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Tomada de Decisão Baseada em Evidência

5.1 Efeito do Enquadramento

5.2.1 Tomada de Decisão Baseada em Evidência

tecnologia e inovação trouxe ferramentas formidáveis à sociedade, alcançando um número razoável de pessoas. Supercomputadores que cabem na palma da mão, amplo acesso à internet, redes sociais e colaborativas, dentre várias outras novidades. A capacidade das pessoas de produzir, consumir, armazenar e processar informações nunca foi tão alta.

Ante a evolução tecnológica, a capacidade dos computadores tem dobrado a cada dezoito meses nos últimos anos. O custo de transmissão de informações a longa distância é ínfimo, e praticamente negligenciável; a quantidade de informação que pode ser transmitida no mundo virtual aparenta ser infinita. O crescimento da Internet e da World Wide Web tem sido exponencial, e o seu tráfico de informações dobra a cada cem dias343.

A capacidade do ser humano de relacionar-se e viver em sociedade depende basicamente de comunicação, e naturalmente, as grandes mudanças que a humanidade experimenta derivam de descobertas tecnológicas relacionadas à comunicação344. O que diferencia o ser humano dos demais seres vivos é sua capacidade de cooperar com flexibilidade e em grandes grupos345. Cooperação significa diálogo, intercâmbio de ideias, consenso. Isto posto, quanto mais aprimorado forem os meios para a troca e aquisição de informações, mais cooperação é viabilizada, e consecutivamente mais desenvolvimento.

A princípio, é possível ter a impressão de se tratar de uma afirmação por demais óbvia, desacompanhada de qualquer novidade. Afinal, a medicina, assim como as demais ciências, encontra sustentação no conhecimento produzido e acumulado por anos de trabalhos acadêmicos e experimentos. Engana-se quem se satisfaz apenas com essa noção preliminar.

O clamor pelo exercício de uma atividade baseada em evidência significa levar as informações a sério. Não basta que o agente esteja desempenhando função em uma seara eminentemente científica. Não só. É preciso que as tomadas de decisão, individualmente consideradas, encontrem fundamento na melhor e mais recente evidência possível. E não é assim que todos agem? Ao menos na seara médica, pesquisas recentes apontam que não. Alguns estudos mostram que apenas cerca de 15% das condutas médicas são baseadas em evidências. Na maioria das vezes, os médicos confiam: (a) no conhecimento obsoleto adquirido na universidade, (b) nas tradições duradouras, mas que nunca foram comprovadas, (c) nos padrões adquiridos com a experiência, (d) nos métodos em que eles acreditam e que são mais hábeis em aplicar, (e) nas informações repassadas por fornecedores de produtos e serviços da área médica348.

Na linha dos ensinamentos de Jeffrey Pfeffer e Robert I. Sutton349, é possível identificar algumas razões pelas quais a tomada de decisão baseada na melhor e mais recente evidência possível se torna, por vezes, tarefa árdua: (a) há excesso de evidência: a quantidade de informação à disposição do profissional é muito superior à capacidade de consumi-la (para ilustrar, tenha-se a imensa quantidade de artigos científicos publicados todos os dias nas várias revistas acadêmicas existentes); (b) não há boa evidência o suficiente: paralelo ao excesso de informação, nem sempre se encontra informação suficiente e confiável sobre determinados temas; (c) a evidência existente nem sempre é aplicável: por vezes o que existe são meias-verdades, aplicáveis apenas a casos e circunstâncias específicas; (d) pessoas tentam enganar outras pessoas: agentes distintos podem ter incentivos diferentes, a exemplo, o consultor que recebe por consultoria prestada, e não pelo resultado alcançado; (e) auto-sabotagem: as escolhas de um indivíduo nem sempre são racionais, sendo que muitas vezes a boa evidência é ignorada para dar lugar à técnica mais fácil ou à que o profissional mais domina; (f) os efeitos colaterais sobressaem à cura: muitas vezes as

348Pfeffer, J., & Sutton, R. I. Evidence-based management, p. 1-2.

349Idem, p. 2-8.

evidências apontam para determinada conduta, mas as externalidades negativas são pouco consideradas; (g) o poder persuasivo das narrativas: as narrativas possuem alto poder de persuasão, sendo importante ferramenta se utilizadas corretamente, todavia, podem desvirtuar de forma imprópria o tomador de decisão, distanciando-o da informação que realmente importa.

