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6.4 Aquisição de Informação Como um Trade-Off

6.4.4 Estrutura

Seguindo a mesma linha, Patricia Wallace404 ensina que três características distinguem as informações valiosas das informações triviais, quais sejam: (a) tempestividade, sendo a informação tanto mais valiosa quanto mais oportuna for, preferencialmente em tempo real; (b) precisão, característica esta revelada em graus e que demanda tempo, muitas vezes concorrendo com a tempestividade (quanto mais precisa a informação, mais tempo demanda para obtê-la); (c) integralidade, ou seja, a completude dos dados que compõem a informação, a fim de evitar interpretações tendenciosas ou enviesadas.

Outro aspecto que merece atenção quanto ao processo a ser definido se refere ao excesso de interferência na execução do contrato. A depender das etapas do processo este pode perturbar, em maior ou menor medida, a atividade-fim que está sendo desenvolvida pelo contratado. Fiscalização demais pode terminar por conturbar o próprio objetivo do contrato. É preciso, pois, que as etapas de coleta, transformação e transmissão de informações ocorram da forma menos gravosa possível, sem onerar desnecessariamente aquele que executa a relação contratual.

Em síntese, a arquitetura dos mecanismos de aquisição de informação também envolve a definição dos seus processos, ou seja, o detalhamento daquilo que se deseja com o sistema de informação. A definição dos processos pode afetar a qualidade da informação, pode interferir na execução do contrato, bem como pode impingir maior ou menor eficiência ao sistema. Processos bem elaborados promovem coesão da equipe, permitindo melhores resultados com menor custo e em menor tempo.

A estrutura resulta dos sistemas de comunicação, das relações de autoridade e dos fluxos de trabalho que operam dentro da organização.406 Pode-se pensar neste componente como as regras implícitas ou explícitas que regem as relações entre as pessoas envolvidas no sistema de informação. Refere-se à estrutura de incentivos dentro do sistema, que determina o comportamento dos seus membros. A estrutura organizacional é, muitas vezes, um componente invisível dentro dos sistemas de informação, que passa despercebido. Contudo, é determinante para que os envolvidos contribuam ou não para o objetivo comum da organização.

Durante muito tempo o funcionamento das organizações foi tido como algo essencialmente mecânico, composta de pessoas sem interesse próprio, cuja função de produção era calculada apenas com base nos insumos de entrada. Essa visão mecanicista possui fraquezas, pois: (a) ignora completamente os problemas de incentivo dentro das organizações, uma vez que as trata como uma "caixa preta"

perfeitamente eficiente, dentro da qual tudo funciona idealmente bem e todos fazem o que lhes é dito, sendo que mesmo um olhar rápido sobre qualquer organização real sugere que isso é irrealista; (b) é uma visão que não tem nada a dizer sobre o arranjo interno das organizações – sua estrutura hierárquica, como as decisões são delegadas, ou quem tem e exerce autoridade407.

Um dos fatores mais importantes, mas menos analisados, que afetam o comportamento organizacional é a estrutura de incentivos internos, que inclui a gestão de recursos humanos em geral e as políticas de compensação em particular. Um entendimento profundo dos incentivos internos é fundamental para a eficiência dos sistemas informacionais, uma vez que eles determinam em grande parte como os indivíduos se comportam nas organizações.408 As organizações e as pessoas que a compõem são interdependentes de outras organizações e outros indivíduos. Em consequência desta interdependência (relações sociais), o esforço de entender o comportamento dos indivíduos e das organizações deve passar pela investigação do contexto das relações sociais.409

406O'Hara, Margaret; Watson, Richard; Kavan, C. Managing the three Levels of Change, p. 64.

407Hart, Oliver. Firms, Contracts, and Financial Structure, p. 17.

408Baker, George; et al. Compensation and Incentives: Practice vs. Theory, p. 593.

409Pfeffer, Jeffrey. Incentives in Organizations: The Importance of Social Relations, p. 72.

