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4 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PECULATO E

5.7 A teoria de Bernd Schünemann

Para compreender o trabalho de Bernd Schünemann, é preciso entender sua contribuição inestimável à teoria geral do direito, por meio de uma metodologia que busca sintetizar conteúdos normativos e ontológicos.

No capítulo 3 foram apresentadas as bases do funcionalismo penal teleológico, que uniu a axiologia derivada dos fins politico-criminalmente visados pelo direito penal aos dados ontológicos típicos da arquitetura penal causalista e finalista. Porém, em Roxin, os dados ontológicos ficam menos evidentes se cotejados à axiologia. Schünemann, no entanto, busca fazer uma fusão mais equilibrada entre normativismo e ontologismo, edificando suas contribuições ao sistema penal a partir dessa metodologia. Luís Greco ressalta que:

Uma das mais marcantes ideias reitoras da obra de Schünemann diz respeito a seu método, que pode ser caracterizado como uma síntese entre normativismo e

ontologismo. De um lado, o discípulo de Claus Roxin é um dos mais proeminentes

defensores de uma perspectiva teleológico-funcional do direito penal, isto é, de uma perspectiva segundo a qual o sistema e os conceitos da teoria do delito têm de ser construídos tendo em vista certas finalidades político-criminais. Mas, levando adiante uma consideração que, em Roxin, também está presente, mas fica em segundo plano, Schünemann enfatiza a importância de dados ontológicos, de estruturas lógico-reais ou lógico-materiais, quase no sentido que lhes conferia o finalismo, para que essas finalidades passam vir a ser alcançadas. Nisso, Schünemann se destaca como mais notável crítico da perspectiva normativista radical desenvolvida por Jakobs, que quer sistematizar a teoria do delito com total desconsideração de quaisquer dados ontológicos.315

Para traduzir essa ideia reitora, Schünemann propõe um novo procedimento de elaboração dogmática, por meio dos conceitos tipológicos, um instrumento técnico adequado a superar rigidez dos chamados conceitos tradicionais ou classificatórios.

O conceito tradicional ou classificatório “pode ser descrito como um conjunto de elementos que designam condições necessárias e suficientes de sua aplicação, sendo que cada

315 GRECO, Luís. Bernd Schünemann, penalista e professor. A propósito desta coletânea. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 9.

um desses elementos só pode ou estar presente ou ausente”316. Disso resulta uma lógica do

tudo ou nada: presentes os requisitos do conceito, reconhece-lhe a existência; ausente algum desses requisitos nega-se o reconhecimento.

O conceito tipológico descreve um perfil geral, que tem a finalidade de servir como um “guia para avaliar não apenas se os diversos elementos estão presentes, mas em que intensidade, e permitirá que uma manifestação menos intensa de um elemento seja compensada pela manifestação mais intensa de outro”317.

Exemplo mourejado por Schünemann é o dolo em sentido penal. Tradicionalmente, dolo consiste na combinação de dois elementos, a saber, consciência e vontade de realizar o tipo penal. Pelo conceito classificatório, ausente um desses requisitos, nega-se o dolo:

O dolo é tradicionalmente definido como o conhecimento e a vontade de realização do tipo penal. Trata-se, assim, já segundo uma compreensão literal natural, de um fenômeno psíquico real e, nesse sentido, de um “conceito psicológico de dolo”. Entretanto, o substrato psíquico do dolo tem sido ultimamente cada vez mais reduzido ao lado cognitivo, enquanto a função de delimitação em face da culpa consciente, que antes costumava ser cumprida pelo chamado componente volitivo, é atribuída a critérios objetivos, como o caráter não-permitido ou desprotegido do perito criado.318

No conceito tipológico, é possível graduar cada um desses requisitos – consciência e vontade – de maneira que um elevado grau de consciência compensa uma baixa vontade e, por outro lado, um grau menos pujante de consciência é contrabalançado por uma vontade mais intensa. Deveras, “havendo muito conhecimento, bastará pouca vontade”, como no dolo direto de segundo grau ou de consequências necessárias. Em contrapartida, “havendo muita vontade, bastará pouco conhecimento (alguém dispara de uma longa distância, com a intenção de matar a vítima)”, como ocorre no dolo eventual.319 Conclui o professor:

