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Observam André Estefam e Victor Gonçalves que, na autoria mediata, “o executor é utilizado como instrumento” na implementação do delito e, seguindo a doutrina tradicional, afirmam que “só responde pelo crime o autor mediato. Não existe concurso de agentes entre autor mediato e o executor impunível. Não há coautoria ou participação nesses casos”117.

Decerto, na autoria mediata há pelo menos duas pessoas envolvidas na prática criminosa: o autor mediato, que controla ou dirige a vontade do executor; e o autor imediato, que realiza, no plano fático, o tipo penal. Porém, embora correta na maioria dos casos a afirmação de que “só responde pelo crime o autor mediato”, seu caráter de universalidade foi contestado por Roxin, que resultou na criação da teoria que mudaria indelevelmente os rumos da teoria da participação.

A esse grupo de casos de autoria, Roxin criou o domínio da vontade, que consiste no controle exercido pelo autor mediato sobre a vontade do autor imediato, ou seja, surge quando o sujeito serve-se de outrem para praticar o crime. Nesse caso, não se trata de participação, posto que o autor imediato não tem o controle absoluto sobre o acontecer típico, concentrando-se no autor mediato o poder de decidir peremptoriamente a execução ou não do tipo penal. Por isso, em regra, somente o autor mediato responde pelos delitos, já que, sublinhe-se, detém o domínio do fato através do manejo da vontade de um terceiro. Roxin explica que:

116 GRECO, Luís; LEITE, Alaor; TEIXEIRA, Adriano; ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro, p. 89-90.

117 ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte geral. 2. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 450, grifos dos autores.

Sin embargo, se puede realizar también un tipo sirviéndose de otro (de “alguien que

actúa como medio [en el hecho]”) y empleando la persona de este para los fines

propios de modo que, mediante su instrumentalización (su utilización como “instrumento”), se domina mediatamente (como “sujeto de atrás”) el acontecer. Tal comisión del hecho “a través de otro” (§25 I, 2ª alternativa) se denomina autoría

mediata; se presenta en estos casos como “dominio de la voluntad”. En el caso

normal, sin embargo, el instigador del hecho o quien de otra manera influye en él sin estar implicado inmediatamente en la realización del tipo es sólo inductor o cooperador o cómplice. Pues quien incita a otro a cometer un hecho o le da consejos o instrumentos precisamente no domina la realización del tipo, porque la decisión determinante sobre la ejecución recae en el autor inmediato, que es el único que posee el dominio del hecho. En los delitos de dominio una autoría mediata entra en consideración más bien sólo en tres casos prototípicos o idealmente típicos:118

Conforme anunciado pelo autor, o domínio da vontade pode dar-se por meio de três prototípicos ideais: (1) domínio da vontade em virtude de coação; (2) domínio da vontade em

virtude de erro; (3) domínio da vontade em virtude de aparatos organizados de poder.

En primer lugar, se puede dominar un hecho como sujeto de atrás forzando al ejecutor a la realización del tipo (dominio de la voluntad en virtud de coacción). En segundo lugar, se puede dirigir el acontecer desde la retaguardia engañando el ejecutor y convirtiéndolo así en ejecutante de su plan delictivo (dominio de la

voluntad en virtud de error). Y, en tercer lugar, se puede controlar el acontecer de

manera determinante o decisiva pudiendo servirse discrecionalmente, como persona que da órdenes, de un aparato organizado de poder, de los órganos de ejecución intercambiables y no dependiendo así ya de la disposición de un autor individual a ejecutar el hecho (dominio de la voluntad en virtud de aparatos organizados de

poder). No son concebibles otras formas fundamentales de dominio que estas tres.

La autoría mediata en caso de utilización de inimputables, sujetos con imputabilidad disminuida y jóvenes, que se tratará aparte aquí, es estructuralmente una combinación de dominio en virtud de coacción y en virtud de error.119

Os elementos básicos de cada uma dessas modalidades serão arrazoados a seguir.

3.9.1 Domínio da vontade em virtude de coação

O sujeito ativo do crime pode exercer sobre outrem uma coação insuperável, de maneira que o executor sinta-se pressionado a cometer o delito. O autor mediato controla a vontade do autor imediato, por meio de uma coação irresistível e, portanto, o autor mediato possui o domínio decisivo acerca do acontecer típico.

Para ilustrar, basta mencionar os rotineiros casos de sequestro de parentes dos gerentes bancários. “A” sequestra o filho de “B”, diretor de um banco, e exige que este subtraia valores

118 ROXIN, Claus. Derecho penal parte general tomo II: especiales formas de aparición del delito, p. 84, grifos do autor.

