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3. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA A RESPEITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

4.5 Princípio da Solidariedade

Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme art. 3º, I, da Constituição Federal.

A DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos – fundamenta que o princípio da solidariedade é fundamental nos direitos humanos, tal como apresentado no art. 1º, quando assevera que todos os seres humanos devem agir reciprocamente com espírito de solidariedade; é, outrossim, norteador dos direitos econômicos e sociais, presentes nos arts. XXII a XXVI, que corresponde à proteção

131 BOLLMANN, Vilian. Previdência e justiça: o direito previdenciário no Brasil sob o enfoque da

de classes ou grupo sociais menos favorecidos, vez que estes necessitam do amparo estatal.

De acordo com Émile Durkheim132, a solidariedade poderia ser entendida como a interdependência recíproca ou vinculação dos membros do grupo que convive comunitariamente, tendo este pensador dividido a solidariedade em mecânica e orgânica, sendo a primeira presente nas sociedades pré-capitalistas, quando da identificação da família, religião, tradição e costumes, havendo uma independência e autonomia em relação à divisão do trabalho social. Assim, há uma consciência coletiva em que se exerce o poder de coerção sobre os indivíduos; já a solidariedade orgânica é aquela típica das sociedades capitalistas, em que, por meio da acelerada divisão do trabalho social, os indivíduos se tornam independentes, havendo uma união social em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas.

Assim, ao mesmo tempo em que os indivíduos são mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e tende a desenvolver maior autonomia pessoal. A passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica é o motor da transformação de toda e qualquer sociedade.133

Sobre o assunto, ainda trata Vilian Bollmann:

A solidariedade é o valor e a ideia básica do Direito, influenciando-se as individualidades dos indivíduos ao estipular prestações entre membros de um grupo social e, com este estabelecimento de vínculos, aproximando-se de um ideal de justiça social e distributiva. Funda-se na Moral e se expressa na vontade livre do ser em ajudar seus semelhantes.134

Para tanto, nas sociedades presentes na Constituição, há no processo de desenvolvimento, além do Estado e suas instituições, as instituições privadas e demais membros da comunidade social. Em tal contexto, Hovarth Junior argumenta:

Por meio do princípio da solidariedade social, o Estado, utilizando-se de vários instrumentos, distribui os efeitos econômicos das contingências entre

132 DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. Lisboa: Presença Ltda. 1989, p. 35-78. 133 HORVATH JÚNIOR, Miguel; SILVA, Roberta Soares da. Direitos Humanos e Pessoa com

Deficiência: uma Visão Integrativa. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e

garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Editora Boreal, 2016, p. 93.

134 BOLLMANN, Vilian. Previdência e justiça: o direito previdenciário no Brasil sob o enfoque da

o maior número de pessoas, com o que se efetiva o dever inescusável de prestação mútua diante da adversidade.135

Para Ivan Kertzman, “o princípio da solidariedade é o pilar de sustentação do regime previdenciário. Não é possível a compreensão do sistema sem que o conceito de solidariedade esteja consolidado”136.

Segundo Pedro Vidal Neto:

A solidariedade social está nas raízes da Seguridade Social, impedindo todas as pessoas a conjugarem esforços para fazer face às contingências sociais, por motivos altruístas ou não, desde que os males que afligem cada indivíduo podem vir a ser sofridos pelos demais e, de qualquer modo, atingem toda a comunidade.137

Entende-se também que o princípio da solidariedade deve orientar a seguridade social a fim de que não haja paridade entre as contribuições e prestações securitárias, protegendo-se toda a coletividade. Nesse sentido, há uma contribuição por parte de toda a sociedade para que a pessoa com deficiência tenha o direito a se aposentar mais cedo do que os demais indivíduos, pois, busca-se, por meio do princípio da solidariedade, a justiça social.

