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2.3 Remediação da Posição de Refém

2.3.1 Posição de Refém

A assimetria informacional pode desequilibrar a relação contratual, dando vantagem a uma das partes, a qual é mais bem informada do que a outra. Uma vez em posição privilegiada, aquele que detém a informação decidirá se irá cooperar com a outra parte, ou se irá aproveitar o apanágio para apropriar-se de renda extra. Existe, portanto, para o agente mais bem informado, uma tomada de decisão entre cooperar ou enveredar-se para o oportunismo.

Não se pode perder de vista que o problema central da situação examinada é a incapacidade de o principal monitorar as ações do agente e as informações que ele (o agente) detém79. Trata-se da inexistência de condições de o principal confiar plenamente nos atributos do agente – tais como inteligência, aptidão, valores, crenças, força de vontade –, pois não os enxerga por completo. Ainda, e por consequência, o principal não consegue perceber de plano se todas as ações do agente foram ou não realizadas no melhor interesse de cumprir com o contrato. Neste cenário, nasce a possibilidade de oportunismo.

Pode-se definir oportunismo como a tentativa do agente de perseguir um ganho individual desviando-se dos deveres de honestidade e lealdade durante uma transação.

79Brehm, John; Gates, Scott. Working, Shirking, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 25.

Aproveitando-se da assimetria informacional, o oportunismo do agente se evidencia pela revelação estratégica da informação distribuída assimetricamente80. Afinal, apesar de se claro para as partes de um contrato que uma delas é mais bem informada do que a outra, nem sempre são evidentes a medida e o conteúdo deste desequilíbrio.

Além de não possuir acesso ao conteúdo da informação, o principal pode não ter certeza de sobre quando determinada informação passou a ser detida pelo agente, tampouco se ela sequer foi de fato adquirida.

A recusa oportunista de cumprimento das prestações contratuais é essencialmente uma expressão de poder monopolista, pois coloca a outra parte em situação de refém. Por isso mesmo, ao menos em princípio, é eficiente desencorajar tal comportamento81.

O oportunismo evidencia-se especialmente grave quando somado à existência de investimentos específicos. Muitas vezes investimentos são feitos como atos preparatórios voltados a uma relação contratual específica, caso em que apenas poderão dar o retorno esperado condicionados ao sucesso desta relação. Uma vez realizados são considerados custos afundados (sunk costs), pois não podem ser facilmente revertidos e reinvestidos de outra forma82. São custos realizados, não reversíveis, e específicos para uma determinada situação. Uma vez que o custo se encontra afundado, o investidor terá de dividir o retorno bruto deste investimento com o outro contratante, sem o qual este retorno não existirá.

Fato é que a especificidade dos investimentos gera uma quase-renda para a contraparte. O custo afundado implica uma relação de dependência, que na prática funciona como se fosse um monopólio83. Surge para a contraparte a possibilidade de, oportunisticamente, tirar proveito da situação.

Para ilustrar, tenha-se o capitão de um navio pesqueiro que, ao chegar ao Alaska, precisa renegociar o contrato com sua tripulação84. Encontrando-se em um local onde não existam outras pessoas dispostas ao trabalho, a tripulação do navio pode atuar como se fosse um monopolista. O capitão do navio, por sua vez, realizou investimentos comprando combustível para a embarcação e demais insumos voltados

80Williamson, Oliver E. Markets and Hierarchies: Some Elementary Considerations, p. 317.

81Araújo, Fernando. Teoria Econômica do Contrato, p. 747.

82Yeon-Koo Che & Jozsef Sakovics, The New Palgrave Dictionary of Economics, p. 60-63, 83Araújo, Fernando. Teoria Econômica do Contrato, p. 643.

84Cooter, Robert; e Ulen, Thomas. Direito e Economia, p. 344-345.

para a pesca. Caso não consiga renegociar o contrato, a embarcação terá de voltar para a sua cidade de origem, entretanto, com o barco vazio, sem nenhum peixe.

Importante ressaltar que problemas relacionados a investimentos específicos são cada vez mais frequentes à medida que a evolução tecnológica torna recorrente fenômenos como externalidades positivas de rede85 e path dependence86. Uma tecnologia inicialmente inovadora, a qual consegue se afirmar como uma tecnologia padrão ou standard, tende a implicar uma dependência tecnológica (path dependence); ou seja, faz com que os usuários fiquem atrelados a esse padrão, o que pode conduzir a um monopólio por parte da empresa que entrou em primeiro lugar no mercado. Isso ocorre pelo fato de que todo novo usuário que adere à rede gera benefício a todos os demais usuários (externalidade positiva de rede), o que faz com que a descontinuidade do padrão gere um custo muito alto (ainda que a tecnologia usada não seja a mais eficiente atualmente existente), reforçando cada vez mais a dependência.

