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Perícia e utilização da Classificação Internacional de Funcionalidades

7. APOSENTADORIA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: REQUISITOS

7.2 Avaliação Social e Inter-relação com as Barreiras Externas

7.2.1 Perícia e utilização da Classificação Internacional de Funcionalidades

Em 1976, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens, em caráter experimental, quando descreveu a deficiência como anormalidade nos órgãos, nos sistemas e nas estruturas do corpo.

Assim, a incapacidade seria entendida como consequências da deficiência no rendimento funcional e no desempenho das atividades. Abordar-se-ia, ainda, a desvantagem, refletida na adaptação do indivíduo ao meio ambiente, e que resulta da deficiência e da incapacidade.

A CIF apoia-se em um modelo de referência que evolui da concepção de consequência das doenças para o de diversos componentes da saúde, voltando a atenção para os aspectos normais da funcionalidade humana, que junto às incapacidades, compõem o desenho funcional de cada pessoa. Assim, as doenças não definiriam deterministicamente as repercussões funcionais da pessoa, relacionando as barreiras e as facilitadoras de origem interna e externa do indivíduo que apresenta uma influência moduladora sobre a realização das atividades e de participação social.

Logo, a CIF apresenta um entendimento da funcionalidade humana ao mesmo tempo em que relaciona uma série de categorias que permitem a classificação dos componentes da funcionalidade.

A CIF possui, portanto, um modelo integrador e multidirecional da funcionalidade humana que se contrapõe ao modelo anterior, de sugestão da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), que tinha como proposta um modelo determinístico em que a doença resultaria, tão somente, de uma série de deficiências de estruturas e funções fisiológicas e que corroborariam dificuldades nas atividades e participações, sem consideração dos fatores pessoais ou ambientais que modulariam a funcionalidade.

Nesse sentido, em 2001, a Assembleia Mundial da Saúde da OMS aprovou a classificação de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), representando uma mudança de paradigma ao abordar a deficiência e a incapacidade como instrumento de avaliação das condições de vida e promoção de políticas públicas de inclusão social.

A CIF corrigiu as imperfeições da classificação anterior e adotou perspectiva positiva em substituição ao enfoque da deficiência e da incapacidade, considerando as atividades que podem ser desempenhadas pelo indivíduo que apresenta alterações de função e da estrutura do corpo. Tornou também relevante sua participação social, pois suas funcionalidade e incapacidade são determinadas pelo contexto ambiental no qual ele vive.202

Na CIF, encontra-se a descrição da funcionalidade, retratada pelas funções e estruturas do corpo, atividade e participação social, e a incapacidade relacionada às condições de saúde, servindo esta como parâmetro para a construção do IF-Br – Índice de Funcionalidade Brasileiro –, realizando-se uma revisão de conceitos, estruturação e adaptação dos itens que se referiam a aspectos da funcionalidade e aos componentes de Atividades e Participação do instrumento internacional.

As categorias presentes na CIF identificam os aspectos da funcionalidade que são importantes para o indivíduo. A fim de distinguir a integridade ou gravidade dos problemas que uma categoria específica pode apresentar, a CIF apresenta uma lista de qualificadores genéricos, conforme observa-se no Quadro203 a seguir:

Quadro 2: Qualificadores Genéricos da CIF

Pontuação Descrição Qualitativa da Dimensão do Problema Relação quantitativa

0 Nenhum problema (nada, ausente, negligenciável) 0 – 4%

1 Leve (pouco, pequeno, ...) 5 – 24%

2 Moderado (médio, razoável, ...) 25 – 49%

3 Grave (alto, externo, ...) 50 – 95%

4 Completo (total, ...) 96 – 100%

8 Não especificado (a informação disponível não é suficiente para

quantificar a gravidade do problema) -

9 Não aplicável -

O referido quadro mostra que para indicar que uma categoria não apresenta problema, utiliza-se o qualificador 0 (zero). Do mesmo modo, se a gravidade for progressiva, utiliza-se os qualificadores 1 a 4. Por sua vez, o qualificador 8 indica que a informação não foi colhida adequadamente, e o 9 refere-se a informações gerais do contexto social daquela pessoa.

