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Transferência do Domínio da Informação

2.2 Os Reveses da Fuga

2.2.2 Transferência do Domínio da Informação

Além dos riscos descritos no item acima, o fenômeno da contratualização também implica um outro risco, qual seja, a transferência do domínio da informação.

49Brehm, John; Gates, Scott. Working, Shirking, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 26-27.

50Cooter, Robert; Ulen, Thomas. Direito e Economia, p. 223.

Ante a sua importância para o presente trabalho, este risco será analisado em separado, em item próprio.

Por meio do contrato, a Administração Pública deixa de executar diretamente os serviços de seu interesse, bem como abre mão de produzir ela mesma os bens que irão satisfazer as suas necessidades. Sendo assim, na posição de contratante, cede o domínio dessas atividades, que passam a ser essencialmente do agente contratado. A contratualização implica um novo arranjo de responsabilidades, onde a Administração Pública deixa de ter o domínio da direta execução de serviços e produção de bens.

Aparta-se do papel da Administração Pública a obrigação, por exemplo, de apropriação de técnicas de produção, de manutenção de estoque de insumos e produtos acabados, bem como de seleção e capacitação de profissionais técnicos especializados.

Tratando-se de uma privatização por delegação, conforme classificado acima, a Administração Pública continua sendo a titular das suas funções. Ainda que a execução de determinada finalidade seja contratada e sua efetivação transferida a terceiros, continua responsável pela concreta consumação do interesse público.

Contudo, o papel da Administração Pública passa a ser essencialmente outro: pagar o preço do contrato e garantir o adimplemento das prestações pactuadas. Em sendo contratante, coloca-se na posição de, tão somente, acompanhar a execução dos contratos firmados para que atinjam os fins desejados.

Acontece que a assunção destes novos papeis afeta a distribuição da informação entre os envolvidos. Em uma relação contratual, é possível que alguns agentes possuam mais informações do que outros. Para ilustrar, tenha-se o vendedor que possui mais informações do que o comprador sobre o real valor do produto que está sendo vendido. Ainda, pode-se imaginar que o trabalhador tenha mais informações sobre a sua expertise e motivação do que aquele que o emprega51. Não raro alguns agentes possuem com exclusividade informações sobre suas características e suas ações, conhecimento este que não é compartilhado com outros agentes menos informados52.

Retomando o cenário da Administração Pública, pergunta-se: quando a execução das tarefas de interesse público é incumbida a agentes privados por meio do

51 Camerer, Colin; Loewenstein, George. Weber, Martin. The Curse of Knowledge in Economic Settings: An Experimental Analysis, p. 1233.

52Idem, p. 1244.

contrato (privatização), como é possível garantir que a performance do agente contratado será desenvolvida de forma adequada? Além disso, como garantir que o agente contratado para a execução de uma atividade de interesse público respeite os valores inerentes à seara pública (alguns dos quais, diga-se de passagem, não se fazem presente nos negócios privados)?53

Caso a execução das atividades de interesse público pelo agente contratado não esteja sendo realizada a contento, é preciso que a Administração Pública, contratante e titular do serviço, reaja e adote providências. Todavia, somente terá condições de assim proceder se antes possuir informações relativas à performance do contratado.

Em outras palavras, mesmo que tenha entregado a execução do serviço – por meio do contrato – a um agente privado, cabe à Administração Pública conhecer dessa execução, sob pena de inviabilizar futuras tomadas de decisão, como exemplo, a rescisão, modificação ou prorrogação do contrato, ou mesmo a aplicação de uma sanção contratual.

A situação apresentada, na qual um dos agentes envolvidos em determinada troca possui informações que outros agentes não possuem, é também denominada assimetria informacional54. O conceito ganhou forte atenção dos economistas a partir da década de 197055, com a divulgação de trabalhos que iluminaram a importância da informação nas trocas, dentre outros, Market for "lemons" (1970), de George Arthur Akerlof56; Job market signaling (1973), de Andrew Michael Spence57; Equilibrium in competitive insurance markets: An essay in the economics of imperfect information (1976), de Michael Rothschild e Joseph Eugene Stiglitz58; e Moral Hazard and observability (1979), de Bengt Holmström59.

Em apertada síntese, pode-se entender o problema da assimetria informacional no contexto de uma relação contratual por meio da seguinte pergunta: o que um agente sabe que os outros não sabem? No tocante à técnica utilizada, ao tempo e

53Auby, Jean-Bernard. Contracting out and ‘public values’: a theoretical and comparative approach, in Comparative Administrative Law, p. 511.

54Do, Quy-Toan . Asymmetric Information, p. 1.

55Brian G. M. Main, Akerlof, George Arthur. Palgrave Dictionary of Economics, Vol. I, p.

109-110.

56 Akerlof, George. The market for lemons: Quality uncertainty and the market mechanism., p.

488-500.

57Spence, A.Michael. Job market signaling., p. 355-74.

58 Rothschild, M.; Stiglitz, Joseph. Equilibrium in competitive insurance markets: An essay in the economics of imperfect information, p. 629-49.

59Holmström, B. Moral Hazard and observability, p. 74-91.

esforço dispendidos por cada um dos agentes, às circunstâncias que permeavam a situação ao tempo da performance executada, aos fatos imprevistos e imprevisíveis, qual o grau de conhecimento relativo a cada um dos envolvidos?

Corroborando a importância da informação nas relações contratuais, Fernando Araújo defende que a principal fonte de ineficiência nas transações é a assimétrica distribuição de informações entre as partes envolvidas nas trocas60. Ou seja, entre todos os reveses do contrato descritos no item anterior, o de maior gravidade seria a assimetria informacional. No mesmo sentido, Licínio Lopes Martins argumenta que, ao menos em determinados tipos de contratos, sua boa execução depende de uma contínua e recíproca estabilidade informada, “exigindo esta a posse e a partilha de saberes e conhecimentos científicos”61.

A relevância do tema advém do fato de que o mercado e outros sistemas envolvendo decisões humanas requerem uma certa quantidade de informação para o seu bom funcionamento, bem como requerem que esta informação esteja distribuída de forma simétrica entre os agentes envolvidos62. Quando a informação é escassa ou distribuída de forma assimétrica, espera-se que este sistema apresente falhas.

Utilizando metáfora proposta por Tim Wu63, a informação está para um sistema (que envolve decisões humanas) assim como um óleo lubrificante está para as engrenagens de um motor.

A ausência de informação pode tornar obscura a real participação dos envolvidos durante a execução do objeto do contrato, implicando prejuízos a ambas as partes. Afinal, é possível que agentes desidiosos levem crédito por situações em que cooperaram pouco, bem como podem desacreditar aqueles que, mesmo tendo se esforçado e despendido tempo considerável, por circunstâncias alheias à sua vontade não atingiram a meta desejada64.