A solidariedade justifica também a situação do segurado que recolheu durante 25 anos suas contribuições previdenciárias, tendo falecido sem deixar dependente e sem jamais ter se beneficiado de qualquer das prestações disponibilizadas. [...] Por outro lado, este princípio atende também ao segurado que, incapacitado permanentemente para o trabalho no segundo mês de atividade, aos 18 anos de idade, tem direito a benefício pecuniário até o final de sua vida, desde que a incapacidade perdure.138.

Ao tratar sobre princípio da solidariedade, importante também é relacionar a questão da solidariedade social, quando o Estado distribui os efeitos econômicos contingenciais entre maior número de pessoas, havendo, assim, uma prestação

135 HORVATH JÚNIOR, Miguel; SILVA, Roberta Soares da. Direitos Humanos e Pessoa com

Deficiência: uma Visão Integrativa. In: COSTA-CORRÊA, André L. et al. (Orgs.). Direitos e

garantias fundamentais: novas perspectivas. Birigui-SP: Editora Boreal, 2016, p. 94.

136 KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 14. ed. ver., ampl. e atual. Salvador:

Ed. JusPodivm, 2016, p. 54.

137 VIDAL NETO, Pedro. Natureza jurídica da seguridade social. 1993, Tese. (Concurso de

Professor Titular de Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.

138 KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 14. ed. ver., ampl. e atual. Salvador:

mútua diante da adversidade. Nesse sentido, a solidariedade social teria a própria sociedade como limite, quando da utilização do princípio da universalidade.

Se a principal finalidade da Previdência Social é a proteção à dignidade da pessoa, não é menos verdadeiro que a solidariedade social é verdadeiro princípio fundamental do Direito Previdenciário, caracterizando-se pela cotização coletiva em prol daqueles que, num futuro incerto, ou mesmo no presente, necessitem de prestações retiradas desse fundo comum.139

Apartado da questão meramente principiológica e de pilar de sustentação do regime previdenciário, a solidariedade, de forma ampla, visa promover a igualdade em sentido material, quando se promove prestações positivas que assegurem uma vida digna ao ser humano.

No tratamento dado pela Constituição Federal, os direitos de solidariedade assegurados representam normas de direitos fundamentais.

Para tanto, de forma geral, a solidariedade pode ser entendida como uma espécie de justiça distributiva, quando há uma socialização das vantagens sociais e dos riscos normais da existência humana, em que se decorrem todos os direitos sociais, sendo ainda instrumento de concretização dos direitos fundamentais.

A solidariedade pode ser entendida como um laço de fraternidade oriundo não só da interdependência recíproca entre os indivíduos, mas também da identificação dos homens como seres humanos entre si, dividindo o mesmo espaço coletivo. Dessa divisão de espaço conjunto surge dupla face da Solidariedade, como elemento existente tanto nas relações dos indivíduos entre si como na relação destes com a comunidade política [...] As diversas espécies de Solidariedade (familiar, profissional) estabelecem graus entre aqueles que contribuem com algo e os que são destinatários desta contribuição, incluindo a possibilidade de Solidariedade sem retorno. Exemplificando, no caso da Seguridade Social, haveria esta última espécie no caso das empresas, que contribuem para o sistema sem a perspectiva de eventual benefício futuro.140

Sobre a solidariedade social, Wladimir Novaes Martinez trata o seguinte:

Solidariedade social é a expressão do reconhecimento das desigualdades existentes no estrato da sociedade e deslocamento físico, espontâneo ou forçado pela norma jurídica, de rendas ou riqueza criadas pela totalidade, de uma para outra parcela de indivíduos previdenciariamente definidos. Alguns cidadãos são identificados como aportadores e receptores, a uns subtraindo- se o seu patrimônio e a outros, acrescendo-se, até atingir-se a consecução

139 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário.

19. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 22.