À medida que o credor de uma prestação contratual aumenta a sua dependência face àquela relação específica, notadamente por meio de investimentos de confiança, produz dois efeitos: (a) no tocante às fontes alternativas de satisfação de seus interesses, isto é, outros concorrentes existentes no mercado, gerando um efeito de lock out, pois os tranca do lado de fora; (b) já no que se refere ao próprio credor, fica embaraçado na relação em que se encontra, sem poder desvencilhar-se, gerando um efeito de lock in.

Na hipótese de a tutela jurídica do credor – em especial as sanções contratuais – ficar aquém daquilo que é o valor do cumprimento da prestação87, fica aberto espaço para oportunismo do devedor, gerando o impasse do holdup contratual.

Conforme ensina Fernando Araújo, “o holdup é a tomada de um refém, e esse refém é a contraparte no contrato”88; “é, na essência, uma situação temporária de monopólio de facto que uma parte pode explorar ditando à outra parte condições redistributivas, sob a ameaça de terminar a relação e provocar a esta danos específicos”89.

O devedor de uma prestação contratual, diante da situação de holdup, tem o credor como seu refém, pois sabe da dependência dele com aquela relação específica

85Freire , Maria Paula Vaz. Eficiência Econômica e Restrições Verticais, p. 522.

86Posner , Richard. Antitrust Law, p. 249.

87Araújo, Fernando. Teoria Econômica do Contrato, p. 645-646.

88Idem, p. 632-633.

89Ibidem., p. 645-646.

e da impossibilidade de se desvencilhar. Alternativas para o credor, ainda que existentes no mercado, encontram-se acessíveis a um custo muito alto, pois investimentos já foram feitos confiando na relação anterior.

Nessas condições, existem incentivos para que o devedor não cumpra com a prestação contratual devida. Ao invés de adimplir o quanto firmado anteriormente, pode recusar-se a fazê-lo, impondo uma renegociação do montante anteriormente pactuado. O risco de inadimplemento, quando tem o potencial de gerar alto custo para o credor, pode levá-lo a aceitar a negociação. O holdup permite ao devedor, durante essa renegociação, que tente elevar o preço do contrato até o limite do custo para o credor de levantar os seus investimentos e partir para uma nova relação contratual.

Portanto, quanto maior forem os investimentos específicos (sunk costs), maior a margem para que o devedor, de forma oportunista, se recuse a cumprir com a prestação e tente renegociar o contrato.

Fato é que a colocação do credor na posição de refém, ainda que crie incentivos para que o devedor se recuse a cumprir com a prestação contratual de forma oportunista, pode coexistir com outros incentivos. Existem fatores, de diversas ordens, que podem apontar no sentido contrário. Para além da lealdade pura, sem entrar no mérito da subjetividade das pessoas, pode-se elencar outros elementos que atenuam, senão aplacam, o comportamento oportunista, a saber: (a) a previsão de sanções contratuais90, notadamente quando impõem ônus superior às vantagens do descumprimento; (b) mecanismos legais que evitem ou contornem o comportamento oportunista; (c) no caso de trocas repetitivas91, onde existe para a contraparte a expectativas de novos contratos; (d) na existência de sistema de reputação92, mais ou menos estruturado, que deva ser zelado pela contraparte.

Percebe-se que o contrato, apesar de ter nascido como expressão da liberdade individual, pode se tornar veículo de poder de uns e servidão de outros. A economia de mercado e a lógica da barganha tendem naturalmente a criar meios de opressão93. Por isso mesmo, demanda a necessidade de ser conduzida por uma ordem legal que possa evitar tais situações.

90Pereira, Pedro Matias. Gestão do contrato Administrativo: a Aplicação de Sanções, p. 87.

91Che, Yeon-koo; Sakovics, Jozsef. The New Palgrave Dictionary of Economics, p. 60-63,.

92Bolton, Gary E. Bolton; et al. Cooperation among strangers with limited information about reputation, p. 1457-1468; Bolton, Gary E. Bolton; et al. The Limits of Trust in Economic Transactions, pp. 1-22.

93 Amato, Giuliano. Antitrust and the Bounds of Power, p. 99-100.