Já que os critérios de dolo são, portanto, regulados por dois diferentes sistemas de referência normativos (de um lado domínio do fato e, de outro, a atitude contrária aos bens jurídicos), o dolo é um dito “tipo” (Typus) ou conceito tipológico, que se compõe de vários elementos que se manifestam em uma intensidade graduável, sendo possível que a manifestação menos intensa de um elemento seja como que compensada pela manifestação mais intensiva de outro.320

316 GRECO, Luís. Bernd Schünemann, penalista e professor. A propósito desta coletânea. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 9.

317 GRECO, Luís. Bernd Schünemann, penalista e professor. A propósito desta coletânea. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 10.

318 SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 129. 319 GRECO, Luís. Bernd Schünemann, penalista e professor. A propósito desta coletânea. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 10.

Feitas essas considerações, Schünemann percebeu que a jurisprudência e a doutrina passaram a ampliar as hipóteses de autoria mediata duplamente punível, quer dizer, em que autor mediato e autor imediato respondem pelo fato típico. Na versão inicial de Roxin, somente por meio de estruturas de poder organizadas, a autoria mediata poderia adquirir essas características.

Decerto, a autoria mediata baseia-se no princípio da responsabilidade e no uso de uma pessoa como instrumento, o que também é reconhecido no direito anglo-americano pela expressão innocent agent. Nesse contexto, a equação típica da autoria mediata segue por três raciocínios: o homem-de-trás usa o homem-da-frente como um instrumento para praticar o delito; o homem-da-frente age sem responsabilidade penal ao executar o fato típico; logo, somente o homem-de-trás pode ser responsabilizado pelo ilícito penal.

Porém, essa construção sofreu uma série de exceções doutrinárias e judiciais, em que tanto o autor da frente como o de trás respondem. Schünemann cita essa evolução por meio de quatro exemplos321:

a) Situação de erro de proibição evitável causado pelo autor de trás no autor da

frente. Trata-se de uma contribuição fornecida por Roxin, na qual, se o erro for

evitável, ambos respondem pelo ilícito penal praticado;

b) Domínio do fato por meio de aparatos organizados de poder. O autor de trás se vale de um executor fungível para cometer delitos, sendo este modelo de autoria mediata um dos pilares desta pesquisa322;

c) Comando de empresas privadas. Hipótese reconhecida por tribunais alemães, em especial o BGH. Aqui, o homem de trás que se vale do comando de empresas privadas para determinar que seus subordinados pratiquem ilícitos;

d) Uso de pessoa com imputabilidade reduzida, desde que o autor de trás utilize a

reduzida capacidade de compreensão. No caso, o executor ou homem da frente

atua com reduzida capacidade de compreensão ou reduzida capacidade de controle, como no “Caso do Rei Felino”, julgado pelo BGH.

Essa expansão da autoria mediata duplamente punível induziu Schünemann a verificar sua viabilidade do ponto de vista dogmático. Primeiramente, constatou-se que o princípio da

321 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 144- 152.

322 Essa modalidade, conforme informado no capítulo 3, já foi adotada pela Corte Federal Argentina no julgamento da Junta Militar responsável por violações de direitos humanos no curso da ditatura, na punição de superiores hierárquicos da Alemanha Oriental no “Caso da ordem de atirar” (Comitê Central, o Politbüro), no Peru (“Caso Fujimori”) e na Ação Penal n. 470/MG, do Supremo Tribunal Federal (“Mensalão”).

responsabilidade não pode ser mais o critério exclusivo para definir a categoria da autoria mediata, afinal, reconheceu-se em várias hipóteses a responsabilização dos dois agentes (autor mediato e imediato).

