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4.1 Limites à Observabilidade

4.1.2 Incentivos

contraente público, e pode levá-lo a decidir sem ter acesso a informações plenas, sendo esta a sua opção ótima.

Uma regra imposta à pessoa não determina definitivamente o seu comportamento. Regras não alteram a realidade; o que altera a realidade é o comportamento humano. Uma determinada regra nada mais é, para o agente, do que um incentivo dentro de um leque de vários outros incentivos. A regra, como incentivo que é, pode ser determinante ou não, a depender da arquitetura como um todo. À luz desta análise, a conformação do comportamento humano não passa tão somente pela criação de uma obrigação impositiva de determinada conduta, mas sim, carece antes da seguinte reflexão: qual incentivo deve ser criado, eliminado, ou alterado, a fim de que a arquitetura de incentivos conduza o comportamento humano à escolha desejada?

No que tange à aquisição de informação durante a execução dos contratos, tem-se que os sistemas de comunicação dependem, essencialmente, de pessoas. A transmissão de uma mensagem depende de um emissor e um receptor. No que toca à observabilidade do desenvolvimento da relação contratual nos contratos administrativos, o receptor da mensagem (principal) será o contraente público. O emissor da mensagem (agente), por sua vez, assume uma gama variada de possibilidades, o qual pode ser o contraente privado (ex. obrigação contratual de prestar informações periódicas mediante elaboração de relatórios), um terceiro profissionalizado na venda de informações (ex. empresa privada especializada na medição de obras, contratada para acompanhar a obra de uma escola pública), um usuário do serviço público (ex. pesquisa de satisfação realizada entre os usuários do serviço público prestado pela concessionária de energia elétrica), ou mesmo um empregado do contraente público (ex. agente público designado como fiscal do contrato), dentre outros.

O grande problema aqui existente é que nem sempre os incentivos do receptor da mensagem (principal) estarão alinhados com os incentivos do emissor da informação (agente). Considerando a existência de custos de agência, certamente o agente, que possui vantagem informacional sobre o principal, terá condições de impor elevados custos de agência ao esforço do principal de obter informações relativas à performance do contrato e dos resultados obtidos. Importante destacar que quanto mais incertos forem os resultados de um contrato e quão maior a dificuldade de mensurá-los, maior será a resistência que o agente poderá opor à obtenção de informações pelo principal. Essa dificuldade é ainda mais latente naqueles contratos complexos em que não existem indicadores claros para mensurar os resultados

obtidos com a execução contratual 205 . Contratos envolvendo serviços são especialmente difíceis de serem mensurados. Contratos de transporte, por exemplo, os quais devem garantir segurança, conforto e agilidade, são de difícil medição. Algumas reflexões são valiosas para ilustrar a problemática: como se mede o grau de conforto de um serviço de transporte prestado pela concessionária? E o grau de segurança? E a agilidade? Tais medições dependem de indicadores, os quais devem, preferencialmente, ser fixados no próprio clausulado contratual. É de grande importância a construção de indicadores de resultados adequados, claros e transparentes; caso contrário, os custos impostos à contratante para garantir a observabilidade do contrato podem ser ainda maiores206.

Em uma relação de agência, o problema básico se resume no fato de que o principal almeja que o agente trabalhe arduamente, entretanto, o agente muitas vezes não deseja todo esse trabalho árduo. Ainda, o que torna a situação mais complexa, muitas vezes o principal possui dificuldades, quando o resultado advindo do contrato é insuficiente, de identificar se o baixo resultado observado é fruto do parco esforço do agente ou de um evento exógeno que, de forma imprevista e independente, influiu negativamente na performance207.

No caso de informações incompletas, o principal possui duas opções. De um lado, pode o principal tentar buscar informações quanto ao comportamento do agente, e assim recompensar o esforço empregado. Esta hipótese requer mecanismos de controle da conduta do agente, que sejam capazes de mensurar a quantidade de esforço empregado. De forma alternativa, pode o principal recompensar o agente com base nos resultados do trabalho. A medição dos resultados pode substituir a medição do esforço, todavia, não existe uma correspondência direta e perfeita entre ambos.

Não raro, o resultado do trabalho independe do esforço do agente, pois pode sofrer interferências externas e independentes de sua vontade. Em outras palavras, bons resultados podem advir de parcos esforços, ao mesmo tempo em que resultados indesejáveis podem ocorrer apesar de um grande e dedicado esforço. Quando o principal opta pela segunda opção (recompensa pelo resultado) ao invés da primeira (recompensa pelo esforço), o que ocorre é a transferência do risco da atividade para o

205Nóbrega, Marcos. Direito e economia da Infraestrutura, p. 76.

206Idem, p. 76.

207Stiglitz, Joseph E. Incentives, risk, and information: notes towards a theory of hierarchy, p. 553.

agente. Esta transferência impacta na estrutura de incentivos existentes no cenário, gerando reflexos no comportamento das partes. A escolha ótima, no caso, depende de uma análise entre os custos de mensuração do esforço do agente, os custos de mensuração do resultado da atividade, e os custos da transferência dos riscos da atividade para o agente208.