119 ROXIN, Claus. Derecho penal parte general tomo II: especiales formas de aparición del delito, p. 85, grifos do autor.

de uma agência, sob a ameaça de matar o filho de “B”. Caso “B” venha cometer o delito, somente responderá pelo fato “A”, já que exerce o domínio sobre a realização do tipo, mediante controle da vontade de “B”. Embora “B” ainda mantenha o domínio físico sobre sua própria ação, psiquicamente não dispõe de total disponibilidade para decidir sobre a prática do delito.

Precisamente, Roxin explica essa modalidade:

El caso relativamente más sencillo de la voluntad basado en una intervención con fuerza es la coacción (§ 35 [estado de necesidad disculpante]). De modo que se A coacciona u obliga B, mediante la amenaza de matarle a él o de sus parientes, a que cometa un hecho delictivo, v. gr. un asalto o ataque (§224 I nº 3 [lesiones peligrosas mediante asalto o ataque alevoso o artero]), será castigado como autor mediato conforme al §224 I nº 3. Ha cometido el hecho “a través de otro” (§25 I, 2ª alternativa). Si bien la ejecución la domina B solo, que por ello es autor inmediato (aunque disculpado), puesto que A domina a B, domina también de manera mediata la ejecución. Tenemos aquí ante nosotros un caso de “autor tras el autor” (disculpado). Consiguientemente no es verdad que, como se admite con frecuencia, la autoría del ejecutor inmediato excluya sin más la autoría mediata de un sujeto de atrás. Por el contrario, en el caso de la coacción el dominio de la voluntad del sujeto de atrás presupone en realidad el dominio de la acción por el ejecutor.120

O domínio da vontade sobrepuja empecilhos causados pela teoria objetivo-formal na autoria imediata, posto que prescinde, para sua caracterização, da execução do tipo por parte do autor mediato. Aplicando-se precisamente a teoria formal-objetiva no caso apresentado, embora “B” não pudesse responder pelo crime, “A” teria que ser qualificado como partícipe do delito, o que seria, novamente, uma contradição aos princípios da legalidade e da culpabilidade.

Portanto, o domínio da vontade por meio da coação esclarece que o autor mediato responderá pelo crime praticado e o autor imediato não será punido, por ausência de culpabilidade121.

3.9.2 Domínio da vontade em virtude de erro

O domínio da vontade em virtude de erro ocorre quando o autor mediato promove no executor um equívoco sobre algum dos elementos do crime, fazendo com que o autor

120 ROXIN, Claus. Derecho penal parte general tomo II: especiales formas de aparición del delito, p. 85.

121 No trecho transcrito, Roxin considera o autor imediato exculpado pelo “estado de necessidade exculpante”, situação que não é abarcada expressamente pelo Código Penal brasileiro. Nessa hipótese, os autores brasileiros, valendo-se do disposto no artigo 22 do Código Penal, consideram a inexigibilidade de conduta diversa como excludente da culpabilidade. De qualquer maneira, a solução doutrinária para o afastamento da culpabilidade não influencia a conclusão sobre a correção do domínio da vontade por meio da coação.

imediato pratique um fato criminoso sem ter a consciência dessa conduta. Segundo Roxin, esse erro pode existir de forma escalonada122:

a) Erro de tipo – nessa hipótese, o autor imediato age sem dolo, porquanto o autor mediato provoca um erro (ou se aproveita de um erro preexistente) e faz com que autor imediato realize um comportamento sem ter ciência de que se trata de um fato típico. Trata-se do clássico exemplo do enfermeiro que entrega a seringa ao médico contendo veneno, ao invés do medicamento. O médico, inconsciente do ato do enfermeiro, injeta o conteúdo no paciente, que vem a óbito. Nesse caso, o enfermeiro é autor mediato do crime de homicídio e o médico é o autor imediato, porém somente o enfermeiro será punido, posto que o médico obrou sem dolo;

b) Erro de proibição – o autor atua tipicamente, mas supõe agir sob a proteção de uma causa de justificação. O erro promovido pelo autor mediato, portanto, é sobre uma circunstância que exclui o crime (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito) e, assim, o autor imediato executa o delito sem ter a ciência de que, na realidade, a causa justificante inexiste.

