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2.3 Remediação da Posição de Refém

2.3.2 Poderes de Conformação

remediar96 violações ao interesse público que se buscou satisfazer quando o contrato foi elaborado. Em nome da tutela do interesse público, a pilotagem do contrato é entregue à Administração Pública, a qual passa a possuir poderes de duas ordens: (1) poderes conformativos e de atualização, que evitam a defasagem do clausulado, e (2) poderes efetivos de reação, como resposta ao risco de incumprimento97.

Não se pode negar que nos contratos administrativos – como é natural em todo contrato – deve existir uma ideia de paridade, onde as partes, com interesses recíprocos, relacionam-se em condição de equilíbrio98. A existência de proporção é elementar para que qualquer transação seja frutífera. Do contrário, havendo um quadro de vulnerabilidade, o contrato seria desinteressante, e potenciais contraentes seriam de antemão dissuadidos de negociar com a Administração Pública.

De outro lado, em prol da tutela do interesse público, coexiste com a ideia de paridade uma lógica de cumprimento99. Em outras palavras, se os contratos administrativos buscam a satisfação de uma necessidade pública, é igualmente de interesse público que estes contratos sejam devidamente cumpridos. Por essa razão, há um esforço recrudescido por parte do ordenamento jurídico no sentido de suprimir os riscos de incumprimento; são garantidos poderes especiais à Administração Pública para que o contrato seja efetivamente executado.

Os poderes de conformação da Administração Pública podem ser encontrados – em maior ou menor medida – em vários países, tais como Portugal, Brasil, Inglaterra, Alemanha, Itália, França e Espanha100. Apesar de diferenças quanto ao seu fundamento jurídico, limites e requisitos, verifica-se uma uníssona preocupação com a continuidade dos serviços públicos, a qual justifica a previsão de poderes especiais.

O parceiro privado, por sua vez, ao aceitar colaborar com a realização do interesse público, coloca-se “num plano funcional, numa situação estatutária”101, legitimada pela essencialidade do objeto do contrato.

Em Portugal fala-se em regime substantivo da execução dos contratos administrativos, o que significa que as “características da relação contratual administrativa implicam um regime substantivo de execução dos contratos, em que se

96Caetano, Marcelo. Manual de Direito Administrativo, Tomo II, p. 1202.

97Gonçalves, Pedro Costa. Direito dos Contratos Públicos, p. 506.

98Idem, p. 507.

99Pereira, Pedro Matias. Gestão do Contrato Administrativo: a aplicação de Sanções, p. 73.

100Martins, Licínio Lopes. Empreitada de Obras Públicas, p. 407-531.

101Gonçalves, Pedro Costa. Direito dos Contratos Públicos, p. 507.

procure assegurar, em termos adequados, o cumprimento da imposição constitucional da prossecução do interesse público”102. O Código dos Contratos Públicos103 prevê para a Administração Pública alguns poderes legais, os quais se distanciam do regime paritário próprio dos contratos de direito privado. São eles, a exemplo: (a) poderes de direção do modo de execução do contratante (artigo 304.º); (b) poderes de fiscalização técnica, financeira e jurídica (artigo 305.º); (c) poderes de modificação unilateral das cláusulas relativas ao conteúdo ou ao modo de execução das prestações (artigo 311.º, n.º 2, e 313.º); (d) poder de aplicação de sanções (artigo 329.º); (e) poder de resolução unilateral do contrato nos casos de (i) razões de interesse público (artigo 334.º), (ii) resolução sancionatória (artigo 333.º), e (iii) resolução por alteração anormal ou imprevisível das circunstâncias (artigo 335.º, n.ºs 1 e 2).

Já no Brasil fala-se em cláusulas exorbitantes, isto é, são cláusulas contratuais que seriam consideradas ilícitas em contrato celebrado entre particulares, pois coloca a Administração em posição de supremacia sobre o contrato104. A legislação brasileira permite que a Administração Pública faça uso dessas cláusulas exorbitantes, estando a maioria delas prevista na Lei de Licitações (Lei 8.666/93)105. A exemplo, é possível citar (a) a exigência de garantia (art. 56, § 1º); (b) alteração unilateral (art. 58, I, e art.

65, I), qualitativa ou quantitativa; (c) rescisão unilateral (art. 58, II, e arts. 79, I, 78, I, XII, XVII); (d) o poder de fiscalização (art. 58, III, e art. 67); (e) a aplicação de penalidade (art. 58, IV, e art. 87); (f) retomada do objeto (art. 80); (g) restrições ao uso da exceptio non adimpleti contractus.

Ainda, para ilustrar, pensemos no sistema administrativo dos Estados Unidos da América que tem a modificação dos contratos públicos como um traço estruturante do seu regime normativo106. A denominada changes clause, regulamentada na Parte 43 da Federal Acquisition Regulation107 e presente na maioria dos contratos governamentais108, constitui genuíno poder de modificação unilateral do contrato, que

102Andrade, Jose Carlos Vieira. Licoes de Direito Administrativo, p. 248.

