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próprios usuários, assim denominados user-generated content (UGC). Imagine-se um grande escritório de advocacia, o qual decide criar uma plataforma colaborativa a fim de que os seus membros a alimentem com peças jurídicas já elaboradas; a ferramenta teria como finalidade a colaboração mútua entre os membros do escritório, os quais poderiam aproveitar-se do conhecimento já acumulado pelos seus colegas. Ocorre que, a depender do sistema de recompensas vigente dentro do escritório, é possível que os advogados-membros não tenham interesse em compartilhar o material que produziram com os seus colegas – ou, ainda que compartilhem, tenham reserva em relação ao conteúdo mais valioso. A existência de concorrência entre os advogados-membros na captura de clientes internos é um fator de risco que deve ser levado em consideração na criação de uma plataforma colaborativa. Ainda que a plataforma possa promover eficiência da organização como um todo, o benefício é difuso e temporalmente distante em relação ao usuário; assim, prevalece o interesse pessoal do advogado em demonstrar melhor performance do que os seus colegas.

O quarto elemento chama atenção para o componente humano, pois centraliza a análise nos incentivos pessoais dos agentes envolvidos. Trata-se de focar naquilo que realmente condiciona o comportamento humano, chamando atenção para a necessidade de identificar a estrutura de incentivos existente e, eventualmente, alterá-la de forma cirúrgica.

Os mecanismos de aquisição de informação, por sua vez, não possuem uma receita pronta. Uma vez firmada a premissa da necessidade de sua criação, a forma de criá-los, por outro lado, envolve as mais diversas possibilidades. A instituição dos mecanismos de informação permite diferentes estruturas, diversos atores, distintos momentos, e uma vasta implicação de custos e interferências na performance do contrato.

Em outras palavras, pode-se afirmar que a observabilidade da execução dos contratos administrativos – notadamente nos contratos complexos – impõe à Administração Pública tomadas de decisão. Isto é, deve o contraente público realizar escolhas a respeito dos mecanismos de informação a serem instituídos e os seus componentes. A capacidade de aquisição de informação depende da realização destas escolhas, e consequentemente, a aquisição eficiente de informação depende de escolhas eficientes.

Quando promove escolhas o contraente público seleciona e prioriza algumas alternativas em detrimento de outras. Neste cenário, muitas vezes, é preciso sacrificar algo para obter um bem maior, o que pode gerar um tipo de dilema. Um conflito de escolha é solucionado pelas preferências e compromissos do tomador de decisão, sendo que a seleção de uma determinada alternativa significa não usufruir dos benefícios da alternativa que não foi escolhida. Portanto, o agente que faz a escolha deve conhecer os lados positivos e negativos das suas oportunidades.

Seguindo esta linha, adentra-se ao significado de custos de oportunidade.

Conforme ensina James M. Buchanan387, o conceito de custo de oportunidade expressa a relação básica entre escassez e escolha. Ensina o autor que, caso não existisse escassez dos objetos e atividades valorados pelos indivíduos, todas as demandas de todas as pessoas a todo momento poderiam ser atendidas, indistintamente. Neste mundo ideal não seria necessário valorar e distinguir alternativas, bem como estaria dispensado qualquer tipo de processo de coordenação social com a finalidade de determinar qual demanda teria prioridade. Na ausência de escassez, nenhuma oportunidade ou alternativa seria perdida, esquecida ou sacrificada.

Ocorre que, a partir do momento em que há escassez, nem todas as demandas podem ser atendidas. A escassez introduz a necessidade de escolha, seja diretamente

387Buchanan, J.M. Opportunity Cost, p. 520.

pelo próprio indivíduo, seja indiretamente por meio de instituições ou procedimentos pré-determinados que viabilizam a interação social e, ao final, conduzem a uma seleção que expressa a vontade coletiva. Escolhas implicam a seleção de algumas alternativas, e consequentemente a rejeição de outras. Em síntese, custo de oportunidade equivale ao valor da mais valiosa das alternativas ou oportunidades dentre aquelas que foram rejeitadas na escolha388. Equivale ao valor que é abandonado ou sacrificado para garantir o valor mais alto que a seleção do objeto escolhido incorpora. Em poucas palavras, é o valor da opção rejeitada pelo tomador de decisão.

