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1. DIREITOS HUMANOS: BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA

2.6 Estatuto da Pessoa com Deficiência

Em disposições preliminares, o art. 1º da Lei nº 13.146/201560 determina o seguinte:

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Parágrafo único. Esta lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

A promulgação do referido Estatuto é consequência direta das obrigações impostas ao Brasil pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que equivalem, no direito interno, às emendas constitucionais formais, por força da aprovação, conforme os moldes previstos no § 3º do art. 5º da Constituição.

O Estatuto da pessoa com deficiência elenca o direito à igualdade e à não discriminação da pessoa com deficiência – tal como apresentado na Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência e também na Convenção nº 111 da OIT – a ter uma vida digna – conforme art. 1º, III, da Constituição Federal – bem como o direito à moradia, à assistência e à previdência social, à cultura, esporte, lazer e turismo, ao transporte e mobilidade, à acessibilidade, informação, comunicação e tecnologia assistida e desenvolvimento científico, devendo estes ser garantidos pelo Estado, sociedade e família. A lei garante ainda o direito à habilitação e reabilitação, à saúde, educação e trabalho, segundo também se observa em parte dos direitos sociais assegurados pelo art. 6º da Constituição Federal.

Referido estatuto é influenciado pelos termos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, também conhecida como Convenção de Nova Iorque, a qual foi subscrita pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de

julho de 2008, que com a promulgação do Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, teve sua vigência.

Sob a influência da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, dispõe o art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência que:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III – a limitação no desempenho de atividades; e

IV – a restrição de participação.

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.

Quanto à perícia biopsicossocial, esta ocorre quando considera os aspectos sociais que circundam a vida da pessoa com deficiência, acrescido de dados médicos que venham a demonstrar a incapacidade. Há, assim, uma superação do modelo biológico para se considerar também a escolaridade, profissão e composição familiar, conforme aborda a Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde.

Daniel Pulino, ao abordar a questão da incapacidade na aposentadoria por invalidez, embora haja algumas diferenciações em relação à deficiência, no que se refere aos conceitos apresentados, traça uma análise também social sobre o caso:

Aferição da invalidez não se resume, portanto, numa comprovação de ordem exclusivamente médica – embora seja uma condição necessária para a edição do ato de concessão do benefício –, compreendendo um juízo complexo, em que se deve avaliar a concreta possibilidade de o segurado conseguir retirar do próprio trabalho renda suficiente para manter sua subsistência em patamares, senão iguais, ao menos compatíveis com aqueles que apresentam antes de sua incapacitação, e que foram objetivamente levados em consideração no momento de quantificação das suas contribuições para o sistema – dentro, sempre, dos limites de cobertura do regime geral de previdência social.61

Sob esse mesmo viés, dispõe o § 2º do art. 16 do Decreto nº 6.21462, em relação ao benefício de prestação continuada, que “a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais”, e a avaliação médica “considerará as

61 PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTr,

2001, p. 115.

deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”.

Outro artigo interessante tratado no Estatuto da Pessoa com Deficiência é o 4º, que dispõe o seguinte:

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistidas.

Frisa-se que tal dispositivo em comento guarda íntima relação com o princípio da igualdade, art. 5° da CF, e também com a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.

No mesmo sentido trata o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que proclama que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”.

Todavia, para que o princípio da igualdade verta aplicabilidade prática, é importante que os entes legitimados adotem medidas que visem à efetivação dos direitos assegurados na Constituição. Para tanto, há uma desigualação a fim de se atingir a verdadeira igualdade e, nesse sentido, insere-se os privilégios que diminuem o tempo de contribuição para concessão da aposentadoria às pessoas com deficiência.

O art. 39 é também de bastante relevância no estatuto e trata o seguinte: Art. 39. Os serviços, os programas, os projetos e os benefícios no âmbito da política pública de assistência social à pessoa com deficiência e sua família têm como objetivo a garantia de segurança de renda, da acolhida, da habilitação e da reabilitação, do desenvolvimento da autonomia e da convivência familiar e comunitária, para a promoção do acesso a direitos e da plena participação social.

Em correspondência com o art. 39 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o art. 2º, I, d, da Lei nº 8.472/93, assegura:

A reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, bem como a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Ainda com relação à garantia de um salário-mínimo à pessoa com deficiência, que se refere ao benefício de prestação continuada, o art. 40 prescreve que “É assegurado à pessoa com deficiência que não possua meios para prover sua subsistência nem de tê-la provida por sua família o benefício mensal de 1 (um) salário- mínimo, nos termos da Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993”.

Também em correspondência com o benefício de prestação continuada, de caráter assistencial, o art. 203 da Constituição Federal dispõe:

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário- mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Observa-se, portanto, que já haviam disposições relativas ao recebimento de algum benefício mensal à pessoa com deficiência, porém, estas não possuíam viés previdenciário, embora, em algumas deficiências fosse possível enquadrar o segurado para recebimento da Aposentadoria por invalidez, tal como será apresentado mais adiante.

Nesse sentido, o art. 41 trata que “A pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem direito à aposentadoria nos termos da Lei Complementar n. 142, de 8 de maio de 2013”63.

Ainda com relação aos benefícios previdenciário e assistenciais, o art. 28.1 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, determina que:

Os Estados-partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência [...] e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria.

Ainda apresenta o art. 9º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que “Os Estados-partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social.

Na legislação brasileira, o art. 3º, IV, a, da Lei nº 12.764/2012, prescreve que “São direitos da pessoa com transtorno do aspecto autista [...] IV o acesso [...] d) à previdência social e à assistência social”.

Artigo também de importância para o presente estudo é o 105, conforme segue:

Art. 105: O art. 20 da Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário- mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

A redação anterior do mencionado dispositivo conceituava a pessoa com deficiência como “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas".

A diferença atual se restringe ao advérbio diversas, pois a expressão utilizada é uma ou mais barreiras. Tal entendido se origina da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Na linha de raciocínio e objeto de estudo do presente trabalho, por fim, o art. 3º da Lei Complementar nº 142 de 2013, garante aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:

I – os 25 anos de tempo de contribuição, se homem, e aos 20 anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave; II – aos 29 anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 anos, se mulher, no caso de segurado de deficiência moderada; III – aos 33 anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou IV – aos 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.

Observa-se, então, que, embora um caminho ainda deva ser percorrido no que tange à conquista dos direitos a serem garantidos à pessoa com deficiência, inclusive no campo previdenciário, o Estatuto retrata avanços quanto a dignificar esses indivíduos, tal como quando da apresentação da Lei Complementar nº 142 de 2013.

Além disso, por ser o Estatuto, conforme apresentado em seu art. 1º, consequência direta das obrigações impostas ao Brasil pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – que é originária dos Direitos Humanos – e sendo a referida Convenção objeto primário para o advento do benefício de aposentadoria da pessoa com deficiência, sua importância ocorre na medida em que contextualiza, junto às normas internacionais, os meios empregados para a concepção da referida aposentadoria que visa atender o princípio maior da Constituição Federal e dos Direitos Humanos, qual seja: a dignidade da pessoa humana.