O quadro normativo, sem dúvidas, dá forma aos incentivos para a produção de informação. 410 Todavia, não é um fator absolutamente determinante. O comportamento humano não é moldado exclusivamente pelas normas escritas. Se assim fosse, a previsão no clausulado da obrigatoriedade de revelar informação seria suficiente para abrandar a assimetria informacional da relação contratual. Entretanto, o comportamento humano deriva de uma estrutura de incentivos, sendo a norma apenas um incentivo em toda essa estrutura complexa, o qual pode ser mais ou menos determinante, e mais ou menos eficiente na consecução do seu fim. A exemplo, é possível ter a obrigação de renegociar sem ter a obrigação legal de renegociar. Esta distinção é uma distinção que podemos esquecer demasiado depressa. A lei é apenas uma parte do quadro.411

Para além do aspecto meramente normativo, deve a Administração Pública atentar-se para os incentivos dispostos às pessoas no cenário, e então trabalhar estes incentivos. Trata-se de uma solução voltada ao campo da teoria dos jogos e ao desenho dos incentivos, também denominado mechanism design. Na maior parte da literatura sobre mechanism design, o modelo assume que vários agentes econômicos possuem uma informação relevante para a alocação eficiente de recursos. A tarefa do projetista do mecanismo é encontrar uma forma de jogo que induza os agentes a revelar suas informações privadas. Um mecanismo eficiente é aquele em que a alocação final é eficiente, dada toda a informação privada disponível na economia412. Informação difusa, desconexa, estratificada entre os vários agentes do sistema, pode impedir uma visão completa da realidade e obstaculizar a organização de atingir a sua finalidade413.

Ainda que os agentes que compõem um sistema de informação possam ter interesses divergentes, é possível que estas divergências sejam realinhadas com o estabelecimento de incentivos apropriados. Paralelo a este realinhamento de incentivos, também se faz necessário que a Administração Pública incorra em custos de monitoramento, os quais tem como finalidade evitar oportunismos. Em geral, é

410Esty, Daniel C. Environmental Protection in the Information Age, p. 131.

411Baird, Douglas G. Self-Interest and Cooperation in Long-Term Contracts, p. 595.

412 Bergemann, Dirk; Välimäki, Juuso. Information Acquisition and Efficient Mechanism Design, p. 1007.

413Wiener, Jonathan Baert. Managing the Iatrogenic Risks of Risk Management, p. 55.

difícil que a Administração Pública consiga, a custo zero, assegurar que o agente tomará as melhores decisões do ponto de vista do seu interesse414.

Se os decisores governamentais forem (aproximadamente) racionais, podemos esperar que eles escolham um nível de esforço de pesquisa que (aproximadamente) equipare os seus benefícios marginais aos seus custos marginais. Em muitos casos, porém, os custos e benefícios sociais marginais do investimento em pesquisa não se alinharão perfeitamente com os custos e benefícios marginais privados do agente governamental relevante. Não se pode pressupor, portanto, que o agente público incumbido da função de fiscalizar a execução do contrato atue com esmero e em prol do interesse público o tempo todo. É possível que exista um desalinhamento de interesses, o qual leva a um investimento socialmente subaproveitado em informação.

Embora teoricamente seja possível que o esforço de investigação de um decisor público seja demasiado elevado ou demasiado baixo, existem razões para pensar que, na maioria dos casos, será demasiado baixo. Em outras palavras, a tendência predominante é que o agente público invista na fiscalização da execução do contrato em nível menor do que o ideal. Mais importante ainda, um típico agente governamental internaliza apenas uma fração do benefício social agregado associado à tomada de uma melhor decisão de política pública, mas ela internaliza a maior parte dos custos da pesquisa. Em contraste, embora alguns dos custos associados à pesquisa adicional sejam custos sociais, grande parte do custo da pesquisa para o agente público deriva de custos pessoais tais como o lazer perdido, maior esforço mental e outros custos privados que são socialmente triviais415. Por estas razões, deve o sistema informacional ter uma estrutura organizacional adequada, que conflua estes interesses no mesmo sentido.

