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Distinção entre Incapacidade e Deficiência

7. APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: REQUISITOS

7.2 Avaliação Social e Inter-relação com as Barreiras Externas

7.2.2 Distinção entre Incapacidade e Deficiência

Segundo Paulo Rebelo:

A incapacidade laboral deve ser entendida como a impossibilidade total (temporária ou definitiva) do desempenho das funções específicas de uma determinada atividade ou ocupação, em consequência de alterações fisio- morfo-psicológicas, decorrentes de doença ou acidente (sejam eles relacionados ao trabalho ou não) para o qual o trabalhador estava previamente habilitado e em exercício.211

O inciso III do art. 3º do Decreto nº 3.298/99 define incapacidade como sendo:

Uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Um comitê de especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1980, elaborou um manual e uma classificação das consequências de doenças, denominado “Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens”, especificando deficiência como “toda perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica” e incapacidade como “toda restrição ou ausência de função devida a uma sequela/deficiência da capacidade de

211 REBELO, Paulo. A Pessoa com Deficiência e o Trabalho. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008, p.

realizar uma atividade da forma, ou dentro da margem, que se considera normal para o ser humano”.

O conceito original de deficiência trazido pela Lei nº 8.742/93, em seu art. 20, § 2º, define a pessoa com deficiência como:

Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Já o art. 2º, II, do Decreto nº 1.744/95, afirma que a pessoa com deficiência é o “incapacitado para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades na vida diária e no trabalho”.

Para tanto, a pessoa com deficiência apresentaria uma dificuldade de se relacionar e de se integrar à sociedade.

Para a concessão de Benefício de Prestação Continuada, no que se refere à conceituação de deficiência, não se faz imprescindível que a incapacidade seja definitiva, tal como apresenta julgado da TNU:

Pedido de uniformização de jurisprudência. Benefício assistencial de prestação continuada. Súmula TNU 29. Incapacidade temporária. Lei 8.742/93, art. 20.

1.Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, incapacidade para a vida independente não é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento. Súmula 29 desta Turma Nacional de Uniformização.

2. O art. 20 da Lei 8.742/93 não impõe que somente a incapacidade permanente, mas não a temporária, permitiria a concessão do benefício assistencial, não cabendo ao intérprete restringir onde a lei não o faz, mormente quando em prejuízo do necessitado do benefício e na contramão da sua ratio essendi, que visa a assegurar o mínimo existencial e de dignidade da pessoa.

3. Esta Eg TNU também já assentou que “a transitoriedade da incapacidade não é óbice à concessão do benefício assistencial, visto que o critério de definitividade da incapacidade não está previsto no aludido diploma legal. Ao revés, o artigo 21 da referida lei corrobora o caráter temporário do benefício em questão, ao estatuir que o benefício ‘deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem”. (PEDILEF 200770500109659 – Rel. Juiz Federal Otávio Henrique Martins Port – DJ 11/03/2010).

4. Recurso conhecido e parcialmente provido. Processo devolvido à Turma de origem para a adequação do julgado. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal 200770530028472, Relator: Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna.

Para Almansa Pastor: “por incapacidade laboral pretende-se abranger o complexo de meios intelectuais, volitivos e físicos, que permitem utilizar, proveitosamente, a eficiência física no desenvolvimento de alguma atividade laboral”212.

Em vista disso, a existência de doença ou lesão preexistente não elide, por si só, uma incapacidade para o trabalho, pois há doenças que não incapacitam para o desempenho de atividades de trabalho. Todavia, caso haja agravamento do dano ou lesão, tanto de natureza anatômica, funcional ou psíquica, ou, então, se a doença vier a impedir o desenvolvimento da atividade, essas doenças ou lesões podem ser incapacitantes, ou ainda, implicar recomendações ou restrições.

Logo, o conceito de incapacidade deve ser aplicado de forma sistêmica, considerando-se o grau de limitação, duração da jornada de trabalho, comorbidades, as tarefas a serem desempenhadas, bem como as exigências do cargo e o local de sua realização.

