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4 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PECULATO E

4.10 Funcionário público

A definição de funcionário público é imprescindível para a compreensão dos delitos contra a administração pública. Para tanto, o Código Penal conceituou no artigo 327:

Funcionário público

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Nos tipos penais, como peculato e corrupção passiva, a expressão funcionário público é um elemento normativo do tipo que exige, para a sua compreensão, “um juízo de valor, com base em circunstâncias ou indicações situadas geralmente fora da norma penal”203. Para facilitar esse juízo, o legislador plasmou o conceito no Código Penal o artigo 327, que tem a

natureza jurídica de norma penal não incriminadora explicativa, final ou complementar.

Trata-se de uma das normas mais heurísticas do Código Penal e sede do problema referente aos “delitos de dever. A disposição é importante também porque, “embora localizada no final do capítulo dedicado aos crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em geral, é válida para todas as disposições contidas no Código e em leis extravagantes”204.

Segundo o dispositivo, são requisitos para caracterização de um sujeito como funcionário público: (1º) exercício de cargo público, emprego ou função pública (2º) embora transitoriamente ou sem remuneração. O códice adotou um bastante dilatado, abarcando todas as funções, de todos os órgãos e poderes públicos. Em suma, como afirma Hungria, o importante é verificar se o sujeito exerce alguma função pública, para identificar se, no caso concreto, pode ser reputado como funcionário público:

Adotando a noção extensiva, o nosso Código ainda lhe deu maior elastério, não exigindo, para caracterização de funcionário público, nem mesmo o exercício

profissional ou permanente da função pública. Pode dizer-se, como corolário do art.

327, que não é propriamente a qualidade de funcionário que caracteriza o crime

funcional, mas o fato de que é praticado por quem se acha no exercício de função

pública, seja esta permanente ou temporária, remunerada ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per accidens (ex.: jurado, a cujo respeito achou de ser expresso o art. 438 do Cód. de Processo Penal; o depositário nomeado pelo juiz, etc.). Considera-se funcionário público, segundo o texto legal, não só o indivíduo investido, mediante nomeação e posse, em cargo

público (devendo entender-se por tal, ut art. 2º do Estatuto dos Funcionários

Públicos Civis, aquêle que é criado por lei, com denominação própria, em número certo e pago pelos cofres públicos) ou que serve em emprêgo público (eventual pôsto de serviço público, fora dos quadros regulares e para o qual não haja necessidade, sequer, de título de nomeação), como também qualquer pessoa que exerça função pública, seja esta qual fôr.205

O conceito penal aproxima-se da definição administrativista de agente público ou

estatal. Para Marçal Justen Filho, “agente público é toda pessoa física que atua como órgão

203 TAVAREZ, Juarez. Teoria do injusto penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 231.

204 PAGLIARO, Antônio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes contra a administração pública, p. 14. Logo, a expressão “funcionário público”, nos preceitos referentes aos crimes contra a honra (artigos 139, parágrafo único e 141 do Código Penal), deve ser interpretada segundo os critérios do artigo 327.

205 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. IX, p. 398, grifos do autor.

estatal, produzindo ou manifestando a vontade do estado”206. Exemplificativamente, esse conceito abrange as seguintes classes de agentes:

a) Agente político – agente investido em função política, seja em virtude de mandato (presidente, governadores e prefeitos; deputados e senadores; vereadores), seja no desempenho de auxiliar direto dos mandatários (ministros de Estado);

b) Agente administrativo – agente investido em função administrativa, geralmente civil;

c) Servidor público – agentes com vínculo jurídico de direito público com o Estado, ocupantes de cargo público (efetivo ou comissionado);

d) Função de confiança – servidor de recrutamento amplo ou restrito, com vínculo precário, de exclusiva nomeação pela autoridade superior;

e) Empregado público – agente estatal não subordinado ao regime estatutário, mas às regras da legislação trabalhista, como os empregados do Banco do Brasil;

f) Contratado por tempo determinado – servidor contratado temporariamente, na forma do artigo 37, IX, da Constituição da República;

g) Policiais – servidores públicos ocupantes de cargos da carreira de segurança pública, consoante artigo 144 da Constituição da República (policiais civis, militares, federais, rodoviários e ferroviários federais);

h) Militar – membro das Forças Armadas (exército, marinha e aeronáutica);

i) Funções públicas episódicas para consecução dos fins do estado – jurados, estagiários em órgãos públicos, mesários eleitorais;

j) Magistrados e membros do Ministério Público.

Portanto, a lei, nesses termos, estende o conceito a todas as pessoas que exercem qualquer atividade com fins próprios do Estado, ainda que estranhas à administração pública, com ou sem remuneração. Pagliaro e Costa Jr. resumem esse significado penal:

Concluindo: para decidir acerca da qualificação de funcionário público, o que se considera não é o tipo do cargo desempenhado, mas a circunstância de fato que o sujeito, na relação específica apontada pela norma penal, esteja a exercer uma função pública legislativa, administrativa, judiciária ou de governo.207

206 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 873, grifos do autor.

Contudo, não se consideram funcionários públicos, para efeitos penais, os que exercem apenas um múnus público, em que prevalece o interesse privado, tais como, tutores, curadores, inventariantes judiciais, síndicos falimentares e administrador de massa falida.

A norma traz ainda uma “equiparação a funcionário público” no §1º, reputando funcionários públicos os que laboram em entidades paraestatais e para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para execução de atividade típica da Administração pública.

Entidades paraestatais tratam-se das pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, com patrimônio público ou misto, para realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado, compreendendo empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações instituídas pelo Poder Público e serviços sociais autônomos. Apesar de algumas decisões contrárias, o Supremo Tribunal Federal confirmou que “o empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista está equiparado, para efeitos penais, ao funcionário público”. Logo, o conceito de entidade paraestatal deve ser extensivamente interpretado, nos termos do artigo 84, §1º da Lei 8666/93.

Na segunda categoria, incluem-se empresas de coleta de lixo, de energia elétrica, iluminação pública, de transporte, desde que contratadas ou conveniadas com o Estado. Os agentes dessas entidades são considerados, para efeitos penais, funcionários públicos.

O preceito contempla a causa de aumento de pena no §2º determinando a majoração de terça parte (1/3) quando os autores de crimes previstos no capítulo I forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Vale mencionar que a legislação brasileira possui vários dispositivos que conceituam

funcionário público, servidor público ou agente público, v. g., Lei n. 4.737, de 1965 (Código

Eleitoral - artigo 283), Lei n. 12.016, de 2009 (mandado de segurança - artigo 1º c/c §1º), Lei n. 12.846, de 2013 (medidas anticorrupção - artigo 5º, §3º), Lei n. 9.504, de 1997 (regulamenta as eleições - artigo 73, §1º), Lei n. 8.112, de 1990 (estatuto dos servidores públicos civis da União - artigo 2º), Lei n. 8.429, de 1992 (improbidade administrativa - artigo 2º)208 e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (artigo 2º)209. Porém, essas

208 O conceito extrapenal que mais se aproxima é o previsto no artigo 2º da Lei n. 8.429, de 1992, com a vantagem de ressaltar a irrelevância da forma de investidura: “Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

209 O artigo 2º, alínea “a”, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, apresenta um amplo conceito de funcionário público: “a) Por ‘funcionário público’ se entenderá: i) toda pessoa que ocupe um cargo

definições referem-se exclusivamente ao âmbito de aplicação das respectivas normas, não afetando o conceito fornecido pelo Código Penal.

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