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3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A RESPEITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

4.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Para Vilian Bollmann: “a partir da religião cristã, em especial o período estoico, surge a ideia de que a dignidade é uma qualidade de todo ser humano e que ela distingue este dos animais”83.

O princípio da dignidade da pessoa humana destacou-se a partir da Segunda Guerra Mundial, após a instauração do holocausto e a realização da Convenção de Genebra, posteriormente reconhecida na Constituição Federal, por meio do art. 1º, III, com reflexos oriundos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Frisa-se, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma das maiores conquistas do homem – tendo consagrado os valores de liberdade, igualdade, fraternidade e dignidade –, proporcionando-lhe a condição de existência em plenitude, com os valores que comungam entre si, de forma social e política.

O art. 1º da Declaração trata que todos os homens nascem livres e iguais, tanto em dignidade como em direitos, tendo consagrado os valores de liberdade, igualdade, fraternidade e dignidade, que proporciona ao homem a condição de existência em plenitude, com os valores que comungam entre si, de forma social e política.

83 BOLLMANN, Vilian. Previdência e justiça: o direito previdenciário no Brasil sob o enfoque da

A dignidade não pode ser entendida como privilégio de alguns por conta das razões étnicas, culturais e econômicas, mas sim como uma qualidade de todo e qualquer ser humano.

Sobre o assunto, Ingo Wolfgang Sarlet aponta que a dignidade da pessoa humana seria:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos de sua própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.84

Ingo Wolfgang Sarlet ainda complementa que:

Num primeiro momento – convém frisá-lo –, a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando, portanto – tal como sinalou Benda –, a condição de valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste contexto, que, na sua qualidade de princípio e valor fundamental, a dignidade da pessoa constitui – de acordo com a preciosa lição de Judith Martins-Costa – autêntico “valor fonte que anima e justifica a própria existência de um ordenamento jurídico”, razão pela qual, para muitos, se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa.85

Nesse sentido, o princípio da dignidade da pessoa humana caracteriza-se como um superprincípio, que orienta todo o sistema normativo. Logo, em qualquer análise jurídica interpretativa, ainda com mais ênfase se o estudo proposto se relaciona com os direitos fundamentais e/ou humanos fundamentais, realizar uma abordagem baseada no princípio da dignidade da pessoa humana torna-se tarefa obrigatória.

Ainda sobre a essência da dignidade da pessoa humana, Fábio Konder Comparato trata que esta:

84 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2008, p. 111.

85 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do

Não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como fim em si mesmo e nunca como meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, somente a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, um ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Daí, decorre, como assinalou o filósofo, que todo o homem tem dignidade, e não um preço, como as coisas.86

Conceitualmente, Cármen Lúcia Antunes Rocha, ministra do Supremo Tribunal Federal, define a dignidade como:

Dignidade é o pressuposto da ideia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Por isso, é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social. Não há de ser mister ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal.87

A dignidade da pessoa humana independeria de merecimento pessoal ou social, uma vez que, conforme assinala Ingo Wolfgang Sarlet88, é qualidade intrínseca do ser humano, sendo, assim, inerente a qualquer pessoa.

Desse modo, observa-se que os direitos fundamentais são decorrentes da própria noção de dignidade da pessoa humana, e junto à hierarquização de princípios, encontra-se este em patamar superior.

Sobre o assunto, assim se posiciona Flávia Piovesan:

[...] é no valor da dignidade humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e Interno, [...] a dignidade humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade. A dignidade humana simboliza, deste modo, um verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, nas esferas local e global, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade e sentido.89

Para tanto, o princípio da dignidade da pessoa humana é qualificado pela Constituição Federal como fundamental do Estado Democrático de Direito.

86 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,

1999, p. 20.

87 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.

Revista Interesse Público, ano 1, n. 4, p. 23-48, 1999, p. 26.

88 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2008.

89 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira

de 1988. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, 2004, p. 92.

Pode-se afirmar que a promoção da dignidade da pessoa humana é indispensável ao desenvolvimento e à realização da pessoa humana em toda a sua plenitude, dentro de uma sociedade moderna e considerada civilizada [...]. Nesse passo, é nítida a preocupação do constituinte em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana como imperativo de justiça social.90

Uma vez que a dignidade da pessoa humana é absoluta, irrenunciável e insubstituível, não pode o homem dela dispor, pois esta não possui preço. É, pois, princípio não sujeito a ponderação ligado à teoria de um mínimo essencial e que garanta subsistência, tal como ocorre com os benefícios previdenciários. Ademais, Rizzato Nunes também afirma que a dignidade da pessoa humana “é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais”91.