202 REBELO, Paulo. A Pessoa com Deficiência e o Trabalho. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008, p.

27.

203 BATTISTELLA, Linamara Rizzo; BRITO, Christina May Moran de. Classificação Internacional de

Funcionalidade (CIF). International Classification of Functioning Disability and Health (ICF). Acta

Enquanto a funcionalidade adentra o aspecto positivo, a incapacidade insere-se no aspecto negativo, resultante da interação apresentada pelo indivíduo, bem como a limitação de suas atividades, a restrição na participação social e os fatores ambientais.

[...] Interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreira para o desempenho dessas atividades e da participação.204

Logo, as disfunções podem atuar tanto como facilitadoras como barreiras para o desempenho das atividades, determinando-se as possibilidades e proibições do indivíduo frente ao seu cotidiano, sendo a abordagem indicada a que envolve o aspecto biopsicossocial, quando há incorporação dos componentes de saúde nos níveis corporal e social, a partir das interações das dimensões biomédicas, psicológicas e sociais.

Assim, quando da realização da perícia, serão avaliados os aspectos funcionais físicos da deficiência, bem como os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo e nas atividades que o segurado desempenha.

De forma similar se orienta a perícia ante a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez, considerando-se também outros aspectos relevantes, como a condição socioeconômica, profissional e cultural do segurado, tal como apresenta os seguintes julgados:

Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Trabalhadora rural. Requisitos preenchidos. Qualidade de segurado. Prova material. Incapacidade parcial e permanente. Laudo pericial. Carência. Juros. Correção monetária. Termo inicial. Laudo pericial. Juros. Correção monetária. Honorários advocatícios. Custas. Isenção.

5. Laudo médico pericial (fls. 72/74), conclui que a autora padece de hipertensão crônica, em tratamento, com leves sinais de insuficiência cardíaca leve e sua limitação laborativa é irreversível.

6. Limitação laborativa parcial, porém irreversível, somadas às condições pessoais da segurada para o exercício de sua profissão de trabalhadora rural, acrescentando-se o seu baixo grau de escolaridade, meio social em que vive, idade avançada, nível econômico e atividade desenvolvida, sendo inviabilizada, em função da idade, adaptação em atividade profissional

204 FARIAS, Norma; BUCHALLA, Cassia Maria. A Classificação Internacional de Funcionalidade,

Incapacidade e Saúde da Organização Mundial de Saúde: Conceitos, Usos e Perspectivas. Ver.

diversa daquela a que dedicou sua vida, impõem-se a concessão da aposentadoria por invalidez.

12. Apelação provida, nos termos dos itens 7, 8, 9 e 10.205

No mesmo sentido, dispõe o seguinte julgado:

Previdenciário. Problemas no ombro direito, braço esquerdo e na coluna lombar. Perícia que aponta a existência de incapacidade parcial e permanente. Trabalhadora braçal, com 46 anos de idade e escolaridade primária. Baixa probabilidade de inserção no mercado de trabalho. Circunstâncias que autorizam a concessão de aposentadoria por invalidez. Marco inicial. Dia subsequente a cessação do último auxílio-doença percebido. Antecipação dos efeitos da tutela no corpo da sentença. Possibilidade. Requisitos do Art. 273 do CPC preenchidos. Recursos desprovidos.

Para a concessão de aposentadoria por invalidez, o entendimento consolidado nesta Corte de Justiça orienta-se na direção de admitir, como salutar medida de justiça, sejam considerados não só os requisitos estampados no artigo 42 da Lei n. 8.213 /91, mas também os aspectos profissionais, culturais e sócio-econômicos do segurado, ainda que o expert tenha opinado haver possibilidade de reabilitação profissional. “Em face das limitações impostas pela moléstia incapacitante, avançada idade e baixo grau de escolaridade, seria utopia defender a inserção da segurada no concorrido mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo qual faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez.”206

Observa-se, então, que para concessão dos benefícios por incapacidade, há uma análise que ultrapassa a perícia médica, pois, além da condição física, avalia- se também a condição social do requerente. De tal modo, essa análise se relaciona ainda com o modelo social proposto pela Convenção de Nova Iorque, quando o ambiente externo e as barreiras externas apresentadas possuem íntima relação com a concessão do benefício, bem como o de sua gravidade.

