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4 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PECULATO E

4.12 Corrupção passiva

4.12.4 Objetividade jurídica e objeto material

O bem jurídico tutelado é a administração pública, levando-se em consideração seu interesse patrimonial e moral.

Objeto material do delito é a vantagem indevida, exigindo-se que seja factível, isto é, capaz de gerar a cobiça no agente público261. O crime persiste ainda que seja oferecia a vantagem como gratificação, mas Hungria ressalva a hipótese de presentes de pequena monta por serviços extraordinários, desde que não proposta anterior ao ato e que este seja lícito262.

O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal veda o recebimento ou solicitação de qualquer gratificação por parte de funcionários públicos da União, consoante inciso XV, alíena “g”263. Não obstante, Código de Conduta da Alta

Administração Federal tolera o recebimento de gratificações, observado o limite de R$ 100,00 (cem reais) e as regras do artigo 9º, in verbis:

Art. 9o É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade.

Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que:

I - não tenham valor comercial; ou

II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).264

Hungria defende que a vantagem “há de ter caráter patrimonial (há de representar um

pretium no mercado ou compra e venda do ato funcional): dinheiro ou qualquer utilidade

261 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, p. 1004. 262 Cf. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. IX, p. 369.

263 BRASIL. Decreto n. 1.171, de 22 de junho de 1994. Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor

Público Civil do Poder Executivo Federal. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1171.htm >. Acesso em: 25 abr. 2016. O dispositivo estabelece que é vedado ao servidor público “g) pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qualquer espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro servidor para o mesmo fim”. 264 BRASIL. Código de Conduta da Alta Administração Federal, aprovado em 21 de agosto de 2000. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Codigos/codi_conduta/Cod_conduta.htm >. Acesso em: 25 abr. 2016. O problema da eficácia dessas normas para constatar a existência do crime de corrupção passiva será desenvolvido no capítulo seguinte.

material”265. Luiz Régis Prado, por outro lado, entende que a vantagem não precisa ter

natureza patrimonial266.

Sem embargo de opiniões divergentes, a vantagem indevida pode consistir em serviços ou objetos sem caráter patrimonial intrínseco, como favores sexuais, postos na administração pública ou condecorações.

Dessa maneira, “vantagem indevida” deve ser interpretada como qualquer utilidade

indevida, de modo que se essa utilidade indevida influenciar o funcionário público estará

caracterizado o crime de corrupção passiva. Nesse sentido, Pagliaro e Costa Jr. defendem a posição de Maggiore:

A expressão é equívoca e dá margem a interpretações variadas. Deverá a vantagem representar um valor meramente material ou econômico? Ou poderá ser ela interpretada em sentido mais lato, para abranger qualquer tipo de recompensa, de natureza pecuniária ou não?

Parece ser esta última orientação preferível. Faz-se mister, apenas, como já se anotou, que o ato de ofício seja retribuído.

Merece transcrição, a propósito, o comentário de Maggiore:

“Se a sórdida cobiça do dinheiro é o mais freqüente da corrupção, pode-se igualmente corromper para gozar os favores de uma mulher, para obter um cargo ou uma condecoração, para satisfazer uma necessidade de vingança etc. Tudo isso entra no conceito vastíssimo de utilidade: nem existe motivo pelo qual se deva considerar excluída a satisfação de um desejo erótico ilícito.”267

Aliás, William Shakespeare, o dramaturgo que melhor retratou os mais importantes dramas da vida humana, descreveu na obra “Medida por Medida” a corrupção do juiz Ângelo que, para reverter a decisão injusta proferida contra Cláudio, solicitou os favores sexuais de Isabela, a irmã virgem do prisioneiro. Na cena quatro, do segundo ato, Ângelo faz a seguinte insinuação à Isabela, que lhe rejeita peremptoriamente:

Admiti que não haja outro recurso para salvar-lhe a vida – não inculco semelhante medida ou qualquer outra; falo em termos gerais – a não ser este: que vós, sua própria irmã, vos encontrásseis requestada de alguém que, por motivo de sua posição, tivesse influência junto do juiz, e a vosso irmão pudesse libertar facilmente das algemas da lei que envolve a todos, e que meio terreno não houvesse de salvá-lo, exceto o de entregardes a mais rica jóia do vosso corpo a essa pessoa. Sem isso, fatal fora a morte dele. Que faríeis?268

265 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, v. IX, p. 368.

266 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial, p. 379-380.

267 PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes contra a administração pública, p. 110-111. 268 SHAKESPEARE, William. Medida por medida. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2012, p. 44.

Mais uma amostra da sabedoria inesgotável do bardo inglês, reforçando a opinião de que a vantagem pode ser qualquer utilidade, ainda que destituída de perfil patrimonial.

4.12.5 Classificação doutrinária

A corrupção passiva é um crime: a) próprio; b) doloso; c) comissivo (mas pode ser cometido mediante omissão imprópria); d) de forma livre; e) instantâneo; f) monossubjetivo ou unissubjetivo; g) unissubsistente ou plurissubsistente, conforme o caso; h) transeunte; i) forma ou de atividade.269

4.12.6 Consumação e tentativa

Lembra Luiz Régis Prado que o delito é formal ou de mera atividade e, assim, “a corrupção passiva se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida, bem como com a aceitação da promessa da aludida vantagem”. Logo, não é “imprescindível que o agente venha a praticar o ato funcional”270.

Na primeira modalidade, o crime se consuma quando o agente solicita a vantagem indevida, que, “se vier a ser entregue, deverá ser considerada mero exaurimento do crime”.271

Na segunda forma, a consumação ocorre com o efetivo recebimento da vantagem indevida, sem que o funcionário público tenha postulado a benesse. A última modalidade consuma-se quando o agente público aceita, anui, com a promessa da vantagem.

Há divergência doutrinária a respeito da admissibilidade da tentativa. Nelson Hungria não admite o conatus272, enquanto Noronha aceita quando o iter criminis for fracionado, citando o exemplo do funcionário que remete a solicitação, mas a missiva é interceptada antes de chegar ao conhecimento do extraneus.

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