato (a depender da espécie criada). No caso dos informantes que atuam

com proteção animal, pedi ainda que descrevessem o que consideravam uma boa adoção e em que situação consideravam necessário negar a adoção de um animal.