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Mais Informação, Maiores Responsabilidades

5.1 Efeito do Enquadramento

5.2.2 Mais Informação, Maiores Responsabilidades

A gigantesca capacidade de produção de informação conduz ao conceito de big data, o qual está ligado a três principais características, denominadas de os três V’s:

volume, variedade e velocidade355. Conforme lição de Amir Gandomi e Murtaza Haider356, volume se refere à magnitude do dado, cujo tamanho é reportado em múltiplos terabytes e petabytes; variedade se refere à heterogeneidade estrutural de um conjunto de dados, isto é, podem existir dados estruturados (dados entabulados em planilhas, por exemplo), semi-estruturados ou não-estruturados (i.e., imagens, áudios e vídeos); velocidade se refere à rapidez com que esse dado é gerado e com que merece uma reação positiva.

Essa imensidão de informação produzida permite que algumas trilhas de dados sejam percorridas, levando a conhecimentos sobre o comportamento dos indivíduos.

Ante o tamanho, velocidade e heterogeneidade dos dados é quase impossível que sejam analisados manualmente e se consiga um resultado satisfatório. Assim, ferramentas e técnicas por meio de algoritmos, redes neurais e estatística357 estão sendo utilizadas para garimpar este universo de informação. Este conjunto de técnicas é denominado mineração de dados (ou data mining), vastamente utilizada nos dias de hoje para orientar decisões nas searas do varejo em geral, marketing, gestão de relacionamento com o cliente, instituições financeiras, seguros, pesquisas científicas e sistemas de saúde358.

Trilhas de dados levam a conhecimentos surpreendentemente reveladores359. A companhia Target, por exemplo, já usou mineração de dados para descobrir se suas clientes estavam gestantes ou não, antes mesmo que elas quisessem compartilhar essa informação360. Na ocasião, a equipe de marketing da empresa pretendia enviar publicidade especialmente pensada para gestantes quando as mulheres estivessem no segundo trimestre da gestação, época em que as futuras mães iniciam as compras para a espera da criança. A acuidade da empresa é tamanha que, em Minneapolis,

355Laney, Doug. 3-D data management: Controlling data volume, velocity and variety.

356 Gandomi, Amir. Haider, Murtaza. Beyond the hype: Big data concepts, methods, and analytics, pp. 137-144.

357Cetax. Data Mining: o que é, conceito e definição.

358Rahman, Nayem. Data Mining Techniques and Applications: A Ten-Year Update, p. 78.

359Stephens-Davidowitz, Seth. Everybody Lies, posição 115 (edição kindle).

360Duhigg, Charles, How Companies Learn Your Secrets.

protagonizaram um caso emblemático: revelaram ao pai de uma jovem garota que ela estava grávida antes que ela mesma pudesse revelar o fato para a sua família361.

O exemplo da Target e da jovem gestante é provocante, pois revela o quanto a era da informação expandiu fronteiras. A evolução é possível em diversas outras áreas, e não apenas relativa ao marketing. Volta-se, pois, ao exemplo da medicina.

Numa época em que é possível trilhar dados para perseguir o comportamento do paciente, porque deveria a medicina contentar-se com a prescrição médica, sem preocupar-se com o que efetivamente será feito pelo paciente? Não poderiam os médicos, trilhando informações sobre o real comportamento dos pacientes, prescrever uma conduta ou executar projetos que melhor tivessem condições de alterar a realidade?

