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4 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PECULATO E

4.11 Peculato

4.11.15 Modus Operandi

Para compreender o peculato, é preciso perquirir, do ponto de vista fático, como ocorre o delito. Trata-se de uma análise do modus operandi, ou seja, da maneira de execução do delito, a partir de grupos de casos práticos. Essa análise auxiliará na subsunção normativa a respeito do concurso de pessoas.

Após analisar casos reais, tanto julgados pelos tribunais nacionais quanto fatos típicos suscitados historicamente, propõe-se classificar o peculato em peremptório (ou direto) e intermediado (ou consequencial).

No peculato peremptório, o agente se apropria ou desvia o bem diretamente, sem utilizar um ato administrativo ou qualquer outro instrumento para escamotear o ilícito. Por exemplo, quando um agente público se assenhora, desvia ou subtrai um computador da intendência em que labora, com ou sem auxílio de terceiros.

O servidor público que trabalhava no Departamento de Trânsito (Detran) de São Roque de Minas/MG, que se apossou de valores que deveriam ter sido depositados nas contas do Estado para pagamento de nova selagem de placas de veículos, foi condenado por peculato, tendo se apropriado diretamente do dinheiro, sem que tentasse utilizar algum expediente para maquiar sua ação. Tratou-se de um peculato peremptório:

247 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. IX, p. 341.

PENAL - PECULATO - APROPRIAÇÃO DE TAXA DO DETRAN - NOVA SELAGEM DE PLACA - TIPICIDADE E DOLO DEMONSTRADOS - SUFICIÊNCIA DE PROVAS - DESCLASSIFICAÇÃO - PECULATO CULPOSO OU MEDIANTE ERRO DE OUTREM - IMPOSSIBILIDADE - APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONCURSO DE DELITOS - EMENDATIO LIBELLI - APLICAÇÃO - REGRA DO CRIME CONTINUADO - CONFIGURAÇÃO - ELEVAÇÃO DA PENA - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - MANUTENÇÃO - REQUISITOS SATISFEITOS. - Comete o crime de peculato aquele que, ocupando cargo no setor de trânsito da Delegacia de Polícia, retém indevidamente valores que deveriam ser recolhidos aos cofres públicos a título de taxa de nova selagem de placa, apropriando-se do numerário em benefício próprio. - Se réu fez crer aos particulares que a taxa deveria ser-lhe paga pessoalmente, em moeda corrente, como condição para a prestação do serviço, o dolo de apropriação está demonstrado, afastando a hipótese de peculato culposo ou praticado mediante erro de outrem. [...]. (TJMG - Apelação Criminal 1.0643.08.003396-9/001, Relator(a): Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/04/2013, publicação da súmula em 18/04/2013)249

No peculato intermediado ou consequencial, o agente se vale de um instrumento aparentemente lícito, em geral um contrato ou ato administrativo, para se apropriar ou desviar bens do patrimônio público. Isso ocorre com frequência nas licitações superfaturadas, fraudadas ou dispensadas indevidamente. Em suma, nessa modalidade, o peculato é

intermediado por um ato jurídico administrativo, necessário tanto à consumação quanto à

ocultação do desvio, apropriação ou furto.

Na Comarca de Carandaí/MG, o Diretor Presidente do "Hospital Municipal Sant'ana de Carandaí", e a segunda ré, na condição de Diretora Administrativa e Financeira da mesma instituição, contrataram a empresa "Schreiber Informática", pertencente a um particular, sem a realização qualquer certame licitatório e sem elaborar o procedimento de sua dispensa ou inexigibilidade, tendo, ainda, em conluio com o particular proprietário da empresa, se apropriado de dinheiro público, já que os valores constantes dos empenhos e notas fiscais relacionados com os serviços de manutenção de computadores realizados pela firma entre 1º de abril de 1998 a 09 de março de 2000, não correspondiam à realidade, vez que várias notas foram forjadas, recebendo o particular, em média, R$200,00 (duzentos reais) por cada documento fiscal forjado. Os réus foram condenados por peculato, em cúmulo material com fraude à licitação prevista no artigo 89 da Lei n. 8.666, de 1993, conforme se depreende do acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

249 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelante: Jones dos Santos Braga. Apelado: Ministério Público de Minas Gerais. Relator: Desembargador Júlio Cezar Guttierrez. Jul. 03 abr. 2013.

Publicação 18 abr. 2013. Disponível em: <

http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=25&totalLinhas =115&paginaNumero=25&linhasPorPagina=1&palavras=peculato%20apropria%E7%E3o&pesquisarPor=ement a&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar %20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 17 nov. 2015.