Dentre outros aspectos, a estrutura organizacional refere-se ao mecanismo de recompensas dentro do sistema. Em um sistema econômico cooperativo, caso as recompensas dos envolvidos sejam aleatórias, sem correlação com o real esforço empregado por cada um, a organização não conseguirá estruturar uma arquitetura de incentivos adequada a induzir uma produção eficiente. Ainda, se as recompensas forem inversamente proporcionais ao esforço real empregado, a organização estará sujeita a sabotagem. Assim, uma importante demanda das organizações é a

414Jensen, Michael C.; Meckling, William H. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, p. 5.

415Stephenson, Matthew C. Information Acquision and Institutional Design, p. 1430-1431.

capacidade de medir o real esforço empregado pelos seus agentes, a fim de que as recompensas possam ser distribuídas de maneira eficiente416.

Ainda, também se revelam como facetas importantes da estrutura organizacional as punições a que estão sujeitos os envolvidos. Após sopesar os custos do cumprimento e as sanções previstas, é possível que o agente entenda ser mais eficiente descumprir com determinada obrigação. O incumprimento eficiente, contudo, pode envolver margem de ineficiência (oportunismo). Nestes casos, a restituição pelo inadimplemento deve ser mais severa, englobando a devolução do prestado mais a subrogação nos ganhos puros do inadimplente. Assim, desmorona a expectativa do agente em adquirir renda extra por meio do descumprimento. É sanção que ultrapassa o nível da mera expectativa e transborda do simples escopo indenizatório417.

Vale ressaltar que, no tocante ao interesse público, não raro o efeito carona se faz bastante presente. A exemplo, na seara do meio ambiente, quanto ao monitoramento de recursos comuns. Os atores privados tentam lucrar com a investigação do estado de um recurso comum realizada pelo poder público, na tentativa de aproveitar os esforços de outros. De outro lado, é possível que os atores do governo, por si só, tenham poucos incentivos para reunir tais informações418. Neste ínterim, faz-se necessária uma estrutura adequada de incentivos que permita um sistema de informação eficiente entre todos os interessados419.

Partindo-se do pressuposto de que as pessoas são racionais e egoístas, é necessário perquirir quando e como os indivíduos decidem pela cooperação. Uma explanação possível seria o mecanismo denominado altruísmo recíproco: as pessoas tendem a ser recíprocas. Assim, ser um mero caroneiro pode se revelar uma estratégia menos frutífera quando o agente leva em consideração a possibilidade de resposta futura por parte de outros agentes em relação à sua cooperação ou não.420

Ainda no que tange à seara pública, em razão dos princípios democrático e da participação popular, cabe ao Estado oferecer oportunidade de engajamento público,

416 Alchian, Armen; Demsetz, Harold. Production, Information Costs, and Economic Organization, p. 778.

417Araújo, Fernando. Teoria Econômica do Contrato, p. 747.

418 Buzbee, William W. Adjudicatory Triggers of Enhanced Ambient Environment Information, p. 598-599.

419 Cary Coglianese, Richard Zeckhauser, and Edward Parson, Seeking Truth for Power:

Informational Strategy and Regulatory Policymaking, p. 340-341.

420Robyn M. Dawes, Richard H. Thaler, Anomalies: Cooperation, p. 187-190.

ou seja, buscar informações junto à sociedade. De outro lado, não se pode perder de vista que as tomadas de decisão devem ser orientadas por peritos, técnicos da área, conhecimento este que nem sempre pertence ao povo421. Cabe ao ente público preocupar-se com os incentivos que moldarão a coleta destas informações dentro do sistema.

Em verdade, está longe de ser clara qual a forma organizacional perfeita do ponto de vista da resolução de problemas informacionais difíceis422. Quanto mais complexo o sistema de informação, mais difícil é conseguir os incentivos dos indivíduos para se alinharem com as funções da organização. As definições da estrutura organizacional envolvem custos e riscos, não existindo uma resposta simples. De outro lado, o enfrentamento do problema do ponto de vista de estrutura organizacional torna mais claro o modo como os agentes se comportam, permitindo uma melhor orientação das meta-decisões a serem tomadas pela Administração Pública.