Não se pode também confundir deficiência com incapacidade para o trabalho, pois, enquanto a primeira refere-se ao comprometimento em sua capacidade funcional, a segunda se relaciona com o comprometimento total quanto às exigências de determinada atividade em avaliação de capacidade funcional residual.

Luiz Alberto David Araújo menciona o seguinte a respeito do assunto:

Analisemos, agora, a mesma situação sob dois ângulos distintos. Imaginemos um operário que tenha um dedo amputado. Conforme o oficio por ele desenvolvido, encontrará sérias dificuldades para conseguir outro emprego na mesma atividade, até então desenvolvida. Na mesma hipótese, um trabalhador intelectual poderá sofrer muito menos diante da mesma perda. Ambos têm uma deficiência, ou seja, uma perda ou uma falha. No entanto, os resultados práticos são completamente distintos. No primeiro caso, estaríamos diante de pessoa com deficiência, enquanto, no segundo, por não haver qualquer dificuldade de inclusão social, já que o trabalho intelectual desenvolvido é o mesmo, permanecendo o indivíduo no mesmo patamar profissional e integrativo social, não estaríamos diante de pessoa que necessitasse qualquer cuidado especial. No primeiro caso, constata-se uma inferioridade (além de uma deficiência); no segundo, apenas deficiência.213

212 Apud ROCHA, Daniel Machado da. Benefícios previstos pelo regime geral em face da

incapacidade laboral. In: ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antônio (Coord.). Curso

de Especialização em Direito Previdenciário. V. II. Curitiba: Juruá, 2007. p. 269.

213 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de

deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

Para a legislação espanhola, a deficiência poderia ser tratada da seguinte forma:

Para os efeitos da presente lei, entende-se como deficiente toda pessoa cujas possibilidades de integração escolar, laboral ou social se achem diminuídas como resultado de uma deficiência, previsivelmente permanente, de caráter congênito ou não, em suas capacidades físicas, psíquicas ou sensoriais. (tradução nossa)214

No mesmo sentido, a legislação italiana, por meio da Lei nº 104, de 05 de fevereiro de 1992, conceitua deficiência, em seu art. 3º:

Art. 3. Sujeitos adquirentes do direito - 1 - É pessoa com deficiência aquela que apresenta uma diminuição física, psíquica ou sensorial, estável ou progressiva, que é a causa de dificuldades de aprendizagem, de relacionamento ou de integração no trabalho, e resulta em um processo de desvantagem social ou de marginalização. (tradução nossa) 215

Com relação à deficiência permanente e incapacidade para o trabalho, enquanto aquela pode ser entendida como a que não permite recuperação por ter decorrido tempo suficiente para sua consolidação, esta seria uma redução efetiva e acentuada de integração social, sendo necessária a utilização de equipamentos e recursos especiais para que a pessoa receba ou transmita informações indispensáveis ao seu bem-estar pessoal, bem como ao desempenho da função ou atividade desempenhada.

Nesse sentido, o inciso II do art. 3ºdo Decreto nº 3.298 de 1999 define deficiência permanente como “aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade que se altere, apesar de novos tratamentos”.

214 “A los efectos de la presente Ley se entenderá por minusválidos toda persona cuyas posibilidades

de integración educativa, laboral o social se hallen disminuidos como consecuencia de una deficiencia, previsiblemente permanente, de carácter congénito o no, en sus capacidades físicas, psíquicas o sensoriales.” ESPANHA. Ley de Integración Social de los Minusválidos, nº. 13/82, de 07 de abril de 1982. Disponível em: <http://noticias.juridicas.com/base_datos/Admin/l13-

1982.t7.html>. Acesso em: 05 ago. 2016.

215 “Art. 3. Soggetti aventi diritto – 1 – É persona handicappata colui che presenta una minorazione

física, psichica o sensoriale, stabilizzata o progressiva, che é causa di difficoltá di apprendimento, di relazione o di integrazione lavorativa e tale da determinare um processo di svantaggio sociale o di emerginazione.” ITÁLIA. Legge 5 febbraio 1992, n. 104. Legge-quadro per l'assistenza,

l'integrazione sociale e i diritti delle persone handicappate. Pubblicata in G. U. 17 febbraio 1992, n. 39, S.O. Disponível em: <http://www.handylex.org/stato/l050292.shtml>. Acesso em: 10 jun. 2016.

