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3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A RESPEITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

4.3 Princípio da Igualdade

As discussões atinentes à igualdade, bem como os atos que perpetravam as disparidades existentes, tanto do ponto de vista econômico, como social, remontam à era Antiga, quando, por exemplo, o homem utilizava-se da lei do mais forte para buscar moradia, a mulher pretendida, alimentação, dentre outros.

Um pouco mais tarde, mais precisamente no século XVII, Jean-Jacques Rousseau100 discorreu sobre o assunto e declarou a existência de duas espécies de desigualdade entre os homens: a natural, estabelecida nas forças da natureza e

98 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 56.

99 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de

deficiência. 2. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência – CORDE, 1996, p. 87.

100 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade

entre os homens. Tradução de Iracema Gomes e Maria Cristina Rovieri Ngle. São Paulo: Ática,

existente quando há diferenças de idade, de forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; e a física e a moral ou política, impostas pelas convenções sociais.

No tocante ao princípio da igualdade, há indícios de que este tenha sido utilizado pela primeira vez em Atenas, na Grécia Antiga, em 508 A.C, por Clístenes. No Brasil, tal princípio era utilizado desde o período do Império, tendo sido inscrito na Constituição de 1824101 como igualdade perante a lei, igualdade esta meramente formal, uma vez que o princípio aplicado não considerava as distinções de grupos.

Paulo de Barros, ao retratar o princípio da igualdade, assevera que:

O princípio constitucional fornece os valores que devem ser prestigiados em todos os setores da vida social. Exemplificando, no que com os direitos e garantias fundamentais, o princípio da isonomia tem o seu lugar de destaque logo no caput do art. 5º. O legislador constituinte prestigiou a igualdade, elegendo-a como valor primordial que tem como tarefa dar efetividade a outros valores que elegeu como fundamentos do Estado Democrático de Direito e objetivos fundamentais da República: a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades soc iais e regionais e a promoção do bem de todos.102

Signo fundamental da democracia, para Norberto Bobbio, “[...] a igualdade é considerada como um bem ou um fim para os componentes singulares de uma totalidade na medida em que esses entes se encontrem num determinado tipo de relação entre si.”103

Concernente à aplicação do princípio da igualdade, deve esta ser implementada junto aos critérios da justiça social, a fim de que se instaure uma igualdade material, baseada nas diferenças, sejam estas morais, físicas ou de aptidões, e não meramente formal, existente somente nos ordenamentos jurídicos. Sobre o assunto se pronuncia José Afonso Silva, ao tratar que “[...] a compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais [...] e, especialmente, com as exigências da justiça social.”104

101 BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824).

102 BARROS apud PORTANOVA, Daisson. Aposentadoria proporcional: não incidência do fator

previdenciário. Revista Brasileira de Direito Previdenciário. Porto Alegre, v. 4, n. 4, ago. 2011., p. 15.

103 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p.12-13.

104 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros,

Logo, observa-se a importância de se instaurar uma justiça material para que possa, de fato, existir uma igualdade, não meramente formal, baseada em ideais, mas nas reais condições humanas, havendo, assim, a indicação da característica constitutiva de uma categoria essencial, sendo os seres humanos de um mesmo grupo tratados de acordo com as suas necessidades e distintamente de outros grupos, reportando a cada um segundo a sua necessidade, a cada um segundo seus méritos e a cada um a mesma coisa.105

Sobre o assunto trata Zulmar Fachin ao afirmar que “as discriminações que tenham o objetivo de suprimir direito das pessoas não devem ser admitidas. Devem se admitir, no entanto, discriminações positivas, ou seja, tratamentos diferenciados que permitem às pessoas usufruírem direitos.”106

Sobre o assunto, famosa é a citação de Ruy Barbosa que, valendo-se das lições de Aristóteles, cita que:

A regra da igualdade consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que sejam desiguais. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar como desiguais a iguais, ou desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.107

Tem-se, então, que o conceito de igualdade não pode ser absoluto, mas proporcional, haja vista que varia conforme as exigências do ser humano. Necessário é que exista a absoluta igualdade, todavia, ao se descer na hierarquia desses direitos, surgem as desigualdades, tanto naturais como sociais.