Frente ao problema, Schünemann ressalta que existem três formas de conceituar autoria mediata: conceito classificatório, catálogo topológico ou conceito tipológico. Nesse impasse, somente o conceito tipológico é capaz de dar as respostas para a reformulação das categorias essenciais de sujeitos ativos, haja vista proposta metodológica de Schünemann, já descrita acima:

O problema de delimitação que resta depois disso é sobretudo um problema metodológico. A solução, depois do rompimento com o princípio da responsabilidade, não pode mais ser encontrada por meio de um conceito classificatório, mas ela não precisa, contudo, restringir-se à reunião de topoi referidos aos casos concretos. Antes, trata-se na autoria, e consequentemente também nas subformas da coautoria e da autoria mediata, de um conceito tipológico, no sentido definido primacialmente na mais nova teoria do direito: um conceito formado por um conjunto de elementos graduáveis (dimensões) por si mesmos, conceito que não é, então, definido no sentido clássico, mas concretiza-se apenas mediante regras de semelhança ligadas a casos, pelas quais as diferentes dimensões são representadas por diferentes manifestações e assim, por exemplo, a fraca manifestação de um elemento pode ser compensado através da manifestação especialmente forte de outro elemento, de tal modo que o caso concreto possa ser visto como uma forma de expressão do conceito tipológico.323

Para estabelecer essas graduações, Schünemann defende que, ao princípio da

responsabilidade, devem somar-se a teoria do domínio sobre o fundamento do resultado e os níveis de domínio do fato, para elucidar os grupos de casos de autoria mediata, cotejando-os

com as hipóteses de coautoria: (1º) se a ação do autor mediato e do autor imediato qualificarem-se como duplo fundamento do resultado há coautoria e não autoria mediata, como, p. ex., na criminalidade de empresas; (2º) se apenas a ação do autor de trás constituir o fundamento do resultado, somente o autor mediato será responsabilizado, v. g., na fraude para levar alguém a se matar:324

Outra vez, da tarefa de proteção de bens jurídicos do direito penal deduz-se o conceito tipológico fundamental de todas as formas de delitos (delitos comuns de comissão, delitos especiais de garantidor, delitos de omissão imprópria): o domínio sobre o fundamento do resultado. Uma autoria mediata na figura do “autor por trás do autor” pressupõe consequentemente que tanto a ação do homem da frente quanto

323 SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 154. 324 Schünemann declara expressamente: “No lugar do princípio da responsabilidade considero, por isso, a ideia dos níveis de domínio do fato (Tatherrschaftsstufen), praticada intuitivamente na jurisprudência, um modelo que melhor corresponde à tarefa de proteção de bens jurídicos do direito penal” (Cf. SCHÜNEMANN, Bernd.

as condições controladas pelo homem de trás possam ser qualificadas da mesma maneira como (duplo) “fundamento do resultado”.325

Portanto, a contribuição fundamental de Schünemann para a discussão realiza-se por intermédio do conceito tipológico, que possui condições para distinguir distintas situações: (a) responsabilização exclusiva do homem-de-trás (autoria mediata propriamente dita); (b) dupla responsabilização vertical (autoria mediata imprópria ou duplamente punível); (c) dupla responsabilização horizontal, na atuação conjunta e distributiva entre os sujeitos do delito (coautoria).

O conceito tipológico de coautoria baseia-se, por sua vez, tanto no domínio dos acontecimentos pelos dois lados mediado pela divisão de tarefas, quanto na resolução delitiva comum, sendo que ambos elementos manifestam-se com forças distintas e podem assim compensar-se mutuamente. Em consequência disso, não se pode negar a admissão da coautoria entre o detentor da ordem (nas empresas privadas: o diretor) e o subordinado (nas empresas privadas: os órgãos de execução) somente com o argumento de que faltaria uma resolução delitiva comum entre o diretor e os órgãos de execução, pois a fraca manifestação da dimensão “resolução delitiva comum” poderia ser compensada pela estreita conexão objetiva entre as contribuições delitivas do diretor e dos órgãos de execução ou pelo intensivo domínio do detentor da ordem.326

