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Tomada de Decisão Simples e Tomada de Decisão Complexa

de pessoas, as demandas de origem e destino, os modais utilizados por cada porcentagem da população e por área, dentre diversos outros fatores.

O exemplo do transporte é representativo por ter sido o estopim de protestos populares em alguns países, a exemplo das “manifestações dos 20 centavos”368 no Brasil em junho de 2013 e do aumento da tarifa do metrô que eclodiu protestos no Chile em outubro de 2019369. Trata-se de um serviço público muito presente na rotina do cidadão, bastante visível, e talvez por isso seja tão apelativo. A grande questão que se coloca é: qual reação poderia ter o poder público no sentido de melhorar o serviço de transporte caso não esteja monitorando de forma adequada as variáveis acima citadas? Conseguiria ele identificar se o problema deriva de inadimplência por parte do contratado, de fatores externos que intervêm no serviço, de mal planejamento ou de ineficiência do clausulado?

Posto desta forma, fica claro que a existência de poderes de conformação, tão só, não é suficiente para que a Administração Pública atinja os fins desejados. O cerne da questão passa a ser outro, qual seja: de que forma a Administração Pública adquire informações sobre a execução do contrato? O ponto nevrálgico, portanto, passa a ser a capacidade da Administração Pública de acompanhar a execução do serviço público que foi transferido a terceiro mediante o instrumento do contrato. É preciso perquirir quais os mecanismos de aquisição de informação são utilizados pelo contraente público.

É falaciosa a análise que desconsidera a capacidade de aquisição de informação e os efeitos deletérios do desequilíbrio informacional entre os agentes envolvidos. Urge, portanto, que a análise da distribuição informacional esteja no centro do debate. O que se defende no presente trabalho segue neste sentido: é necessário entender o problema sob o prisma da implementação, com o reconhecimento da importância da informação para a tomada de decisões. Poder não é só a possibilidade de impingir força legítima, mas também, tem poder aquele que detém mais informação.

complexidade do processo decisório. No caso dos contratos administrativos, depende da complexidade da relação contratual, conforme foi explorada no Capítulo 4.

Considerando que a aquisição de informação durante a execução dos contratos implica custos de oportunidade, vale distinguir que, a depender do grau de complexidade do contrato, estes custos podem ser de maior ou menor monta.

Contratos complexos implicam decisões complexas, com altos custos de oportunidade. Contratos mais simples, por sua vez, induzem a decisões mais simples, com custo de oportunidade relativamente baixo.

No caso de contratos simples, de baixa complexidade, a análise aprofundada dos mecanismos de aquisição de informação torna-se desnecessária, pois a observabilidade se dá mediante baixo custo. Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que não há distância física significativa entre o fiscal e o objeto do contrato, bem como quando as qualidades do objeto são facilmente verificáveis. Para ilustrar, tenha-se a compra de aparelhos celulares pela Administração Pública. Via de regra, aparelhos celulares são produzidos por marcas renomadas, com alguma confiança já estabelecida no mercado; tais marcas subdividem seus produtos em modelos, os quais seguem um padrão de características técnicas. Assim, na compra de duzentos celulares, é relativamente fácil que seja designado um fiscal do contrato com a missão de: (a) contabilizar os duzentos aparelhos celulares e (b) verificar se todos pertencem à marca e modelo pré-estabelecidos. No que tange à observabilidade, contratos simples implicam uma decisão simples; muitas vezes, até mesmo intuitiva.

Considerando o exemplo acima, basta a designação de um fiscal do contrato, responsável pela assinatura do termo de recebimento do produto, o qual irá tão somente verificar a quantidade do produto recebido, sua marca e modelo. Para tanto, independe qualquer qualificação técnica, por se tratar de uma tarefa simples.

Ainda, nos contratos simples, pode-se dizer que existe um alto grau de observabilidade, que tende a uma observabilidade absoluta. Se num contrato de compra e venda existe para o contraente privado a obrigação de entregar duzentos celulares de marca e modelo pré-definidos até um determinado período, a presença do fiscal do contrato no momento da entrega do produto garante que seja verificado por completo o adimplemento da prestação. Não se trata de uma verificação por amostragem, ou de parte das prestações do contrato; ao contrário, nos contratos simples permite-se a observabilidade de todas as prestações (a qual pode ser apenas uma) e em toda a sua inteireza.

