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Durante séculos, diversas explicações foram utilizadas para entender os distúrbios que as pessoas com deficiência apresentam. Teorias sobrenaturais e naturalistas foram traçadas até se chegar à pesquisa e à análise que se tem atualmente.

O método utilizado para classificar se uma pessoa apresenta ou não deficiência, segundo Charles Telford e James Sawrey, se baseia na concepção quantitativa, em contraposição à concepção qualitativa.

A concepção qualitativa encara as pessoas com deficiência como constituintes de uma classe separada, distinta de pessoas, consideradas possuidoras de traços e características que as diferenciam das outras pessoas. Na concepção quantitativa, as diferenças entre as pessoas “normais” e “anormais”, constituem-se apenas diferenças de grau, não de espécie. Por exemplo, em uma criança mentalmente retardada são realizados testes e analisado o rendimento escolar, a competência e interação social que ela apresenta.

Logo, do ponto de vista da concepção quantitativa, o mentalmente retardado só pode ser entendido de acordo com sua idade mental e das condições ambientais que condicionaram o seu sistema motivacional. O cego pode ser tratado como uma pessoa normal com reduzida percepção sensorial. A pessoa que tem problemas motores, simplesmente apresenta limitações quanto à locomoção.

A pessoa com deficiência é assim entendida quando há consequências na participação dos deficientes em sociedade e na construção da sobrevivência e reprodução social, não correspondendo, portanto, a um padrão normativo.

Importante é complementar que as influências sociais são responsáveis por algum tipo de classificação e padronização de traços referentes às pessoas com deficiência.

As crianças que têm, cronologicamente, 10 anos de idade e, mentalmente, 15 anos (e, por conseguinte, são intelectualmente bem dotadas), podem diferir de um modo muito significativo, das crianças que têm, cronológica e mentalmente 15 anos (e são, pois, intelectualmente normais), porque a sociedade as percebe como indivíduos diferentes, tratam-nas diferentemente e espera que elas atuem de modo diferente.154

Em uma visão mais atual, Sandra Morais de Brito Costa conceitua a pessoa com deficiência como aquela que:

[...] apresenta perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano, observados os parâmetros legais exigidos.155

Logo, as pessoas com deficiência podem ser entendidas como o conjunto de indivíduos que são cometidos por alterações funcionais do corpo humano e que limitam sua atuação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, havendo barreiras que potencializam a referida alteração funcional, existindo, assim, um grau de dificuldade para que se defina e conceitue a pessoa com deficiência. “Nestes termos, passou-se a compreender que todo indivíduo com deficiência seja portador de deficiência, mas nem todo portador de deficiência encontra-se em condição de deficiência”156.

A Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), de 1989, restringe o conceito ao tratar a deficiência como “perda ou anormalidade” de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica.

A composição dos indivíduos em sociedade possibilita a visualização da existência de grupos de pessoas que necessitam de maior proteção, seja por fatores pessoais, seja pela necessidade de equalização de condições histórico-sociais ou pela existência de “disfunções biológicas”. Tal proteção diferenciada se faz necessária para que tais indivíduos possam desenvolver e exercer a plenitude de sua dignidade em sociedade, pois se todos os indivíduos gozam de igual dignidade, a não equivalência do exercício e do desenvolvimento desta faz com que estes indivíduos mereçam um tratamento jurídico diferenciado em relação aos demais membros da sociedade – inclusive, para que ambos possam gozar em igualdade de condições os espectros de sua cidadania em um dado Estado de Direito.157

155 COSTA, Sandra Morais de Brito. Dignidade Humana e Pessoa com Deficiência: aspectos

legais trabalhistas. São Paulo: LTr, 2008, p. 29.

156 COSTA-CORRËA, André L. O Conceito de Pessoa com Deficiência: Implicações da Hermêutica

Constitucional para a Compreensão do Significado do Conceito Previsto na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e

garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Editora Boreal, 2016, p. 24.

157 COSTA-CORRËA, André L. O Conceito de Pessoa com Deficiência: Implicações da Hermêutica

Constitucional para a Compreensão do Significado do Conceito Previsto na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e

Ser deficiente, segundo as considerações de Charles Telford e James Sawrey158, é ser raro e incomum e, ao mesmo tempo, detentor de “problemas” presentes em muitas pessoas.

Existem diversas formas para caracterização da deficiência, cada qual com diferentes graus e maneiras necessitando de “cuidados especiais”. É subjetivo conceituar tal pessoa como “normal” e aquela outra como “anormal”, já que a concepção de normalidade foi criada pela sociedade de acordo com os seus próprios padrões.

Conforme mencionado alhures, em qualquer sociedade é possível identificar um conjunto de indivíduos que em razão de condições físicas e/ou biológicas, “naturalmente próprias” ou adquiridas, apresentam dificuldade em exercer plenamente e em condição de igualdade, com os demais membros da sociedade a plenitude de sua cidadania e de sua dignidade humana em um dado meio social. Sendo que tais condições físicas e/ou biológicas não estão relacionadas a questões de gênero ou de idade de seus portadores, bem como não estão relacionadas à existência ou não de limitações (barreiras) sociais porque dizem respeito às condições subjetivas dos indivíduos – o que não quer dizer que o não exercício pleno de sua cidadania ou de sua dignidade não possa ser devido, em parte, pela existência de barreiras no meio social ou pela não utilização de meios corretivos.159

O Decreto nº 914 de 1993160, ao regulamentar a Lei nº 7.853 de 1989161, conceitua deficiência como aquela que:

Apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

A Lei nº 8.742 de 1993, § 2º do art. 20, inscreve que “pessoa portadora de deficiência” é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

Por sua vez, o Decreto nº 3.298 de 1999162, art. 4º, define pessoa com deficiência como aquela que apresenta deficiência física, auditiva, visual, mental e múltipla.

