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4.1 Limites à Observabilidade

4.1.3 Vieses

obstam a mensuração do valor do resultado advindo do esforço do agente: (a) quando o agente trabalha como integrante de uma equipe, e apenas o resultado do esforço da equipe pode ser observado; (b) quando o resultado físico do esforço do agente pode ser observado, todavia, não existe preço de mercado para este componente isolado, o que impede o principal de se nortear quanto ao valor do esforço ali dedicado – é o típico caso de produções muito especializadas, em que existe um valor de mercado para o resultado final, contudo, não existe preço de referência para cada etapa ou componente do processo de produção212. Nestas circunstâncias, o agente possui melhores condições de identificar o real valor do seu esforço – isoladamente considerado dentro de um processo de produção – do que o principal; logo, o agente obviamente terá incentivos de informar o principal quando da execução de uma tarefa difícil, entretanto, não terá os mesmos incentivos de informar a execução de uma tarefa singela e de fácil realização213.

Em suma, pode-se afirmar que a observabilidade da execução dos contratos é um processo limitado, dentre outros motivos, pela estrutura de incentivos que circundam e conformam o comportamento dos atores envolvidos no cenário. A partir do momento em que os incentivos daquele que tem a obrigação de emitir a mensagem não convergirem com os incentivos daquele que aguarda e depende do recebimento da mensagem, é possível que a mensagem que deveria ser enviada (a) jamais chegue no seu destino, que (b) chegue fora do tempo devido, ou que seja (c) transmitida de forma distorcida. A atividade de supervisionar o emissor da mensagem, por sua vez, é uma atividade limitada, e pode não ser suficiente para corrigir a estrutura de incentivos e garantir a transferência das informações da forma como se espera.

buscam transmitir conhecimentos, impressões e julgamentos de uma pessoa a outra.

Ocorre que seres humanos não são máquinas perfeitas, dotadas de processadores poderosos, capazes de entender o mundo e traduzi-lo com facilidade. Engana-se aquele que pensa que a pessoa e a mente humana conseguem: (a) absorver informações plenas sobre tudo que está ao seu redor; (b) armazenar e processar uma grande quantidade de informações; (c) resgatar memórias e transmitir informações com alta velocidade.

O cérebro humano, ferramenta à disposição da pessoa, é um mecanismo limitado, com capacidade restrita de absorção, retenção, processamento e transmissão de informações. Não se pode ter como verdade que a mente humana presta atenção plena a todo momento, que possui informações completas, que possui capacidades cognitivas ilimitadas, bem como um completo autocontrole214.

Por vezes alguns campos da ciência superestimam a capacidade do cérebro humano, pressupondo que se trata de uma máquina perfeita, muito mais racional do que ela realmente é. A exemplo, muitas pesquisas em psicologia cognitiva sugerem que os indivíduos, na formação de seus julgamentos de probabilidade, têm como ponto de partida as leis da estatística e o teorema de Bayes; este entendimento é criticável, pois é improvável que a evolução natural do cérebro tenha conduzido o ser humano a processar naturalmente uma lei que Thomas Bayes (1701 – 1761)215 descobriu há apenas alguns séculos atrás. Por esta razão, algumas pesquisas mais recentes apontam um ponto de partida alternativo: a cognição humana está sujeita a tendência ou vieses, os quais são revelados por meio de heurísticas216.

Na lição de Daniel Kahneman, duas premissas tidas como verdade pelos cientistas sociais da década de 1970 merecem ser desafiadas: (a) a de que as pessoas são, no geral, racionais, e suas opiniões normalmente são sólidas; (b) a de que as emoções, tais como medo, afeição e ódio, explicam a maioria das ocasiões em que as pessoas se afastam da racionalidade217. A análise comportamental, que tem Daniel Kahneman e Amos Tversky como dois de seus principais expoentes, contesta tais premissas, no sentido de que o comportamento humano comete erros sistemáticos.

Tais erros não seriam fruto de mera aleatoriedade, um simples desvirtuamento do

214 Thaler, Richard.; Sunstein, Cass. Nudge, p. 5 (edição kindle).

215Wikipedia, disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Bayes.

216Camerer, Colin. Bounded Rationality in Individual Decision Making, p. 8-9.

217Kahneman, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 16.

pensamento pela emoção, mas sim, resultados de um mecanismo cognitivo próprio, passível de análise, que seriam as regras de heurística. Em síntese, a tese defendida pela análise comportamental, e bastante aceita atualmente, é a de que a mente humana é suscetível de erros sistemáticos.

Em que pese a mente humana seja racional, o autocontrole e o esforço cognitivo são formas de trabalho mental218; este trabalho mental esgota o indivíduo, o qual não está disposto a arcar com este esforço a todo momento. A cognição humana é um recurso escasso, e por isso mesmo a tomada de decisão é atividade que possui custo. Para evitar falácias, é preciso acrescentar nos modelos econômicos o custo da deliberação219.

Na linha do que ensina John Conlisk, no artigo Why Bounded Rationality?220, o reconhecimento de um custo de deliberação permite falar em uma verdadeira

“economia da mente”: racionalidade é um bem escasso, e boas decisões possuem um custo. Existe uma transação entre o empenho dedicado a uma boa deliberação e o empenho dedicado a outras atividades; um tomador de decisão, quando em face de diversas atividades planejadas para serem executadas, não possui condições de otimizar todas as atividades a todo momento. Assim, o custo de deliberação pode ser traduzido na redução da performance de uma atividade em função do aperfeiçoamento de outra.

Ante o custo de deliberação, o ser humano não é racional a todo momento.