Por conseguinte, percebe-se que o fato de existirem informações em abundância não significa que são utilizadas da forma mais eficiente possível, ou sequer que são utilizadas. Recorrer à boa evidência exige um certo grau de esforço, não sendo possível presumir que “todos já estão fazendo isso”350. O clamor por uma tomada de decisão baseada em evidência pretende lançar luz justamente no fato de que a melhor e mais recente evidência, apesar de estar à disposição, nem sempre é utilizada.

A proposta de repensar a medicina e reavaliar a conduta médica ganhou ainda mais força no ano de 2016, quando foi publicado no The BMJ o artigo intitulado Medical error - the third leading cause of death in the US. Segundo os autores o erro médico seria a terceira maior causa de mortes nos Estados Unidos da América, ficando atrás apenas das doenças cardíacas e do câncer351. Nos termos do artigo a iatrogenia – dano causado ao paciente pelo médico – tem como causa falhas de comunicação, erros de diagnóstico, julgamento deficiente e inabilidade na conduta médica.

O exemplo médico nos mostra que, por vezes, a atuação profissional encontra-se descolada da realidade. Existe uma distância entre o exercício de uma atividade e a transformação ocorrida na sociedade. Em muitas searas é possível presenciar tremendo avanço tecnológico, fundado em anos de estudos, investimentos e evolução;

contudo, tanto esforço investido por vezes não consegue atingir o seu objetivo, assim como o náufrago que nada uma longa distância, contudo, morre ao chegar na praia.

De outro lado, as tecnologias da informação hoje existentes conseguem ajudar na superação dos problemas relacionados à deficiência nas tomadas de decisão. Se de um lado a mente humana é irracional e limitada, de outro lado existem meios que permitem diminuir essa lacuna. Para tanto, faz-se necessário: (a) o reconhecimento dos limites do processo decisório, bem como a (b) criação de meios e técnicas, com o

350Sackett, D. L.; et al. Evidence based medicine: what it is and what it isn't, p. 72.

351Makary, Martin A.; Daniel, Michael. Medical error – the third leading cause of death in the US, p. 1-5.

uso da tecnologia da informação, que superem estes limites. O movimento que se denomina medicina baseada em evidência vai justamente neste sentido. E mais, não se trata de um raciocínio aplicado apenas às ciências médicas.

A medicina baseada em evidência permite extrair uma conclusão valiosa ao presente trabalho: a capacidade de produzir, transmitir, armazenar e processar informações atingiu um nível tão alto que está agora transformando a maneira como se encara o problema da saúde. Não se trata do avanço das técnicas médicas, as quais evoluem progressivamente há anos. Trata-se, em verdade, de uma nova abordagem das ciências médicas viabilizada pela evolução da tecnologia da informação.

O que há de novo é o fato de se conseguir aferir, em larga escala, quais condutas os médicos estão adotando na prática, quais medicamentos são receitados, quais tratamentos são indicados, quais decisões são tomadas, e quanto de informações sobre o paciente estavam disponíveis quando desta tomada de decisão. A força motriz da transformação operada pelo movimento é a quantidade de informação disponível, isto é, o prontuário eletrônico, os cadastros informatizados de pacientes, o controle digital de dispensação de medicamentos, e os sistemas dos hospitais ligados em rede.

Ainda, a evolução tecnológica nos permite hoje aferir a realidade de forma como nunca antes vista. É possível coletar dados não só da conduta profissional médica, mas também dos reais impactos que ela impinge na sociedade. Essa nova possibilidade, trazida pela tecnologia da informação, demanda um aumento de responsabilidade por parte do médico. Não basta um olhar focal sobre o paciente, mas sim, é necessário buscar todas as evidências possíveis. Isto é, sua atuação não se esgota na prescrição da conduta orientada pela técnica médica; ante a quantidade de informação disponível, cabe ao profissional entender a realidade que se impõe e prescrever a solução que melhor tem a capacidade de transformar esta realidade.

As críticas elencadas pelos defensores da medicina baseada em evidência, em grande parte, aplicam-se também às decisões tomadas no seio da Administração Pública. Ou seja, a partir do momento em que a tecnologia da informação permite uma maior aferição da realidade, cabe ao agente público fundamentar suas decisões na melhor evidência possível. Em resumo, é dizer que mais informação implica maiores responsabilidades.