158 TELFORD, Charles; SAWREY, James. O Indivíduo Excepcional, São Paulo: Zahar, 1974. 159 COSTA-CORRËA, André L. O Conceito de Pessoa com Deficiência: Implicações da Hermêutica

Constitucional para a Compreensão do Significado do Conceito Previsto na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas Com Deficiência. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e

garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Editora Boreal, 2016, p. 22.

160 BRASIL. Decreto n. 914, de 06 de setembro de 1996. 161 BRASIL. Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989.

Ainda para o referido Decreto, a deficiência deve ser entendida como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho da atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”.

O Decreto nº 3.956 de 2001 internalizou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, prescrevendo sobre o significado de deficiência, em seu art. 1º, da seguinte forma:

Uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

Para o Decreto nº 10.690 de 2003163, a expressão “pessoa portadora de deficiência” deve abranger o conjunto de pessoas portadoras de deficiência visual, física, mental severa ou profunda, além dos autistas.

Já o Decreto nº 5.296 de 2004164 estabelece que:

Pessoa portadora de deficiência pode ser entendida como aquela que apresenta limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade e se enquadra em uma das seguintes deficiências, a saber: física, auditiva, visual, mental e múltipla.

Em relação aos conceitos utilizados para caracterizar a pessoa com deficiência física, mental e deficiência múltipla, tem-se que a primeira se traduz, conforme Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, como:

Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, tendo como consequência o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.165

163 BRASIL. Decreto n. 10.690, de 16 de junho de 2003. 164 BRASIL. Decreto n. 5.296, de 02 de dezembro de 2004.

165 FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direito das Pessoas com Deficiência. Rio de Janeiro:

Já a deficiência mental é tratada pela American Association on Intellectual and Developmental Disabilities166 como uma diminuição de intelectual com prejuízo no comportamento adaptativo com ocorrência anterior aos 18 anos de idade. Tal Associação167 trata que esta deficiência corresponde a um desenvolvimento mental significativamente abaixo da média, havendo limitações a duas ou mais de áreas de habilidade adaptativas, tais como comunicação, autocuidado, habilidades sociais, participação familiar e comunitária, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, de lazer e de trabalho, e que seja manifestada antes dos 18 anos de idade. A deficiência múltipla, por sua vez, refere-se à associação entre duas ou mais deficiências.

Para a Convenção da ONU, o conceito de deficiência se relaciona com a “interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Tal orientação, que é a concepção atual utilizada, se insere no contexto inicial já trazido por Charles Telford e James Sawrey, em relação à aplicação do método quantitativo, em que as diferenças são de grau e não de espécie, havendo somente um prejuízo da pessoa com deficiência na sociedade, ou seja, o ambiente externo é o que de fato influencia na caracterização da deficiência.

Sob esse viés, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, § 1º, art. 2º, determina que a avaliação da deficiência será biopsicossocial, que considerará os impedimentos nas funções e estruturas do corpo, bem como os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, além da limitação no desempenho de atividade, bem como a restrição de participação.

A Lei complementar nº 142, por sua vez traz, em seu art. 2º, o conceito da pessoa com deficiência:

Art. 2o [...] aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,

mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

166 Em 2007, em atenção às novas políticas de terminologia – que refletem os avanços do campo de

estudo - a “American Association on Mental Retardation” passou a se chamar “American Association on Intellectual and Developmental Disabilities”.

167 AAMD - American Association on Mental Retardation. Mental retardation: Definition, classification

Tal conceito respalda-se no art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que aborda a questão da deficiência sob o ponto de vista do modelo social, e não do modelo médico, puramente técnico. Assim, a deficiência não seria entendida fisiologicamente, mas aquela que se orienta conforme a dificuldade de integração em sociedade, tendo em vista a discriminação existente e que impõe obstáculos para a inserção social da pessoa em igualdade de condições com os demais indivíduos.

Doutrinariamente, Luiz Alberto David Araújo assevera que:

O que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para integração social é o que definirá quem é ou não portador de deficiência.168

Ao considerar e conceituar ainda a deficiência como proveniente de uma dificuldade de inclusão e integração social, Luiz Alberto David Araújo argumenta que:

Poderemos, ainda, imaginar uma colônia de hansenianos. Na sociedade constituída para abrigar esse grupo de doentes, cada um deles está perfeitamente integrado, com família constituída, relacionamento profissional e social. Naquela sociedade, não se pode falar em pessoa com deficiência; fora desse ambiente, seria manifesto o problema. A deficiência, portanto, há de ser entendida levando-se em conta o grau de dificuldade para a inclusão social e não apenas a constatação de uma falha sensorial ou motora, por exemplo.169

Observa-se, portanto, que as barreiras e participação em sociedade em igualdade de condições são os fatos que influenciam, junto às dificuldades corporais, intelectuais ou sensoriais, para que uma pessoa seja classificada com deficiência ou não, sendo o meio social do indivíduo fator determinante. Em vista disso, os critérios utilizados para a caracterização da deficiência e a consequente concessão da aposentadoria a esse grupo de pessoas são aqueles adotados pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tal como apresentado pelo art. 2º da Lei Complementar nº 142 de 2013. Assim, a concepção atualmente

168 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de

deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência – CORDE, 2001, p. 20.

169 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de

deficiência. 3. ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

seguida refere-se à intersecção existente entre deficiência física, mental, intelectual ou sensorial versus interação social.

6. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO RECONHECIMENTO DA PESSOA COM