Importante ressalvar que, a rigor, não existe uma observabilidade absoluta, e por isso mesmo é prudente limitar-se a dizer que nos contratos simples existe uma observabilidade que apenas tende a absoluta. Ainda que se trate de uma prestação contratual simples, qual seja, entrega de celulares de marca pré-definida, e ainda que a verificação da quantidade de aparelhos e suas respectivas marcas seja relativamente fácil, o grau de observabilidade apenas se aproxima do absoluto. Pode-se imaginar que, utilizando-se de engodo ou ardil, o contratado entregue aparelhos celulares contrafeitos, falsificados, em desrespeito à marca original e sem a qualidade originalmente pretendida. Ainda, pode-se cogitar que fato desta natureza apenas venha a ser apurado no futuro, com o uso constante do aparelho, e não na data da entrega. Por isso mesmo, em razão da possibilidade de fatos desta natureza, é que se pode pensar apenas em uma observabilidade que tende a ser plena, e não uma observabilidade definitivamente absoluta.

Por fim, ainda quanto aos contratos simples, considerando que os recursos alocados para a aquisição de informação relevante não são vultosos, os custos de oportunidade envolvidos são relativamente baixos. Continuando no exemplo da compra dos aparelhos celulares pela Administração Pública, o fiscal do contrato, possível integrante dos quadros do ente público, demandará pouco tempo para que receba e verifique o material comprado quando da sua entrega; portanto, pouco desviará da sua função original, não gerando maior assoberbamento de trabalho.

Em síntese, contratos simples demandam uma (a) tomada de decisão simples quanto aos mecanismos de informação, (b) admitem um alto grau de observabilidade do cumprimento da execução contratual, bem como (c) implicam custo de oportunidade relativamente baixo.

Bastante diferente são os contratos administrativos complexos. Tendem a ser complexos aqueles contratos cujo cenário envolve uma (1) estrutura de mercado intrincada, onde há (2) multilateralidade na relação contratual, cujo (3) objeto do contrato seja arrevesado, (4) contratos de longo prazo, (5) contratos incompletos, (6) contratos relacionais, bem como (7) contratos que envolvem quantificação de risco.

Nestes casos, a estrutura de incentivos presente para cada um dos agentes envolvidos, bem como os vieses de comportamento, tendem a ser mais complexos e mais difíceis de serem identificados. Ademais, existe probabilidade de grandes custos de informação envolvidos, o que faz com que os custos de oportunidade sejam igualmente elevados.

Quando se diz contratos complexos, é de se ter em mente, a exemplo, contrato de obra para construção de usina hidroelétrica, contrato de obra para construção de ponte marítima de grande extensão, contrato para exploração de reserva de petróleo, contrato para prestação de serviço de transporte ferroviário, contrato para prestação de serviço de iluminação pública, dentre vários outros.

Nestes casos, as prestações do contrato, à medida que são adimplidas, não são facilmente verificáveis. Não envolvem unidades facilmente quantificáveis, tais como aparelhos celulares, bem como suas características não são aferíveis de plano, tais como produtos de marca. A medição e aferição de qualidade pode envolver grande esforço e tempo, sem falar no impacto que pode provocar na performance da execução do contrato. No caso de obras de grande vulto, por exemplo, sua medição exige equipe técnica com expertise própria, serviço este que muitas vezes é terceirizado; ainda, a aferição de qualidade do produto utilizado pode envolver testes diversos com amostras, os quais não raro dependem de um laboratório próprio.

Neste sentido, pode-se dizer que a observabilidade da execução de um contrato complexo depende da criação de mecanismos de informação cuja estrutura e funcionamento não são tão óbvios. Nestes casos é preciso definir o agente que irá emitir ou produzir a informação, a quantidade e qualidade da informação, o meio pelo qual será transmitida, bem como o responsável pelo seu recebimento, processamento e armazenamento. No caso de um contrato de obra de ponte marítima, quem promoverá a fiscalização dos trabalhos desenvolvidos? Quais informações serão registradas? Em qual meio? Onde ficarão armazenadas? Quem fará a gestão dessa informação e a transformará em conhecimento útil capaz de orientar a Administração Pública em uma futura tomada de decisão?

Todas essas questões envolvem uma infinidade de possibilidades que impactam na capacidade da Administração Pública de observar o desenvolvimento do contrato. Além disso, as escolhas do contraente público quanto aos mecanismos de informação implicam custos. Afigura-se, portanto, uma relação necessária que se impõe entre custo da observabilidade e utilidade da informação adquirida. Dentre as inúmeras possibilidades à disposição da Administração Pública, cabe a eleição daquelas que apresentem melhor relação entre custo e benefício. Tratando-se de uma relação complexa, difícil de ser avaliada, e ante a ampla gama de opções, pode-se afirmar que a observabilidade de contratos complexos depende de tomadas de decisão complexas quanto à estipulação dos mecanismos de informação.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que nos contratos complexos o grau de observabilidade que se espera atingir é menor do que nos contratos simples.

Conforme afirmado anteriormente, nenhum contrato possibilitará uma observabilidade absoluta. Contudo, se nos contratos simples o grau de observabilidade tende a ser pleno, no caso dos contratos complexos a expectativa de observabilidade está bem distante disso. Em regra, o controle da execução de um contrato complexo se dará por amostras, ou seja, apenas sob parte do todo executado.