Sobre tal orientação, Ivan Kertzman assevera o seguinte:

Realmente, é fundamental que, para a concessão do benefício por incapacidade, a perícia médica avalie não só a condição física do segurado, mas a sua condição social (incapacidade social). É natural, por exemplo, que a perícia do INSS considere aspectos como a idade do segurado, a sua condição social e cultural, o estigma de sua doença para conceder o benefício. Nota-se que tais aspectos influenciam diretamente na capacidade de recuperação do segurado [...] A incapacidade social tem sido

205 TRF1 - 2ª T. – AC 2001.38.02.0001.443-7/MG – Rel. Des. Fed. Francisco de Assis Betti – DJF1

19.01.2009, p. 41.

206 Agravo Regimental no Recurso Especial n. 100.0210/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,

Quinta Turma, j. em 21 set. 2010.

TJSC, Apelação Cível n. 2011.006039-2, de Blumenau, Rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 30 mar. 2012.

Apelação Cível n. 2013.039137-2, de Mondaí, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Terceira Câmara de Direito Público, j. 13 ago. 2013.

TJ-SC, Apelação Cível n. 20130470843, SC 2013.047084-3 (Acórdão) Data de publicação: 23 jun. 2014.

recepcionada pelos nossos tribunais. A Súmula 78, da TNU, por exemplo, dispõe que “comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença”.207

No mesmo sentido, afirma Daniel Pulino:

Assim, por exemplo, a contingência invalidez seria maior para os segurados mais velhos (ou, sob outro enfoque, tal contingência se torna maior, eleva-se a medida que o segurado fica mais velho), e, para os de menor instrução (profissional e sobretudo a geral, que é básica). Inversamente, a contingência seria de menor probabilidade para os segurados mais jovens e com maior nível de instrução, porque, afinal, estes têm maiores chances de se readaptar para o exercício de atividade outra que lhes garanta subsistência.208

No que se refere ao benefício de Aposentadoria da pessoa com deficiência, por força do art. 2º, § 1º do Decreto nº 8.145/13, após a realização de exigências e diligências possíveis por parte do INSS, caso se verifique que o requente não preenche os requisitos mínimos para a concessão do benefício, este é indeferido pelo motivo de que “a deficiência não foi avaliada pela perícia própria do INSS, por não preenchimento dos requisitos mínimos”.

Os requisitos mínimos seriam: o cumprimento de 20 anos de contribuição, se mulher, e 25 anos, se homem, no caso da aposentadoria por tempo de contribuição, que é o tempo mínimo exigido caso seja identificada uma deficiência grave; e 15 anos de contribuição acrescido aos 55 anos de idade, se mulher, e 60 anos, se homem, no caso da aposentadoria por idade.

Todavia, a não oportunização à parte de se realizar a perícia seria uma afronta ao princípio da ampla defesa, tal como observa João Marcelino Soares209, pois, segundo Marcelo Barroso Lima Brito de Campos210, de tal princípio decorrem várias situações concretas, como a possibilidade de as partes se manifestarem no

207 KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 14. ed. ver., ampl. e atual. Salvador:

Ed. JusPodivm, 2016, p. 386.

208 PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr,

2001, p. 131.

209 SOARES, João Marcelino. Aposentadoria da Pessoa com Deficiência: a busca pela efetiva tutela

administrativa. In: SERAU JUNIOR, Marco Aurélio; FOLMANN, Melissa. (Org.). Previdência

Social: Em Busca da Justiça Social. Homenagem ao Professor Dr. José Antônio Savaris. São

Paulo: LTr, 2015, p. 143.

210 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Curso de Processo Administrativo Previdenciário.

processo, ter vista dos autos, requerer e produzir provas, recorrer e contra-arrazoar recursos.

No dia da avaliação médica, deve o perito preencher os formulários com a identificação da avaliação e do avaliado, caracterização do avaliado com diagnóstico médico, tipo de impedimento, datas técnicas, história clínica, funções corporais acometidas e aplicação do instrumental com a pontuação nas 41 atividades divididas nos sete domínios, com a observação das barreiras externas e as respostas para incidência do método linguístico Fuzzy.