É importante ter em mente que mecanismos de informação são onerosos e, por isso mesmo, é ingênuo pensar que a solução ótima sempre será a criação de tantos mecanismos quanto forem necessários. Em algumas hipóteses, mecanismos que garantam observabilidade plena podem ser tão onerosos quanto a execução do próprio contrato. Tenha-se como exemplo as rodovias com pedágio. De que forma, nas rodovias com cobrança de pedágio, poderia o contraente público certificar-se de que a quantidade de veículos pagantes é exatamente aquela quantidade informada pela concessionária do serviço? Como poderia o contraente público certificar-se de que a informação prestada pela concessionária é autêntica? Pode-se imaginar que o ente estatal, caso queira controlar todo o fluxo de tráfego por conta própria, deverá realizar investimento de valor tão vultuoso quanto o investido pela própria concessionária, o que se afigura contraproducente.

No momento em que o contraente público não arca com o valor do controle absoluto, deve assumir que parte da execução do contrato quedará inobservável. É o caso, por exemplo, do controle por amostragem. Ainda no exemplo do pedágio, ao invés de controlar todo o fluxo de veículos, pode o ente público promover um controle por amostragem, isto é, promover um recorte temporal e espacial. Ao invés de designar fiscais para todos os postos de pedágio, durante todos os dias, o fluxo de tráfego será controlado uma vez por mês, tendo como alvo apenas alguns postos de cobrança, a fim de que a amostra seja comparada com as demais informações prestadas pela concessionária. Nestes casos, o ente público assume o risco de inobservabilidade de parte do contrato. Trata-se, portanto, de uma análise de ponderação entre o custo da observabilidade e o risco da inobservabilidade.

388Idem, p. 520-521.

O motivo de o ente público assumir uma observabilidade parcial da execução do contrato é o fato de que os recursos eventualmente empregados para garantia da observabilidade plena podem ser melhor utilizados se alocados de outras formas, para servir a outras finalidades. Em outras palavras, quando o custo de oportunidade da observabilidade plena (ou quase plena) for muito alto, tende a Administração Pública a assumir o risco de não enxergar todo o desenvolvimento do contrato. A exemplo, pode-se questionar até quanto vale controlar todo o fluxo de tráfego dos pedágios e garantir a execução do contrato quando os mesmos equipamentos tecnológicos que fariam a contabilidade dos veículos poderiam ser utilizados nas mesmas rodovias para limite de velocidade e prevenção de acidentes. Considerando que os recursos são finitos e o erário escasso, ponderações desta natureza devem ser feitas.

Importante ressaltar que o risco da inobservabilidade pode ser reduzido por meio da criação de incentivos que induzam o contratado a adotar o comportamento desejado. Em outras palavras, ainda que o cenário seja de pouca informação para o ente público, pode ser criada uma arquitetura de incentivos que encoraje o contraente privado ao adimplemento do contrato. Para ilustrar, tenha-se a fiscalização por amostragem – que é realizada sem aviso prévio, ou sem indicação prévia da amostra que será averiguada – com a imposição de altas multas pelo descumprimento do contrato. Mesmo na ausência de observabilidade plena, a mera possibilidade de fiscalização pode ter efeitos satisfatórios no comportamento do agente.

Outro aspecto que deve ser lembrado é o fato de que o controle, por vezes, interfere na atividade que está sendo controlada; essa interferência, por sua vez, pode alterar a performance do contratado. Desta feita, o controle do contrato, cuja razão de ser é justamente a garantia de adimplemento da execução, pode implicar um resultado completamente adverso se for utilizado em excesso. Imagine-se o contraente público que, no afã que fiscalizar a execução do contrato, solicita ao contratado uma série de relatórios, a serem preenchidos em tempo exíguo. Não se pode olvidar que o tempo e esforço alocados no preenchimento de relatórios significam custo de oportunidade, ou seja, tempo e esforço que não estão sendo revertidos na execução do contrato propriamente dito.

Assim, defende-se no presente trabalho que a observabilidade da execução dos contratos administrativos impõe escolhas ao contraente público, podendo a aquisição de informações ser entendida como um verdadeiro trade-off, uma compensação. De um lado, informação é algo valioso para o contraente público; de outro, para

adquiri-la é necessário arcar com um custo. A alocação de recursos implicará, necessariamente, custos de oportunidade para a Administração Pública, a qual deverá ponderá-los ante a informação que está sendo efetivamente adquirida.