103Portugal. Decreto-Lei n.º 18, de 29 de janeiro de 2008. Código dos Contratos Públicos.

104Zanella, Maria Sylvia. Direito Administrativo, p. 354.

105Brasil. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública.

106Martins, Licínio Lopes. Empreitada de Obras Públicas, p. 408.

107Estados Unidos da América. Federal Acquisition Regulation, Part 43.

108Cibnic, John; et al. Administration of Government Contracts, p. 383.

envolve a possibilidade de a Administração Pública ordenar ou introduzir alterações mesmo no curso da performance contratual109.

É importante ressaltar que, para que a lógica de cumprimento coexista em harmonia com a ideia de paridade, há uma exigência elementar que deve ser observada, a qual impõe-se como limite aos poderes unilaterais de conformação:

trata-se do respeito pela natureza global do acordo-quadro110, o que reflete a impossibilidade de modificação das regras cardinais do contrato111. Qualquer modificação que desconfigure substancialmente o clausulado, alterando-o a ponto de equivaler a um novo contrato, é desproposital à lógica administrativa de garantir competição no certame.

A União Europeia, no Artigo 72.º de sua Diretiva 2014/24/UE, que versa sobre a modificação de contratos públicos durante o seu período de vigência, exemplifica muito bem quais modificações podem ser consideradas substanciais e, portanto, devem ser coibidas. Na linha do que entende a Diretiva da União Europeia112, tornam materialmente diferente o acordo-quadro celebrado aquelas modificações que: (a) se fizessem parte do procedimento de contratação inicial, teriam permitido a admissão de outros candidatos; (b) alteram o equilíbrio econômico do acordo quadro a favor do adjudicatário de uma forma que não estava prevista inicialmente; (c) alargam consideravelmente o âmbito do contrato; (d) substituem o adjudicatário inicial por um novo, fora das hipóteses legais.

Ante todo o exposto, percebe-se que os poderes de conformação da Administração Pública são um mecanismo que busca driblar o incumprimento e eventual oportunismo do parceiro privado por meio da previsão de poderes especiais que permitam reação unilateral por parte do contraente público. Em suma, os poderes de conformação afiguram-se como a forma de remediar os reveses impostos pelo fenômeno da administração por contratos.

Resta elucidar, agora, se esta afirmação é válida para os problemas informacionais. A escassez informacional por parte do contraente público, oriunda do fenômeno da contratação, também é remediada pela existência dos poderes de conformação? É possível que os problemas informacionais sejam tratados no mesmo

109Martins, Licínio Lopes. Empreitada de Obras Públicas, p. 410.

110Gonçalves, Pedro Costa. Direito dos Contratos Públicos, p. 570.

111Cibnic, John; et al. Administration of Government Contracts, p. 385.

112União Europeia. Diretiva 2014/24/UE, Artigo 72.º.

bojo dos demais problemas oriundos da contratação, e que seja dada a eles a mesma solução, qual seja, poderes especiais de conformação? Os poderes de conformação são suficientes para superar os problemas informacionais oriundos da relação contratual? São essas as perguntas que se pretende responder nos próximos capítulos.

3 Utilidade da Informação

A proposta do presente trabalho é elucidar se os poderes de conformação são suficientes para superar o problema informacional durante a execução dos contratos administrativos. É saber se à Administração Pública, no afã de adquirir mais informação no desenvolvimento do contrato, basta impor os poderes legais que lhe foram conferidos em prol da tutela do interesse público. Ocorre que, ante a natureza singular da informação, são necessários alguns esclarecimentos quanto à sua utilidade.

No decorrer das últimas décadas foi possível perceber um interesse cada vez maior quanto ao tema da informação, o qual influenciou vários ramos da ciência. Isso porque foi reconhecida a sua utilidade e, consequentemente, os impactos da sua escassez. Nesse ínterim, é natural que se faça o seguinte questionamento: para que serve a aquisição de informação? Responder a esta pergunta é perquirir não só os benefícios advindos com a sua aquisição, mas também os efeitos deletérios da sua ausência. No cenário onde se tem pouca informação, quais efeitos podem ser verificados?

Tais questionamentos são interessantes, em especial tratando-se de informação, pois levam à reflexão quanto à possibilidade de o problema poder afetar a própria solução que é proposta a ele. No caso em que ao problema da falta de informação é proposta a solução dos poderes de conformação, questiona-se: não poderia aquela impedir o bom uso destes? A falta de informação obsta o bom uso dos poderes de conformação? Para responder a estas perguntas é que se faz necessário elucidar a utilidade da informação e, logo em seguida, esclarecer qual seria essa utilidade especificamente no desenvolvimento dos contratos administrativos.

Nas próximas linhas será abordada a utilidade da informação, a fim de que se esclareça o grau de sua importância. Em seguida, uma breve análise sobre a assimetria informacional, os seus efeitos no mercado e nas relações de agência, com o intuito de

ilustrar a relevância do tema. Por fim, vale fazer uma abordagem da utilidade da informação especificamente no campo da execução dos contratos administrativos.