Criticando a decisão do BGH, a respeito da autoria mediata entre os órgãos de direção de uma empresa e os órgãos de execução, Schünemann reforça seus argumentos, em favor de uma coautoria entre os sujeitos do delito, sob os auspícios do conceito tipológico:

Consequentemente, a assunção da autoria mediata (proclamada pelo BGH) de um órgão de direção atrás de um órgão de execução que age, ele próprio, de forma completamente criminosa não pode ser aceita em conexão com o ponto de vista preponderante na literatura alemã. Ao invés disso, considero adequada a admissão de uma coautoria, porque o diretor, por um lado, possui uma posição de garantidor e, por outro, por meio de sua adicional contribuição ativa, alcança no geral um controle tão forte sobre o acontecimento que as contribuições, a serem qualificadas isoladamente como instigação e participação por omissão, não sua soma geral só podem ser adequadamente apreendidas mediante uma punição por coautoria.327

Nesse ponto, o conceito tipológico de Schünemann adquire uma importância incipiente, revelando uma faceta pouco referida pela ciência penal: a possibilidade de

contribuições mediante condutas comissivas e omissivas para cometimento do delito.

Entender essa hipótese depende do exame do estudo de três grupos de casos: o comando de empresas privadas, a colocação de mercadorias perigosas para os consumidores e a posição dos funcionários públicos.

325 SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 154. 326 SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 155. 327 SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 156.

No caso das empresas privadas, um órgão de direção “A” ordena a colocação de certos produtos perigosos no mercado, mas não conhece, efetivamente, os executores do fato, os subordinados “B” e “C”. Pela teoria tradicional, “A” é um indutor ou mandante do crime, portanto, um partícipe, consoante demonstrado no capítulo 3 e apresentado na opinião de Roxin.328

Porém, Schünemann vai além: se “A” é não só quem ordena o crime, mas também o garantidor pela posição privilegiada que possui na organização, incumbindo-lhe tomar todas as medidas para evitar resultados lesivos aos consumidores, conclui-se que ele possui parcela considerável de domínio sobre os resultados, pois tem o dever e o poder de impedir o resultado. Essa situação difere-se do mero mandante, que não se encontra simultaneamente na posição de garantidor. Logo, se o mesmo empreendedor “A” ordena que seus subordinados “B” e “C” matem “D” com disparos de arma de fogo, sem qualquer relação com a empresa, verifica-se que “A” não é garante de “D” e, portanto, nessa construção, é somente mandante- partícipe do homicídio329, ao contrário da posição enquanto órgão superior de uma empresa,

que coloca produtos perigosos no mercado. Por outro lado, se “D” fosse um filho de sete anos de “A”? Aí já teríamos novamente as duas contribuições, uma ativa, como mandante, e outra omissiva, pela sua posição de garantidor.

Portanto, para o citado professor, o órgão de direção da empresa possui uma dupla posição, de ação na conduta delitiva (autorizando ou ordenando o crime) e de garantidor contra eventos lesivos, possuindo um controle qualificado sobre a realização do tipo. Por isso, Shchünemann defende o domínio sobre os fundamentos do resultado e os níveis de domínio

do fato, ao invés de uma mera violação de deveres extrapenais. Com essa construção é

possível sobrepujar o obstáculo dos delitos de dever:

Demonstrei de forma minuciosa em meus novos trabalhos que o “domínio sobre o fundamento do resultado” é uma estrutura fundamental da autoria, adequada, na mesma medida, para os delitos comissivos e para os delitos omissivos impróprios, também verificável nos delitos especiais (de garantidor) (Garantensonderlikte) e nos delitos de mão própria.330

Acrescenta Schünemann, a partir do “Caso Lederspray” ou “Spray de Couro”, julgado pelo BGH:

328 Recorde-se que, em regra, o mandante, na teoria do domínio do fato, é um partícipe, ressalvada a hipótese de contribuição efetiva no momento da execução do crime.

