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5.1 Efeito do Enquadramento

5.2.3 O Problema da Implementação

jurista que torne o Direito justo, mas sim, deve buscar tornar o mundo justo com base no cumprimento do Direito.

A partir do momento em que as sociedades se tornam complexas e a implementação das soluções se revelem cada vez mais difíceis, desponta uma maior responsabilidade no que diz respeito ao tema da informação. Ou seja, revela-se a responsabilidade de uma atuação baseada em evidência.

Ocorre que, na linha do que se discorreu até aqui, tal análise sofre de um mal grave. Falta ponderar a importância da informação. Falta valorizar o espaço vazio que existe entre o problema e a solução, qual seja, a implementação da solução. Assim como se verifica em outras áreas, é importante garantir que as tomadas de decisão na seara pública sejam baseadas nas melhores e mais recentes evidências possíveis. Por conseguinte, defende-se no presente trabalho que os reveses das contratações públicas não são eliminados tão somente pela concessão à Administração Pública de poderes de conformação, por se tratar de um enquadramento superficial e incompleto do problema. Há, aqui, uma pressuposição falaciosa, no sentido de que haveria para o gestor público informações suficientes que pudessem embasar sua tomada decisão.

Em outras palavras, desconsidera-se todas as dificuldades relacionadas à implementação.

De nada adianta conferir força ao agente público se este não sabe em qual direção deve impingir esta força. Metaforicamente, a Administração Pública se assemelha a um gigante que, de olhos vendados, não sabe o sentido para onde deve caminhar. O problema se afigura ainda mais grave quando se traz à mente o fato de que nas contratações públicas o agente público não contrata para satisfazer interesses próprios, mas sim, visa interesses da sociedade. Acontece que a revelação das políticas que devem ser adotadas depende de informações sobre os usuários, o que eles fazem e quem eles são367. Contratações públicas possuem o condão de assumir elevado grau de complexidade, o que faz com que o problema de acesso à informação se afigure uma questão central.

Quem possui poderes especiais precisa saber exatamente o que fazer com estes poderes. A abordagem do tema da execução dos contratos públicos, quando se restringe aos poderes de conformação, subtrai uma questão preliminar essencial. À medida em que o contrato público é executado, a Administração Pública carece de adquirir informações sobre o desenvolvimento desta execução. Afinal, se não é ela a executora direta da atividade, se não possui o domínio do fato, necessita de meios para acessar informações referentes ao que está ocorrendo. Pressupor clarividência é por demais ingênuo.

Antes dos poderes de conformação, como pressuposto lógico, é preciso ponderar se os meios que a Administração Pública utiliza para aquisição de

367Mirrlees, James A. Notes on Welfare Economics, Information, and Uncertainty, p. 24.

informação são realmente adequados. Em outras palavras, é preciso que a Administração Pública detenha informações suficientes sobre a execução do contrato para que possa posicionar-se de maneira coerente. Afinal, a existência de poderes de conformação possibilita um cardápio de opções à Administração Pública, tais como alteração do clausulado, rescisão do contrato, ou retomada do protagonismo da atividade. A tomada de decisão sobre a utilização ou não dos poderes de conformação, e em caso positivo, de que forma os utilizar, depende de a Administração Pública deter informações suficientes sobre o atual panorama, bem como a melhor forma de o corrigir.

Caso os meios de aquisição de informação à disposição da Administração Pública não sejam adequados, sua reação a uma eventual falha na execução do contrato resta gravemente comprometida. Ainda que a execução de um contrato público faça com que a sociedade externe uma notória insatisfação, a qual clama por um retorno da Administração Pública, a ausência de informações adequadas entorpece qualquer capacidade de resposta.

É o caso, por exemplo, de um contrato de concessão de serviço de transporte público rodoviário urbano. Ainda que a sociedade clame por melhorias no serviço prestado, e ainda que a Administração Pública tenha poderes para, unilateralmente, rescindir ou modificar o clausulado, ou até mesmo retomar o serviço, é possível que a solução para o problema não se afigure viável. A ausência de informações adequadas quanto à execução do contrato impede a Administração Pública de verificar o seu fiel adimplemento. Dessa forma, não será possível identificar se a má prestação do serviço decorre de negligência do contratado, de fatores externos que incidem na execução do contrato, ou da má elaboração do quanto disposto no clausulado.

Continuando no exemplo do transporte público rodoviário urbano, a aferição de adimplemento do contrato carece de algumas informações essenciais, tais como quantidade de veículos em operação, quilometragem percorrida, quantidade de passageiros transportados, condição dos veículos, dentre outras. Para estimar o valor da tarifa de transporte, por sua vez, a Administração Pública deve enveredar-se em área ainda mais técnica, perquirindo custo de pneu por quilômetro rodado, custo de mão-de-obra, custo de óleo diesel, vida útil da frota, e planejamento de manutenção.

Por fim, para conseguir desenhar o traçado das linhas de forma adequada, é preciso que o gestor público conheça a sua cidade, os aglomerados populacionais, os fluxos

de pessoas, as demandas de origem e destino, os modais utilizados por cada porcentagem da população e por área, dentre diversos outros fatores.

O exemplo do transporte é representativo por ter sido o estopim de protestos populares em alguns países, a exemplo das “manifestações dos 20 centavos”368 no Brasil em junho de 2013 e do aumento da tarifa do metrô que eclodiu protestos no Chile em outubro de 2019369. Trata-se de um serviço público muito presente na rotina do cidadão, bastante visível, e talvez por isso seja tão apelativo. A grande questão que se coloca é: qual reação poderia ter o poder público no sentido de melhorar o serviço de transporte caso não esteja monitorando de forma adequada as variáveis acima citadas? Conseguiria ele identificar se o problema deriva de inadimplência por parte do contratado, de fatores externos que intervêm no serviço, de mal planejamento ou de ineficiência do clausulado?

Posto desta forma, fica claro que a existência de poderes de conformação, tão só, não é suficiente para que a Administração Pública atinja os fins desejados. O cerne da questão passa a ser outro, qual seja: de que forma a Administração Pública adquire informações sobre a execução do contrato? O ponto nevrálgico, portanto, passa a ser a capacidade da Administração Pública de acompanhar a execução do serviço público que foi transferido a terceiro mediante o instrumento do contrato. É preciso perquirir quais os mecanismos de aquisição de informação são utilizados pelo contraente público.

É falaciosa a análise que desconsidera a capacidade de aquisição de informação e os efeitos deletérios do desequilíbrio informacional entre os agentes envolvidos. Urge, portanto, que a análise da distribuição informacional esteja no centro do debate. O que se defende no presente trabalho segue neste sentido: é necessário entender o problema sob o prisma da implementação, com o reconhecimento da importância da informação para a tomada de decisões. Poder não é só a possibilidade de impingir força legítima, mas também, tem poder aquele que detém mais informação.