Atualmente, o princípio da igual dignidade de todos os seres humanos é consagrado, no direito interno e no direito internacional, em duas dimensões. Há a igualdade que os gregos denominam aritmética ou signalagmática (vale dizer, contratual), dominante no plano das relações interindividuais, a qual supõe uma paridade de situações de fato. E há também a igualdade geométrica ou proporcional, que consiste em tratar desigualmente os que se acham em situação desigual, na exata medida dessa desigualdade. Foi com fundamento nesta última dimensão do princípio da igualdade que se criou o Estado social em substituição ao Estado liberal, e que se admitiram, em vários países, as chamadas “discriminações positivas”: as classes ou grupos sociais que dispõem de menos recursos, materiais ou culturais, devem receber proporcionalmente mais dos Poderes Públicos, e vice-versa.108

105 PERELMAN, 1971 apud SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed.

São Paulo: Malheiros, 2009, p. 213.

106 FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 55. 107 BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1981, p. 32.

108 OS DIREITOS Humanos na Declaração Universal de 1948 e na Constituição Brasileira em Vigor.

Escola de Governo, jul. 2008. Disponível em: <http://www.escoladegoverno.org.br/artigos/115- direitos-humanos-declaracao-1948>. Acesso em: 03 jun. 2016.

Salienta-se, contudo, que as discriminações absurdas devem ser sistematicamente abolidas. De acordo com entendimento de Alexandre Moraes:

O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.109

Alexandre de Moraes ainda argumenta que:

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas [...]. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.110

Nesse sentido, também se pronuncia Fábio Konder Comparato: “[...] assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado.”111

Sobre a igualdade aplicada às pessoas com deficiência, convém esclarecer que a Constituição Federal, em seu artigo 7º, trata sobre a igualdade de direitos entre trabalhadores urbanos e rurais, proibindo-se, assim, no inciso XXXI, qualquer discriminação relativa a salários e critérios de admissão do trabalhador com deficiência.

109 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 36. 110 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 36.

111 COMPARATO, Fábio Konder. Direito público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p.

O artigo 203, IV, assegura ainda a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência, com a necessária promoção de sua integração à vida comunitária e ao mercado de trabalho, independentemente de contribuição à seguridade social. Ademais, o art. 203, V, garante também um salário-mínimo mensal a quem comprovar não possuir meios de prover sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

De forma mais específica o cerne da presente discussão se insere o benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência, que traz um tratamento diferenciado a esse grupo de pessoas que possui condições de vida e trabalho com um pouco mais de prejuízo do que as pessoas que não possuem alguma deficiência. Nesse caso, busca-se a desigualação para que a igualdade seja atingida. Por isso, ao se abordar a espécie de aposentadoria da pessoa com deficiência, tratar sobre o princípio da igualdade torna-se tarefa obrigatória, vez que pelo díscremen presente obtém-se a verdadeira igualdade.

Concernente ao assunto, também trata José Afonso Silva ao afirmar que: “Igualdade constitucional é mais do que uma expressão de direito; é um modo justo de viver em sociedade. Por isso, é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.”112

Salienta-se também que os critérios diferenciadores de norma devem ser utilizados conforme as reais necessidades e de acordo com as distinções pertinentes e ocorridas no mesmo lapso temporal. Para Celso Bandeira de Mello, “[...] o que se tem de perquirir é se os fatos ou situações alojados no tempo transacto são, eles mesmos, distintivos.”113

Atinente ao assunto, Celso Bandeira de Mello ainda cita que:

Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se já justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores

112 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros,

2009, p. 214.

113 BANDEIRA DE MELLO, Celso. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles. 114

Observa-se, portanto, a necessária existência de uma correlação lógica concreta, auferida em razão dos interesses abarcados pelo direito positivo constitucional, sendo esta possível se estiver em consonância com finalidades ditas valiosas da Constituição Federal.

Exemplificando para aclarar: suponha-se hipotética lei que permitisse aos funcionários gordos afastamento remunerado para assistir a congresso religioso e o vedasse aos magros. No caricatural exemplo aventado, a gordura ou esbeltez é o elemento tomado como critério distintivo. Em exame perfunctório parecerá que o vício de tal lei, perante a igualdade constitucional, reside no elemento fático (compleição corporal) adotado como critério. Contudo, este não é, em si mesmo, fator insuscetível de ser tomado como fato deflagrador de efeitos jurídicos específicos. O que tornaria inadmissível a hipotética lei seria a ausência de correlação entre o elemento de discrímen e os efeitos jurídicos atribuídos a ela. Não faz sentido algum facultar aos obesos faltarem ao serviço para congresso religioso porque entre uma coisa e outra não há nexo plausível. Todavia, em outra relação seria tolerável considerar a tipologia física como elemento discriminatório. Assim, os que excedem certo peso em relação à altura, não podem exceder, no serviço militar, funções que reclamem presença imponente.115

Destarte, conforme assinalado por Mello, importante se faz que a relação jurídica apresentada guarde pertinência lógica com a diferenciação que dela resulta, não podendo a discriminação ser gratuita ou fortuita.