Em razão de problemas informacionais, os quais estão presentes em todas as situações de agência, o principal não consegue retribuir o agente de forma diretamente proporcional ao seu esforço, recompensando aquele que trabalhou arduamente e penalizando aquele que não manteve uma boa performance. Caso o salário a ser pago ao agente seja uma quantia fixa, o agente tende a engajar pouco esforço no exercício da sua atividade; a este efeito denomina-se risco moral. O risco moral por parte do agente implica perda de eficiência, a qual é denominada custo de agência. A existência de custos de agência é justamente o fator que impede o pagamento de salários em quantia fixa ser a escolha ótima (first-best) por parte do principal; em razão dos custos de agência, cabe ao principal buscar outros meios (second-best) de remunerar os seus agentes209.

Em um cenário ideal de relação de agência com possibilidade de aquisição plena de informações, a opção ótima para o principal seria remunerar o agente com um salário fixo, cujo valor do salário seria equivalente ao valor do esforço empregado; em retorno, o principal espera que o agente empregue este grau de esforço equivalente no exercício da sua atividade. Contudo, no mundo real, ante a existência de custos de agência, o cenário é outro. Não se pode contar com a existência de informações plenas, sendo que o real esforço empregado pelo agente muitas vezes não é de conhecimento do principal; cabe ao agente, portanto, revelar a informação.

Assim sendo, é recomendável ao principal que também exerça uma atividade de supervisão, bem como que a cooperação entre principal e agente seja alcançada por meio de um sistema de recompensas e punições. Tal sistema visa, justamente, criar para o agente uma estrutura de incentivos adequada, que o leve ao comportamento desejado. Contudo, há de se ressalvar que a supervisão da atividade do agente possui limites críticos.

208Eisenhardt , Kathleen M. Control: Organizational and Economic Approaches, p. 136-137.

209Posner, Eric A. Agency Models in Law and Economics, p. 4.

De um lado, a efetividade da supervisão por parte do principal depende de um sistema de recompensas e punições, o qual pode viabilizar e sustentar uma cooperação saudável entre as duas partes. De outro lado, essa atividade de supervisão também possui os seus limites: (a) é possível que os custos da supervisão e suas características afetem a produção, uma vez que, quando supervisiona, o principal interfere na atividade que está sendo desempenhada pelo agente; (b) a supervisão do agente pelo principal depende de uma clareza das ações que podem ser adotadas pelos subordinados, tipicamente limitadas à dicotomia trabalho realizado / trabalho não realizado, encerrada em uma escala unidimensional entre o adimplemento das obrigações ou inadimplemento; contudo, nem sempre o mundo real se mostra tão simples, uma vez que existem várias reações por parte do agente quando este pretende eximir-se do cumprimento de uma regra, por exemplo, por meio da sabotagem da atividade, ou pela estratégia de “go slow”, isto é, impondo lentidão forçada à execução; (c) dificilmente os métodos de supervisão, recompensa e punição, conseguem levar em consideração as variações na disposição dos subordinados para o trabalho ou para a fugir de suas obrigações, o que pode conduzir a iniquidades; muitas vezes há uma generalização de todos os subordinados, com a pressuposição de que preferem alijar-se do trabalho, salvo perante um pagamento extra em razão de seu esforço210.

A atividade de supervisão é uma atividade onerosa, sendo que os recursos para tanto devem ser sabiamente alocados. Muitas vezes, o supervisor não possui condições de supervisionar todos os subordinados, devendo eleger apenas alguns sobre os quais depositará os seus esforços. Essa escolha, por sua vez, tende a ser uma decisão sob incerteza. Ainda, é possível que o supervisor, mesmo observando a atividade do subordinado, não consiga identificar se aquela ação constitui uma performance adequada ou não, notadamente naqueles casos em que a atividade é de alta especialidade técnica ou científica211. Limites de tempo e de informação são verdadeiras barreiras a uma atividade de supervisão, a qual não pode, por isso mesmo, ter a pretensão de ser plena.

Ainda na linha das dificuldades de observabilidade da execução dos contratos em razão da divergência de incentivos, podem ser elencadas duas circunstâncias que

210Brehm, John; Gates, Scott. Working, Shirking, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 26-27.

211Idem, p. 42.

obstam a mensuração do valor do resultado advindo do esforço do agente: (a) quando o agente trabalha como integrante de uma equipe, e apenas o resultado do esforço da equipe pode ser observado; (b) quando o resultado físico do esforço do agente pode ser observado, todavia, não existe preço de mercado para este componente isolado, o que impede o principal de se nortear quanto ao valor do esforço ali dedicado – é o típico caso de produções muito especializadas, em que existe um valor de mercado para o resultado final, contudo, não existe preço de referência para cada etapa ou componente do processo de produção212. Nestas circunstâncias, o agente possui melhores condições de identificar o real valor do seu esforço – isoladamente considerado dentro de um processo de produção – do que o principal; logo, o agente obviamente terá incentivos de informar o principal quando da execução de uma tarefa difícil, entretanto, não terá os mesmos incentivos de informar a execução de uma tarefa singela e de fácil realização213.

Em suma, pode-se afirmar que a observabilidade da execução dos contratos é um processo limitado, dentre outros motivos, pela estrutura de incentivos que circundam e conformam o comportamento dos atores envolvidos no cenário. A partir do momento em que os incentivos daquele que tem a obrigação de emitir a mensagem não convergirem com os incentivos daquele que aguarda e depende do recebimento da mensagem, é possível que a mensagem que deveria ser enviada (a) jamais chegue no seu destino, que (b) chegue fora do tempo devido, ou que seja (c) transmitida de forma distorcida. A atividade de supervisionar o emissor da mensagem, por sua vez, é uma atividade limitada, e pode não ser suficiente para corrigir a estrutura de incentivos e garantir a transferência das informações da forma como se espera.