Sobre a grande invalidez ou invalidez maior, Miguel Horvath Júnior e Roberta Soares da Silva asseveram que:

É a incapacidade total e permanente de tal proporção que acarreta a necessidade permanente do auxílio de terceiros para o desenvolvimento das atividades cotidianas, em virtude da ampliação da perda da autonomia física, motora ou mental que impede a pessoa de realizar os atos diários mais simples, como v.g., a consecução das necessidades fisiológicas, higiene, repouso refeição, lazer, dentre outros.216

O Anexo I do Decreto nº 3.048 de 1999 trata sobre as situações em que se configuram a grande invalidez, tais como: cegueira total; perda de nove dedos das mãos ou superior a esta; paralisia dos dois membros superiores ou inferiores; perda dos membros inferiores, acima dos pés, quando a prótese for impossível; perda de uma das mãos e de dois pés, ainda que a prótese seja possível; perda de um membro superior e outro inferior, quando a prótese for impossível; alteração das faculdades mentais com grave perturbação da vida orgânica e social; doença que exija permanência contínua no leito; incapacidade permanente para as atividades da vida diária.

Observa-se, portanto, que a grande invalidez e incapacidade permanente absoluta, ensejariam, junto ao direito previdenciário, direito ao benefício de aposentadoria por invalidez, vez que se trata de uma incapacidade permanente para o trabalho e/ou para a vida independente, não possuindo esta, natureza temporária. A grande invalidez, poderia, ainda, ensejar direito a um acréscimo de 25% na renda do benefício por conta da necessidade de ajuda permanente de terceiros para a manutenção digna da vida do beneficiado, tal como apresenta o art. 45 da Lei nº 8.213/91, conforme segue: “O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento)”.

Diante do exposto, a discussão que se propõe é que se a incapacidade permanente absoluta e grande invalidez já garantem o benefício de aposentadoria por invalidez – ou, então, o assistencial, se comprovada a hipossuficiência econômica – qual seria o critério para enquadramento de uma deficiência grave a fim de que seja concedida uma aposentadoria à pessoa com deficiência de natureza grave?

216 HORVATH JÚNIOR, Miguel; SILVA, Roberta Soares da. Direitos Humanos e Pessoa com

Deficiência: uma Visão Integrativa. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e

Tal discussão se mostra importante na medida em que critérios mais severos na aferição da aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência grave se mostram muito difíceis de serem cumpridos, pois, não é cabível contribuir por muitos anos para a previdência para possuir um direito a uma redução na aposentadoria, se, de forma breve, já teria o requerente condições de requerer uma aposentadoria por invalidez, visto que a pessoa com deficiência pode contribuir com a Previdência Social de forma também facultativa e não somente quando desempenha uma atividade profissional.

É verossímil que, para a aferição da gravidade de uma deficiência, ante uma observação complexa e multidimensional, não é possível tecer uma análise, tão somente, na questão de saúde do requerente, haja vista as barreiras externas que influenciarão na gravidade da enfermidade. Todavia, por certo que se a perda da função motora e sensorial é severa, ao impedir que atividades simples do cotidiano e laborativas sejam realizadas, observa-se que a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição de natureza grave encontra-se em um cenário pouco distante de se tornar real, ou, ao menos, em uma raridade substancial, sendo possível somente em casos de deficiência anterior ao início do período contributivo, e de natureza grave, podendo, em tais casos, todavia, se comprovada a hipossuficiência econômica, ser requerido inclusive o Benefício de Prestação Continuada.

Frisa-se, porém, em que pese algumas similaridades, que deficiência e incapacidade são diferentes, conforme já assinalado e conceituado. Assim, enquanto que os indivíduos com incapacidade são pessoas com deficiência, ainda que temporariamente, nem todas as pessoas com deficiência possuem limitações que possam caracterizar a incapacidade, haja vista que as pessoas com deficiência que não possuem graves limitações, desempenham atividades profissionais.