Além do alto custo envolvido na fiscalização da atividade, o risco de interferência na performance do contratado também pode ser grande. Desta feita, há de se reconhecer que contratos complexos, em regra, envolvem um controle por amostragem, sendo a expectativa de observabilidade em grau menor do que se espera nos contratos simples.

Por fim, há de se reconhecer que nos contratos complexos o custo de oportunidade relativo às escolhas realizadas quanto à instituição dos mecanismos de informação tende a ser mais elevado. Afinal, os custos de informação serão, em regra, elevados, e consequentemente assim também serão os custos de oportunidade. Numa relação contratual de grande vulto, alocar recursos em prol da aquisição de informação é um verdadeiro investimento. No cenário hipotético e ideal de informações plenas e facilmente acessíveis, esse investimento poderia ser direcionado a qualquer outro fim, e não aos mecanismos de informação.

Assim, ao contrário dos contratos simples, pode-se concluir que os contratos complexos envolvem uma (a) tomada de decisão complexa quanto aos mecanismos de informação, (b) geralmente permitem um grau de observabilidade apenas relativo, e (c) implicam altos custos de oportunidade.

6 Arquitetura dos Mecanismos de Aquisição de Informação

A evolução do trabalho até o momento demonstrou que não se pode presumir, nos contratos administrativos, que existe uma observabilidade plena por parte do contratante. O pressuposto de que existe pleno acesso às informações, sem que nenhum esforço seja dedicado a tanto, é um pressuposto falacioso. Ao contrário, o acesso às informações durante a execução do contrato é limitado, seja pelos custos da informação, pela arquitetura de incentivos disposta para os agentes envolvidos, bem como pelos vieses que condicionam o comportamento humano.

Ademais, vários são os fatores que aumentam o grau de complexidade dos contratos e, consequentemente, dificultam ainda mais o acesso à informação. A depender da (1) estrutura de mercado existente, da (2) multilateralidade da relação contratual, da (3) complexidade do objeto do contrato, do (4) longo prazo do contrato, da (5) incompletude do clausulado, da (6) existência de um contrato relacional, e da (7) necessidade de quantificação de risco envolvida, a dificuldade de aquisição de informação pode ser ainda maior. Tais fatores tendem a aumentar o custo de acesso à informação, bem como tornar ainda mais complicada a estrutura de incentivos e vieses existentes no cenário.

De outro lado, também foi dito que a aquisição de informações durante a execução dos contratos administrativos possui grande importância. No decorrer do desenvolvimento da relação contratual, o contratante carece de adquirir informações para: (a) garantir o adimplemento das prestações contratuais; (b) reduzir litígios; (c) adaptar o contrato ao contexto histórico; bem como (d) alocar recursos de forma eficiente. A ausência de informações impõe ao contratante uma condição de refém, dá azo a oportunismos por parte do contratado, bem como impede uma gestão adequada da execução do contrato.

Ante a situação de observabilidade limitada, bem como repisada a importância da gestão da execução dos contratos administrativos, cabe ao contratante recorrer a mecanismos de aquisição de informação. Em outras palavras, devem existir sistemas de comunicação que permitam que as informações desejadas sejam transmitidas ao contratante. A criação destes mecanismos, por sua vez, envolve um trade-off, uma troca, ao qual está sujeita a Administração Pública. Desta forma, é importante que o ente público dedique atenção aos mecanismos de informação a fim de implementar a sua eficiência, bem como ponderar os custos e benefícios da sua constituição e da sua estrutura.

No presente capítulo a aquisição de informações durante a execução dos contratos é reconhecida como um verdadeiro trade-off. Segundo ensinamentos de Marcílio Moreira de Castro, o termo trade-off, já incorporado ao vocabulário econômico brasileiro, significa “escolha entre opções antagônicas”370. Refuta-se a ideia de observabilidade plena e informação fácil, substituindo-a pela noção de que:

(a) é necessária a criação de mecanismos de aquisição de informação eficientes; e (b)

370Castro, Marcílio Moreira. Dicionário de Direito, Economia e Contabilidade, p. 905.

a criação destes mecanismos possui custo, o qual deve ser ponderado com os benefícios esperados.

Em síntese, a observabilidade da execução dos contratos demanda uma meta-decisão por parte da Administração Pública, a qual precisa definir como irá promover a aquisição de informações, bem como até onde deve arcar com os custos desta aquisição. É possível falar, portanto, que cabe à Administração Pública a responsabilidade de gestão dos mecanismos de aquisição de informação. Ambas as questões, tanto sobre a (a) decisão de como promover a aquisição de informações, bem como sobre a (b) medida ótima da aquisição de informações, serão tratadas no presente capítulo.