Quando decide não arcar com este custo, o que ocorre na grande maioria das vezes, a mente recorre a outra estratégia, qual seja, a utilização das heurísticas. As heurísticas são regras gerais, isto é, são atalhos utilizados pela mente. Ao invés de realizar tarefas mentais complexas de avaliar probabilidades e predizer valores, o indivíduo recorre a operações mais simples, se apoiando em um número limitado de princípios heurísticos que reduzem a dificuldade da tarefa221. Heurística pode ser tecnicamente definida como “um procedimento simples que ajuda a encontrar respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para perguntas difíceis”222. Em geral as heurísticas são bastantes úteis, mas podem levar a erros sistemáticos. E é justamente por meio da

218Idem, posição 821 (edição kindle).

219Conlisk, John. Why Bounded Rationality?, p. 686.

220Idem, p. 682.

221Kahneman, Daniel; Tversky, Amos. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases, p. 1124.

222Kahneman, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 127.

revelação das heurísticas utilizadas pela mente que a análise comportamental consegue predizer, com grau razoável de sucesso, as atitudes irracionais do comportamento humano.

Amplamente utilizadas pela mente, as heurísticas são de grande serventia, contudo, não contemplam todo o cenário e, por isso mesmo, podem conduzir tomadores de decisão a erros sistemáticos. Apenas a título de exemplo, é possível dizer que os indivíduos, de forma sistemática, tomam decisões com base nas informações que estão mais facilmente disponíveis na memória – memória recente – e desconsideram as demais informações relevantes existentes no cenário. Para ilustrar, tenha-se o consumidor que, após ter sofrido um acidente recente, tem maior probabilidade de contratar um seguro veicular. Na mesma linha, os indivíduos atribuem sistematicamente peso indevido a evidências instanciadas em comparação com declarações gerais, a evidências vívidas em comparação com evidências pálidas e a evidências concretas em comparação com evidências abstratas223. Seguindo, indivíduos são sistematicamente insensíveis ao tamanho das amostras e erroneamente tomam amostras pequenas como representativas da regra geral224. Não raro, as amostras consistentes em eventos presentes são erroneamente assumidas como representativas, e consequentemente preditivas, de eventos futuros. Ainda, atores normalmente realizam análises telescópicas defeituosas, ou seja, sistematicamente atribuem peso equivocado aos custos e benefícios de eventos futuros em comparação com os custos e benefícios do presente. Por fim, atores sistematicamente subestimam grande parte dos riscos225.

Nas últimas décadas, o ramo da ciência responsável pelo estudo dos julgamentos e tomadas de decisão tem se afastado da teoria da utilidade esperada226 – desenvolvida por John von Newman e Oskar Morgenstern – e tentado dialogar com outras disciplinas ligadas ao comportamento humano, tais como a psicologia, economia, finanças, ciências políticas e o direito227. A teoria da utilidade esperada,

223 Kahneman, Daniel; Tversky, Amos. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases, p. 1124.

224Kahneman, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 151.

225Eisenberg, Melvin Aron. Contracts and Relationships, p. 447.

226Kahneman, Daniel; Tversky, Amos . Advances in Prospect Theory, p. 297 ss.

227 Zamir, Eyal; Teichamn, Doron. Behavioral Law and Economics, posição 841 (edição kindle).

amplamente utilizada nas décadas de 1950 até 1970228, não é a mais adequada para explicar como o processo de decisão acontece na realidade. O modelo oferecido por Daniel Kahneman e Amos Tversky, chamado teoria da perspectiva ou teoria do prospecto, parece explicar de melhor forma o comportamento humano. Entendem que o comportamento humano é orientado por regras gerais e atalhos, os quais são previsíveis229.

Tendências e vieses de comportamento não advêm tão somente de limites da racionalidade, mas também, estão sujeitos aos limites de outros dois fatores, quais sejam, da força de vontade e do autointeresse. Neste sentido, Christine Jolls, Cass R.

Sunstein e Richard Thaler, na obra A Behavioral Approach to Law and Economics230, ensinam que o comportamento humano encontra-se sujeito a três fatores, são eles: (a) os limites da racionalidade: as habilidades de cognição humana não são infinitas, sendo possível perceber limitações e falhas sistemáticas em razão do uso de atalhos e regras gerais, que podem levar a conclusões errôneas a irracionais; (b) os limites da força de vontade: não raro as pessoas adotam ações que sabem ser incompatíveis com o seu interesse a longo prazo (ex. fumantes); (c) os limites do autointeresse: as pessoas possuem um senso próprio de justiça, e muitas vezes agem em benefício de outras pessoas, até mesmo estranhos, em algumas circunstâncias.

Dito isto, pode-se concluir que o ser humano real, ou seja, aquele que de fato existe e cujas ações transformam o mundo, por vezes difere do ser humano projetado pelos estudiosos, teoristas e planejadores. O mesmo ocorre no seio de um contrato administrativo, onde o contratante não pode, na definição da arquitetura do clausulado, tomar como pressuposto a existência de atores infalíveis, cujo comportamento será conduzido por informações plenas, amplas capacidades cognitivas e contínuo esforço de concentração.

Não se pode assumir a mente humana como ferramenta de capacidade ilimitada, mas sim, como instrumento falível, passível de erros. Ainda, se estes erros são sistemáticos, ou seja, se admitem certo grau de previsão, algo deve ser feito a respeito. Além de assumir a falibilidade da capacidade cognitiva do ser humano, é

228Moscati, Ivan. How Economists Came to Accept Expected Utility Theory: The Case of Samuelson and Savage, p. 219.

229Jolls, Christine; Thaler, Richard. A Behavioral Approach to Law and Economics, p. 1478.

230Idem, p. 1477 ss.

importante que o contratante anteveja o problema e busque fazer com que a arquitetura do contrato se amolde às falhas que provavelmente virão a ocorrer.