Impede que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.116 [...]. Então, se a lei se propôs distinguir pessoas,

situações, grupos, e se tais diferenciações se compatibilizam com os princípios expostos, não há como negar os discriminens. Contudo, se a distinção não procede diretamente na lei que instituiu o benefício ou exonerou de encargo, não tem sentido prestigiar interpretação que favoreça a contradição de um dos mais solenes princípios constitucionais.117

Sabiamente, Boaventura de Sousa Santos defende que:

114 BANDEIRA DE MELLO, Celso. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 21.

115 BANDEIRA DE MELLO, Celso. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 38.

116 BANDEIRA DE MELLO, Celso. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 39.

117 BANDEIRA DE MELLO, Celso. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.118

Quando se trata ainda sobre o princípio da igualdade, importante se faz tecer relações também com a segunda dimensão dos Direitos Humanos, justamente a que trata sobre a igualdade, tendo sido consagrada no século X, por meio das Constituições do pós-guerra, além de ser objeto de diversos pactos internacionais.

Na segunda dimensão dos Direitos Humanos, reconhece-se a necessidade de realização da justiça social.

Quanto à viabilização da igualdade na vida da pessoa com deficiência, Luiz Alberto David Araújo argumenta que o constituinte percebeu “que o grupo necessitaria, por sua própria condição, de uma proteção específica, indispensável para que pudesse se integrar socialmente, ou seja, participar da sociedade em condições de igualdade”119.

A igualdade material vincula o intérprete e o legislador infraconstitucional na preservação dos valores contidos nas normas específicas de proteção constitucional. Assim, o legislador infraconstitucional dá igualdade material, tratando sempre diferentemente, de forma privilegiada, dentro dos limites constitucionais, o grupo ou valor protegido. O intérprete, por seu lado, não pode perder de vista a proteção de tais bens, sempre cuidando de aplicar o direito em conformidade com a proteção constitucional adotada.120

Nesse sentido, quando se estabelece uma regra especial para a concessão de aposentadoria da pessoa com deficiência, com a assunção de alguns privilégios a fim de que se minimize as dificuldades apresentadas por este perante à sociedade, intenta-se, por meio da igualdade material, desigualar os desiguais a fim de que a justiça social seja conquistada.

Sob essa ótica, ainda Luiz Alberto David Araújo:

118 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo

multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 56.

119 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de

deficiência. 2. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência – CORDE, 1996, p. 87.

120 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de

deficiência. 2. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

A regra isonômica da igualdade perante a lei, não se constitui em norma de proteção, mas apenas de instituição de princípio democrático, extensível a todos, inclusive aos portadores de deficiência, princípio este que coloca o grupo protegido em condições de integração social. Todavia, o que se pretende demonstrar, no momento, é a existência de regras que, de fato, discriminam, protegem, coloca, privilégio, benefícios imprescindíveis sob a ótica do constituinte, para a equiparação de certas situações ou grupos, tais como os trabalhadores, os indígenas, as gestantes, a empresa nacional, e, dentre estes, as pessoas portadoras de deficiência [...] A igualdade material vai vincular o intérprete e o legislador infraconstitucional na preservação dos valores contidos nas normas específicas de proteção constitucional. Assim, o legislador infraconstitucional da igualdade material, tratando sempre diferentemente, de forma privilegiada, dentro dos limites constitucionais, o grupo ou o valor protegido. O intérprete, por seu lado, não pode perder de vista a proteção de tais bens, sempre cuidando de aplicar o direito em conformidade com a proteção constitucional adotada.121

Para tanto, o Estado pode justificar a discriminem normativa quando tem por intenção promover a igualdade entre as pessoas com deficiência, tal como ocorre com uma aposentadoria a esse grupo de indivíduos. Há, assim, uma diferenciação para se obter a igualdade.