c) Erro sobre uma causa de justificação – o autor age típica e ilicitamente, mas é colocado em uma situação de erro provocada pelo autor mediato, na qual acredita existir circunstância que excluiria a culpabilidade (ou responsabilidade). Cuida-se de solução polêmica desenvolvida por Roxin, mas profundamente fundamentada.

d) Erro sobre a classe ou magnitude do dano – o autor age típica, ilícita e responsavelmente (culpavelmente), ou seja, comporta-se com responsabilidade plena. Porém, o autor mediato compreende melhor a classe ou a magnitude do dano, fazendo com que o autor imediato incorra em erro com relação a esses aspectos, coligados à tipificação e ao resultado. Essa é a hipótese mais polêmica veiculada por Roxin e ainda pouco estudada, não havendo um consenso sobre a responsabilização dos agentes envolvidos.

O estudo dessas situações é vasto e comporta questões extremamente complexas, mas registre-se que representam, frente às demais teorias, um avanço, posto que desnuda a punição na qualidade de autores sujeitos do delito em situações nas quais, por meio das demais teorias, poderiam ficar impunes ou serem colocados na posição de meros partícipes, a exemplo da explicação já apresenta ao descrever o domínio da vontade por meio da coação.

3.9.3 Domínio da vontade em caso de inimputáveis e semi-imputáveis

Para Roxin, o domínio da vontade de inimputáveis e semi-imputáveis não constitui um modelo à parte de autoria mediata, mas encaixa-se nos dois modelos precedentes, ou seja, erro e coação.

O autor distingue várias situações em que o autor mediato pode provocar no sujeito com responsabilidade diminuída, total ou parcialmente, a execução de um delito, de acordo com as características do autor imediato e do ato cometido: a) inimputabilidade total; b) inimputabilidade diminuída; c) crianças; d) adolescentes; e) autolesão; f) lesão a terceiros123.

Cada um desses grupos possui características peculiares, extensamente ventilados por Roxin, o que seria inapropriado versar nesse espaço. Basta ressaltar que para o professor alemão, em regra, há autoria mediata quando o sujeito manipula pessoas nessas condições a causarem uma autolesão ou lesões a terceiros, visto que o autor de trás possui o domínio sobre o acontecer típico, manipulando ou coagindo o inimputável ou semi-imputável.124

3.9.4 Domínio da vontade em virtude de aparatos organizados de poder

A autoria mediata por meio do domínio da vontade em virtude de aparatos

organizados de poder foi a maior inovação criada por Roxin em sua tese sobre autoria e

participação.

Trata-se da modalidade de domínio do fato exercida por meio de uma estrutura de poder, em que os integrantes com capacidade de mando, embora não executem diretamente os atos criminosos, respondem como autores mediatos, na medida em que detém parcela substancial de controle sobre a marcha da maquinaria criminosa.

123 ROXIN, Claus. Autoría e dominio del hecho en derecho penal, p. 259-269.

124 ROXIN, Claus. Derecho penal parte general tomo II: especiales formas de aparición del delito, p. 126. Nessa passagem afirma: ““La utilización de inimputables fundamenta por lo tanto por principio autoría mediata, sin que desempeñe papel alguno el que el enfermo mental o el niño puedan poseer sin embargo en el caso concreto una voluntad propia. El principio de responsabilidad desarrollado en el caso de la coacción (nm. 48) y adecuado igualmente el error de prohibición invencible (nm. 78) rige también aquí”, grifo do autor.

Entretanto, isso não significa que o autor imediato atue sem culpabilidade (ou responsabilidade, como prefere Roxin). Eis outra novidade: nessa modalidade tanto o autor mediato quanto o autor imediato respondem pelo delito, visto que ambos atuam com total domínio sobre suas ações, não se aplicando as soluções das demais formas de autoria mediata, em que somente responde pelo fato o “autor de trás”.

Em síntese, Roxin descreve quatro requisitos para a configuração do domínio de (ou

por meio de uma) organização:

Nos trabalhos mais recentes sobre o tema, enunciei quatro fatores que permitem fundamentar o domínio do homem de trás em organizações delitivas: o poder de emitir ordens que possui o homem de trás, a dissociação da ordem jurídica (Rechtsgelöstheit) do aparato de poder à disposição do emissor das ordens, a fungibilidade do executor imediato e a disposição essencialmente alta para o fato do executor.125

O exame mais detalhado dessa forma de domínio do fato será desenvolvido nos itens seguintes, constituindo um dos mais relevantes alicerces dessa dissertação.

3.10 Desenvolvimento histórico, filosófico e dogmático do domínio da vontade por meio

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