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2.2 Os Reveses da Fuga

2.2.3 Problema de Agência

esforço dispendidos por cada um dos agentes, às circunstâncias que permeavam a situação ao tempo da performance executada, aos fatos imprevistos e imprevisíveis, qual o grau de conhecimento relativo a cada um dos envolvidos?

Corroborando a importância da informação nas relações contratuais, Fernando Araújo defende que a principal fonte de ineficiência nas transações é a assimétrica distribuição de informações entre as partes envolvidas nas trocas60. Ou seja, entre todos os reveses do contrato descritos no item anterior, o de maior gravidade seria a assimetria informacional. No mesmo sentido, Licínio Lopes Martins argumenta que, ao menos em determinados tipos de contratos, sua boa execução depende de uma contínua e recíproca estabilidade informada, “exigindo esta a posse e a partilha de saberes e conhecimentos científicos”61.

A relevância do tema advém do fato de que o mercado e outros sistemas envolvendo decisões humanas requerem uma certa quantidade de informação para o seu bom funcionamento, bem como requerem que esta informação esteja distribuída de forma simétrica entre os agentes envolvidos62. Quando a informação é escassa ou distribuída de forma assimétrica, espera-se que este sistema apresente falhas.

Utilizando metáfora proposta por Tim Wu63, a informação está para um sistema (que envolve decisões humanas) assim como um óleo lubrificante está para as engrenagens de um motor.

A ausência de informação pode tornar obscura a real participação dos envolvidos durante a execução do objeto do contrato, implicando prejuízos a ambas as partes. Afinal, é possível que agentes desidiosos levem crédito por situações em que cooperaram pouco, bem como podem desacreditar aqueles que, mesmo tendo se esforçado e despendido tempo considerável, por circunstâncias alheias à sua vontade não atingiram a meta desejada64.

contratante (ex.: Administração Pública) em situação de desvantagem, pois aquele que controla o negócio (ex.: contraente privado) possui mais informações sobre a atividade desenvolvida65.

A fim de amenizar este desequilíbrio, cabe ao contratante fiscalizar a atividade executada no seio da relação contratual. Contudo, esse desequilíbrio nem sempre será absolutamente compensado, por mais que se planeje e execute algum controle.

Existem relações contratuais em que é sabido por ambas as partes que uma delas é mais bem informada do que a outra66, e que dificilmente essa desigualdade será superada.

Para ilustrar, tenha-se um contrato em que o seu objeto é a execução de determinada atividade cujos resultados são incertos, pois também dependem de fatores imprevisíveis alheios à ação do agente (ou seja, ainda que executado com esmero, a consequência pode ser indesejada). Na hipótese de o resultado não ser exitoso, o contratado estará em melhor posição para saber se a falha decorreu de circunstâncias alheias à vontade daquele que executou a atividade, ou se derivada de desídia, oportunismo ou sabotagem.

Pelo exemplo acima, percebe-se que o impasse é reflexo da dificuldade do contratante em observar e medir o grau de esforço despendido pelo contratado. Em um cenário ideal, onde o contratante tivesse informações plenas quanto ao grau de esforço a ser executado, pagaria por determinada medida deste esforço e, em sendo um pagamento justo, o contratado desempenharia a ação dentro da medida pactuada67, independente de eventuais intercorrências. Todavia, quando o contratante não tem informações suficientes sobre o esforço expendido pelo contratado, tem-se aí um problema capaz de desequilibrar a relação contratual. Em se tratando de serviços, ante a ausência de informação por parte do contratante, nem sempre é possível comprar esforço da mesma forma como se compra um produto pronto e acabado. A solução, neste caso, é que o contrato tenha como objeto o resultado, ainda que ele dependa de outros fatores externos além da diligência do contratado.

Importante ressaltar que as transações envolvendo produtos também revelam problemas informacionais. Afinal, a qualidade do produto, sua técnica de fabricação,

65Martins, Licínio Lopes. Empreitada de Obras Públicas, p. 555.

66 Bikhchandansi, Sushil; Hirshleifer, Jack. John G. Riley, The Analytics of Uncertainty and Information, p. 308.

67Posner, Eric A. Agency Models in Law and Economics, p. 4.

os insumos utilizados, nem sempre são facilmente observáveis pelo consumidor. Em outro exemplo, o joalheiro que vende uma pedra preciosa tem, em geral, mais condições de identificar a real qualidade do material vendido do que o comprador ordinário que não possui expertise no assunto68. Nem sempre será possível àquele que compra o produto aferir instantaneamente a real qualidade do material que está sendo comprado. No caso da Administração Pública, é de se imaginar a compra de uma ogiva nuclear para uso em míssil balístico intercontinental, em situação na qual o poder de destruição do armamento somente poderá ser medido quando da sua utilização. Na eventualidade de o equipamento jamais ser utilizado, fica a dúvida se a especificidade do produto comprado foi exatamente aquela entregue pelo comprador.