APELAÇÃO CRIMINAL - PROCESSUAL PENAL - NULIDADES - INOCORRÊNCIA - PRELIMINARES REJEITADAS - CRIME LICITATÓRIO (ARTIGO 89, LEI 8.666/93) E PECULATO - CONDENAÇÃO DE DOIS ACUSADOS - DELITOS COMPROVADOS APENAS EM RELAÇÃO A UM DELES - INEXISTÊNCIA DE PROVA EM RELAÇÃO AO OUTRO - SENTENÇA MANTIDA APENAS EM RELAÇÃO A UM DOS ACUSADOS - ABSOLVIÇÃO EM RELAÇÃO AO OUTRO. - Não há que se falar em supressão da fase prevista no artigo 499 do CPP se após a oitiva das testemunhas indicadas pelo Juízo foi indagado às partes se tinham alguma reclamação ou requerimento a ser feito, tendo os defensores se mantido silentes, não protestando, naquela oportunidade, pela realização de qualquer diligência. - A Lei 8.666/93 estabelece procedimento próprio para o processamento dos crimes nela elencados (artigos 104 e seguintes), não prevendo a apresentação de resposta preliminar. - A falta de inquérito policial não constitui nulidade, sabendo-se que a denúncia não precisa, necessariamente, nele lastrear-se. - Prolatada a sentença não há mais que se falar em inépcia da denúncia, devendo ser atacada a sentença, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal. - O Ministério Público pode desenvolver atividade investigatória, objetivando colher elementos de prova para subsidiar futura ação penal. – [...] - Comprovado que a ré, dolosamente, não atentou para a observância das formalidades pertinentes à dispensa de licitação, correta se mostra sua condenação, nos termos do artigo 89 da Lei 8.666/93. – [...]. (TJMG - Apelação Criminal 1.0132.05.002079-2/001, Relator(a): Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 06/05/2010, publicação da súmula em 24/06/2010)250

Historicamente, recorda-se Ademar de Barros, político eternizado no infeliz aforismo popular “rouba, mas faz”. Em 1949, na condição de governador do Estado de São Paulo, a pretexto de comprar carros para a Força Pública paulista, apropriou-se de parte dos veículos e transferiu outros a amigos e parentes:

No final de 1949, o palácio do governo encomendo à General Motors do Brasil 20 caminhões e 11 automóveis, sendo que, destes últimos, dez eram da marca Chevrolet e um Oldsmobile, modelo Clube Sedan de Luxo. Todos os veículos foram entregues e pagos – o que por si só já seria irregular, dada a ausência de concorrência pública. Mas pouco depois o gerente da General Motors foi avisado pelo secretário do Governo de Ademar que as faturas originais deveriam ser inutilizadas e substituídas por outras em nome de particulares. O próprio Ademar ficou com o Oldsmobile enquanto os Chevrolets eram entregues a amigos e parentes. Quanto aos 20 caminhões, 15 foram refaturados em nome de diversas empresas de Ademar e apenas cinco entregues à Força Pública de São Paulo.251

250 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelantes: José Carlos de Matos e outra. Apelado: Ministério Público de Minas Gerais. Relatora: Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires. Disponível em: < http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=30&totalLinhas =40&paginaNumero=30&linhasPorPagina=1&palavras=peculato%20licita%E7%E3o&pesquisarPor=ementa&p esquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20 as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 17 nov. 2015.

251 CAVALCANTI, Pedro Rodrigues de Albuquerque. A corrupção no Brasil, p. 82. Ademar de Barros foi condenado por peculato, porém a decisão foi reformada pelo Supremo Tribunal Federal e, retornando o processo ao tribunal paulistano, sobreveio uma absolvição contraditória. “Passados os anos, restam desse encontro entre Ademar e a Justiça uma constatação e uma pergunta. A constatação é a ambigüidade da sentença definitiva, na qual Ademar foi absolvido em português e condenado em latim. Absolvido do peculato no caso dos Chevrolets, foi, ao mesmo tempo, taxado de improbus administratur. A contradição parece tão flagrante que dela logo surge a pergunta: não teria a fortuna de Ademar comprado a Justiça?” (CAVALCANTI, Pedro Rodrigues de Albuquerque. A corrupção no Brasil, p. 84.).

Portanto, colhe-se da jurisprudência que o peculato geralmente é cometido de forma

intermediada ou consequencial, com frequente cooperação de terceiros-particulares. Nos fatos

relacionados à Ação Penal n. 470/MG, reconheceu-se também o peculato com esse modus

operandi, conquanto, houve o emprego de sofisticados meios intermediários para disfarçar as

apropriações e desvios de recursos públicos, como se verá no capítulo 6, especialmente através de contratos de publicidade com a Câmara dos Deputados, o Banco do Brasil e o Fundo Visanet.

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