140 BOLLMANN, Vilian. Previdência e justiça: o direito previdenciário no Brasil sob o enfoque da

do equilíbrio social. O princípio da solidariedade social signific a a contribuição pecuniária de uns em favor de outros beneficiários, no espaço e no tempo, conforme a capacidade contributiva dos diferentes níveis da clientela de protegidos, de oferecerem e a necessidade de receberem.141

Observa-se, assim, a transferência de recursos de uma fração da sociedade para a outra, sendo, para tanto, princípio fundamental do direito previdenciário. Há, então, uma contribuição maior por quem possui melhores condições, sejam financeiras ou profissionais, em benefício de quem se encontra em “desvantagem”. Deste modo, há uma união de pessoas em grupos, globalmente considerados e que contribuem para a sustentação econômica dos indivíduos em sociedade, e que podem, em determinado momento, também contribuírem para a manutenção de outras pessoas.

Tem-se, então, também em respeito ao princípio da igualdade, uma contribuição proporcional à capacidade econômica do indivíduo, na medida em que há, ainda, um respeito ao princípio da solidariedade, pois, alguns podem custear a seguridade social em maior medida, enquanto que outros podem até mesmo ser isentos, havendo, assim, uma justiça distributiva.

A fraternidade entre os indivíduos, ou grupos sociais, é fundamental para a aplicação dos ideários humanistas. Não há Justiça verdadeira onde as pessoas vivem em condições extremamente desiguais. Se quisermos um mundo mais justo, podemos optar pela luta em prol dos direitos humanos, a fim de levar a todos a consciência de que o homem não é um ser isolado. A vida ganha sentido quando compartilhamos com o próximo e nos importamos com o seu sucesso e com a sua felicidade. Por isso, reitera-se aqui que solidariedade não se confunde necessariamente com caridade, mas, sim, com preocupação com as outras pessoas e a vontade de agir para que todos tenham as mesmas oportunidades, as mesmas chances, para buscarem a felicidade.142

Do ponto de vista dos Direitos Humanos, faz-se possível tratar a solidariedade junto à sua terceira dimensão, quando cita sobre os Direitos de Solidariedade e Fraternidade.

Ao se adentrar o território destinado à pessoa com deficiência, a solidariedade é bem definida por Miguel Horvath Júnior e Roberta Soares da Silva, ao tratar que:

141 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTr, 2011,

p. 88.

142 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Manual de Direito Humanos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.

A solidariedade, em verdade, é hoje, fundada na ideia de inclusão – de cooperação, de amizade, de integração social, de integração com os diferentes, de interação com a ação comunicativa, na comunhão com a diversidade [...] A solidariedade social, a amizade, a cooperação é que constitui os liames que mantêm os homens, as nações, os povos unidos. Essa é a ótica da solidariedade como virtude moral [...] A Convenção enfatiza um modelo que reconhece a interação com os diferentes e a comunidade e vice-versa. A pessoa com deficiência é o centro da norma internacional e colocada no status de titular de uma situação jurídica, sobretudo quando reconhece os deveres para com as outras pessoas e para com a comunidade a que pertence.143

A ideia essencial da solidariedade é dignificar o homem e assim implementar a justiça social, e sua intenção é conquistada quando se disponibiliza instrumentos para que as pessoas com deficiência venham a se integrar na sociedade de forma mais consistente e, assim, exercerem, de fato, sua cidadania.

Nesse sentido se orienta a aposentadoria destinada às pessoas com deficiência, pois uns contribuem em face de outros para que possam gozar de benesses que minimizem os prejuízos sofridos por uma sociedade que não inclui o que se entende, muitas vezes e discriminadamente, como “diferente”.

Se, para Wambert Gomes Di Lorenzo, “Enquanto princípio social, a solidariedade implica ação de todos em favor do bem comum, isto é, o empenho de todos para que todos e cada um realizem sua dignidade”144, a aposentadoria da pessoa com deficiência implica a ação de todos que, em cooperação com os demais, responsabilizem-se pelas adversidades da vida e que, por ventura, podem vir a acometer qualquer um, garantindo-se, ainda, a dimensão de que ninguém vive para si mesmo, pois na aldeia global que é a sociedade, impossível viver na individualidade e, por tal medida, a dignidade do outro implica em sua própria dignidade.