A esta altura, vale lembrar que nem todos os contratos possuem as mesmas características, sendo que uns podem ser mais simples do que outros e, consequentemente, fazendo com que o problema informacional se manifeste de forma mais intensa naquelas relações contratuais mais complexas69. De um lado, é possível que o contratante tenha informações (quase) plenas sobre a execução do contrato, isto é, que seja capaz de observar toda a ação do contratado. Para ilustrar, pode-se imaginar um contrato cujo objeto é a entrega de um produto homogêneo em quantidade certa, a exemplo, entrega de dez canetas de uma determinada marca. De outro lado, existem situações em que a ação do contratado não é observável em toda a sua extensão, sendo que falta a este último informações exatas sobre a execução do objeto do contrato. Essa assimetria informacional, a depender de sua medida, pode gerar problemas na relação contratual, seja no sentido de criar incentivos para que o contratado se comporte de maneira indesejada, seja conduzindo o contratante a escolhas distantes do ótimo ou mesmo do desejável.

Os problemas advindos da assimetria informacional, relacionados ao dever de prestação de contas pelo contratado, à capacidade do contratante de observar o cumprimento das prestações, e à indução de comportamentos desejados, fizeram com que estudiosos se debruçassem sobre a matéria70. Iniciou-se um esforço no sentido de desenvolver uma teoria que pudesse dar contornos mais claros ao problema, às suas causas e às suas consequências. Desses estudos derivou o que é conhecido

68Bikhchandansi, Sushil; Hirshleifer, Jack. John G. Riley, The Analytics of Uncertainty and Information, p. 308.

69Eisenhardt , Kathleen M. Agency Theory: An Assessment and Review, p. 61.

70Miller, Gary J.; Whitford, Andrew B. Trust and Incentives in Principal-Agent Negotiations The ‘Insurance/Incentive Trade-Off’, p. 232.

atualmente, em especial no seio da análise econômica, como teoria do agente-principal, ou problema de agência.

Existe uma relação de agência entre duas ou mais partes sempre que uma delas, designada de agente, atua em prol ou em representação de outra, designada de principal, sendo que nesta atuação existe para o agente – de forma exclusiva – certo domínio sobre a tomada de decisões71.

Sob a lente da teoria do agente-principal, os contratos são analisados em dois momentos distintos. A um, quanto à escolha do principal (contratante) em pôr um bem valioso sob o controle do agente (contratado). A dois, quanto à escolha do agente entre cooperar com o principal ou se apropriar do bem que lhe foi confiado72. A teoria desenvolvida se afigura de grande importância a partir do momento em que, esclarecida a maneira como os envolvidos procedem à tomada de decisões, o principal seja capaz de induzir no agente o comportamento desejado.

É o caso, por exemplo, dos acionistas (principal) de uma grande empresa que precisam entregar a um gerente (agente) o poder de direção da empresa, sem que possam, ao mesmo tempo, monitorar diretamente a sua atividade73. É o que ocorre em algumas grandes corporações, em que o Conselho de Administração, composto por representantes dos acionistas da empresa, concede a uma única pessoa, o CEO (chief executive officer)74, poderes de conduzir toda a sociedade. Em que pese o fato de este CEO ter para com o Conselho de Administração deveres de prestação de contas, sua atividade não é diretamente controlada pelos proprietários da empresa. A teoria do agente-principal auxilia esclarecer qual a melhor forma de o Conselho de Administração induzir que o CEO adote um comportamento adequado, ainda que suas ações não sejam absolutamente observáveis.

A teoria do agente-principal propõe ainda uma abordagem do problema sob a lente neoinstitucionalista, no sentido de que as “instituições” não correspondem necessariamente a uma estrutura formal, mas sim a um conjunto de normas, regulamentos e rotinas. Desta forma, seria necessária a construção de mecanismos de

71Ross, Stephen A. The Economic Theory of Agency: The Principal's Problem, p. 134.

72Cooter, Robert; e Ulen, Thomas. Direito e Economia, p. 419.

73Miller, Gary J.; Whitford, Andrew B. Trust and Incentives in Principal-Agent Negotiations The ‘Insurance/Incentive Trade-Off’, p. 232.

74Termo difundido nos Estados Unidos da América e utilizado em outros países, inclusive Portugal. Informações extraídas do sítio eletrônico Wikipédia, em 12/06/2019, no link https://pt.wikipedia.org/wiki/Diretor_executivo.

vigilância, controle, e sanção, a fim de induzir um padrão comportamental75. Daí destaca-se a importância do planejamento, implantação e acompanhamento de técnicas tais como benchmarking, balance scorecard e accountability76. Mas não é só.

Quando coloca em foco os problemas envolvendo a relação entre ambos os contratantes, a teoria do agente-principal permite trabalhar com a ideia de custos de agência. Os custos de agência77 podem ser compreendidos como a soma dos (a) custos relativos ao monitoramento do agente pelo principal, (b) custos de o agente cumprir com as regras impostas pelo principal, bem como (c) os custos ligados à perda residual (a perda residual é definida como atividades benéficas não realizadas porque os agentes tendem a escolher outras atividades que maximizam seus próprios benefícios em vez do benefício do principal, o qual pode nunca saber que experimentou perdas benéficas, o que reduz sua riqueza.)78. Importante ressaltar que a execução direta da atividade eliminaria os custos de agência em relação ao contratante e contratado, pois a relação contratual deixaria de existir.

Desta forma, comparando os custos de agência (solução horizontal) com os custos de executar diretamente a atividade (solução vertical), é possível que o principal decida de forma mais clara sobre quando, como, quanto, e a quem transferir a execução da atividade. Apenas as circunstâncias concretas de uma determinada situação poderão dizer qual a maneira mais eficiente de se desempenhar a atividade, não existindo resposta única e plurivalente.