Na tentativa de repensar a medicina, o médico e pesquisador da New York University's Men's Health Initiative, Joseph Ravenell362, constata que, na prática, é possível que o barbeiro tenha maior autoridade do que o médico na hora de ditar ao paciente o que fazer para melhorar sua saúde. Tal situação ocorre quando o paciente, sentado na cadeira do barbeiro, diz frases do tipo “você não acredita o que meu médico me disse para fazer...”. Pesquisas apontaram a necessidade de estratégias de intervenção na própria comunidade; isto é, não basta a ciência descobrir que o sal eleva a pressão arterial para que posteriormente o médico revele este conhecimento ao paciente; mas sim, é preciso que estratégias sejam aplicadas voltadas à transformação da realidade. No caso do exemplo acima foram propostas ações direcionadas aos barbeiros da comunidade, a fim de que fossem orientados sobre noções básicas de saúde e, consequentemente, pudessem exercer boa influência sobre os pacientes. A busca pela efetividade na conduta médica passa não somente pelo conhecimento voltado às técnicas terapêuticas, mas também pela realidade do paciente, seu comportamento, suas crenças, preferências e circunstâncias. Para tanto é preciso informação.

A situação acima exemplifica de forma clara que a descoberta da solução de um problema não significa, necessariamente, que o problema se encontra solucionado.

Existe uma lacuna entre a descoberta da solução e a transformação da realidade, a qual constitui a implementação da solução; insignificante para muitos, entretanto,

361Hill, Kashimir.How Target Figured Out A Teen Girl Was Pregnant Before Her Father Did.

362Ravenell, Joseph, Could Barbershops Become The New Doctor's Office?

pode ser a etapa que impede a efetiva resolução do problema. Tal a necessidade de se dar atenção à implementação da solução – e ante a sua dificuldade – que já se fala, atualmente, em implementation science, na tradução livre, ciência da implementação.

Implementar soluções é uma verdadeira ciência, cuja essência é colocar as evidências em prática363. Esta nova ciência procura compreender as razões para a aplicação lenta ou incompleta de intervenções benéficas, bem como desenvolver processos e métodos que acelerem a adoção deste conhecimento de investigação sobre as melhores práticas na realidade364.

Os estudos relativos à ciência da implementação revelam que a abordagem mecanicista e linear da ciência possui aplicação limitada no que tange a sistemas sociais complexos365. Ou seja, apesar de enormes avanços quanto às soluções descobertas, faltam evidências que deem suporte à implementação destas soluções;

em suma, há uma insuficiência de informações, seja quanto ao cenário onde se implementará a solução, seja quanto às pessoas envolvidas.

No que tange à execução dos contratos públicos se aplica a mesma lógica. O Direito é essencialmente humano, e tem como finalidade permitir que as pessoas se relacionem em sociedade; assim, pode ser entendido como uma tecnologia de convivência social. Os institutos jurídicos, e toda a sua construção dogmática, são produtos da ciência jurídica, fruto do esforço – muitas vezes inovador – daqueles que se debruçaram sobre o tema. O reconhecimento do Direito Administrativo como ramo autônomo do Direito, as ideias relativas à supremacia do interesse público, as prerrogativas que distinguem o público do privado, bem como os poderes de conformação nas relações contratuais, são fruto de um amadurecimento muito grande de doutrinas, debates e dispositivos legais. São soluções jurídicas sofisticadas para problemas complexos da sociedade. Acontece que as soluções jurídicas também padecem do problema da implementação.

Implementar soluções jurídicas, ou seja, fazer com que transformem a realidade, é uma ciência à parte. Ciência esta que depende de evidências, da coleta de dados e informações quanto ao cenário em que ela se aplica e às pessoas envolvidas.

De nada adianta a descoberta da solução sem implementação; afinal, não basta ao

363Bratithwaite, Jeffrey; et al. When complexity science meets implementation Science, p. 3 ss.

364Weinert, Craig; et al. The science of implementation, p. 460.

365Bratithwaite, Jeffrey; et al. When complexity science meets implementation Science, p. 1 ss.

jurista que torne o Direito justo, mas sim, deve buscar tornar o mundo justo com base no cumprimento do Direito.

A partir do momento em que as sociedades se tornam complexas e a implementação das soluções se revelem cada vez mais difíceis, desponta uma maior responsabilidade no que diz respeito ao tema da informação. Ou seja, revela-se a responsabilidade de uma atuação baseada em evidência.