329 Recorde-se que pela teoria do domínio do fato, em regra, o mandante é um indutor ou partícipe.

O problema da posição de garantidor mais intensamente discutido e também merecedor de discussão na atualidade é o do produtor de mercadoria nos casos em que o desenvolvimento e fabricação do produto ocorreu com a observância de todas as regras de cuidado, mas que, mais tarde, revela uma danosidade à saúde dos consumidores originariamente não reconhecível. Num primeiro momento, os tribunais cíveis afirmaram aqui um dever de retirada (Rückruf) dos produtos, e, posteriormente, o Bundesgerichtshof, em sua decisão de grande repercussão sobre o caso Lederspray, afirmou uma correspondente posição jurídico-penal de garantidor.331

Decerto, por meio dessa opinião, Schünemann conduz a um wormhole, um atalho, evitando o emprego dos delitos de dever, fazendo com que a constatação da autoria possa ser deslocada para o exame da omissão imprópria. Em outras palavras, autoria não se cinge ao descumprimento de deveres formais ou extrapenais, mas sim ao domínio sobre os fundamentos do resultado que, no caso, liga-se tanto à ação quanto à omissão do agente garantidor. Anote que isso não significa, necessariamente, o reconhecimento do domínio da vontade por meio de aparatos organizados de poder, que precisa ser constatado na prática e será examinado adiante.

Vale dizer que Günther Jakobs chega, por outras vias teóricas, à mesma constatação de Schünemann, isto é, a possibilidade de contribuições ativas e passivas na realização dos tipos, o que explica a autoria nos crimes cometidos por meio de empresas:

Se se reconhece a possibilidade de uma mescla de contribuições ativas com contribuições por omissão e ademais se muda o ponto de vista do dado fático do domínio à medida da competência, isso provavelmente conduzirá a uma considerável facilitação da imputação de delitos cometidos em empresas, na medida em que a competência se desloca dos executores à direção da empresa: responsabilidade em função da intenção e não em função da medida dos movimentos dos dedos. Excluem-se aqui os detalhes dessas questões.332

No que tange aos crimes funcionais, como peculato e corrupção passiva, Schünemann entende perfeitamente cabível o domínio sobre os fundamentos do resultado, explicando que:

Algo semelhante ocorre com o funcionário público, que apenas pode ser responsabilizado de forma correta como autor por um resultado se – e apenas se – tiver dominado o acontecimento, e não apenas por ter violado um dever funcional formal de natureza de direito público. [...]. A diferença fundamental entre o mero dever funcional e o verdadeiro domínio em razão da posição funcional pode ser ilustrada por meio da comparação entre o diretor de um estabelecimento de execução penal, que deve proteger os presos, por força de seu domínio sobre o desamparo destes, dos perigos específicos ligados ao estabelecimento e o funcionário de um órgão de proteção ao meio ambiente, que domina apenas os próprios atos administrativos e não o comportamento dos cidadãos: caso não

331 SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito, p. 174. 332 JAKOBS, Günther. Crítica à teoria do domínio do fato. Tradução de Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Barueri/SP: Manole, 2003, p. 28.

revoguem as autorizações ilegais, serão responsabilizados pelas lesões ao meio ambiente daí decorrentes na condição de garantidores; o mero não-intervir contra os delitos ambientais dos cidadãos conduz, ao contrário (ao lado da responsabilização funcional), apenas à punição por omissão de socorro nos termos do §323 c StGB.333

Portanto, para Schünemann, ao contrário de Roxin, o que funda a autoria de um crime funcional, em especial o peculato e a corrupção passiva, não é a violação do dever extrapenal, mas o domínio sobre os fundamentos do resultado, que pode ocorrer mediante ação e omissão.

Essa constatação comprova-se, conforme delineado no capítulo 4, pelo reconhecimento de que a consumação do peculato não depende da desaprovação das contas perante órgãos administrativos, tampouco submete-se a prazos administrativos como o que

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