Afirma-se que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de promover as condições que removam os obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade. Além desta vinculação (na dimensão positiva e negativa) do Estado, também estão vinculadas todas as entidades privadas, bem como os particulares. Assim, segundo Sarlet, pela sua natureza igualitária e por exprimir a ideia de solidariedade entre os membros da comunidade, o princípio da dignidade da pessoa humana vincula também no âmbito das relações particulares.92

Nesse sentido trata também Wambert Gomes Di Lorenzo, ao afirmar que “a dignidade da pessoa humana é o valor basilar do Estado. O Estado não tem outra razão de ser, senão busca-la e realiza-la”93. Nesse contexto, todos os benefícios previdenciários têm por intenção também dignificar a pessoa humana, que é representada pelos contribuintes do sistema previdenciário. A espécie de aposentadoria da pessoa com deficiência também possui, indiretamente, um claro objetivo: dignificar a pessoa humana com deficiência.

90 PEDROZA, Elenice Hass de Oliveira. O Direito à Seguridade Social na Perspectiva do Sistema

Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. 2014. 155 f. Dissertação (Mestrado em

Ciência Jurídica) - Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí-SC, 2014, p. 67.

91 NUNES, Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: Doutrina e

Jurisprudência. 2. ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 53.

92 BOLLMANN, Vilian. Previdência e justiça: o direito previdenciário no Brasil sob o enfoque da

teoria da justiça de Aristóteles. Curitiba: Juruá, 2009, p.49-50.

93 LORENZO, Wambert Gomes Di. Teoria do estado de solidariedade: da dignidade da pessoa

Para Águida Arruda Barbosa, “a dignidade da pessoa humana deve ter por princípio garantir os meios de uma existência humana adequada, de uma digna existência humana”94.

Roberta Soares da Silva cita que:

O homem é digno de ser homem porque dispõe da essência que é a humanidade, de poder ter direito à vida, à igualdade, à liberdade, de ser tratado com respeito, de ser tratado não como meio, mas como fim, em razão de ser considerado superior a todos os outros seres, por possuir o que esses seres não têm: a consciência e a razão.95

Por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, é possível que o homem resgate os valores essenciais, respeitando os demais, ao praticar, conjuntamente, a solidariedade.

Para a autora Roberta Soares da Silva:

É preciso que o homem trate a si mesmo e a seus semelhantes com humanidade, com respeito, de modo que não seja visto como mero instrumento para a consecução de uma finalidade qualquer, mas capaz de se submeter às leis oriundas de sua própria vontade, por intermédio de seus representantes, e de poder formular um projeto de vida deliberado e consciente. O homem possui autonomia, livre arbítrio para decidir o próprio caminho.96

Sobre o assunto, Ulrich Beck elucida que:

Na incerteza das valorações morais do mundo contemporâneo que aumentou com as duas guerras mundiais, pode-se dizer que a exigência da dignidade da pessoa humana venceu uma prova, revelando-se como pedra de toque para a aceitação dos ideais ou das formas de vida instauradas ou propostas; isso porque as ideologias, os partidos e os regimes que, implícita ou explicitamente, se opuseram a essa tese mostraram-se desastrosos para si e para os outros.97

94 BARBOSA, Águida Arruda. A prática da dignidade da pessoa humana: mediação interdisciplinar.

Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, a. 9, v. 11, 2005, p. 36.

95 SILVA, Roberta Soares da. A concreção eficacial do princípio da contrapartida no sistema de

seguridade social: uma proposta de orçamento. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 42.

96 SILVA, Roberta Soares da. A concreção eficacial do princípio da contrapartida no sistema de

seguridade social: uma proposta de orçamento. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 42.

97 BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo. Respostas à globalização.

Portanto, observa-se que a dignidade da pessoa humana é condição essencial do ser humano e, por meio desta, é possível garantir o mínimo essencial, com a assunção de uma vida justa.

Logo, faz-se importante que as normas de proteção e tratamento dispensados à pessoa com deficiência sejam analisadas conforme o princípio da dignidade humana, vez que tal princípio deve orientar o rumo a ser tomado pelo legislador, ao produzir as normas, e pelo Estado, quando da adoção de políticas públicas de proteção e inclusão de pessoas com deficiência.

Quanto à dignidade da pessoa humana na perspectiva da pessoa com deficiência, Ingo Wolfgang Sarlet cita que “também o absolutamente incapaz possui exatamente a mesma dignidade que qualquer outro ser humano física e mentalmente capaz”98.

Para Luiz Alberto David Araújo, “a proteção das pessoas com deficiência é um modo de preservar a cidadania e a dignidade do ser humano, extinguindo-se as desigualdades sociais”99.

Conclui-se, então, que analisar a deficiência sobre a ótica da dignidade da pessoa humana é visualizar que esta é possuidora dos mesmos direitos que seu observador, portanto, o que muda, é a lente.