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Natureza jurídica da participação: a teoria da acessoriedade e as formas de

No concurso de pessoas, como visto no item anterior, o problema se refere à extensão do tipo aos agentes que, por meio de alguma conduta, contribuem para a realização do delito, ainda que tais condutas não configurem isoladamente um ato ilícito, que perpassem somente parte do tipo ou que sejam insuficientes para a consumação.

Se “A” incentiva “B”, “C” e “D” a executarem um furto em uma residência “X” e, no dia seguinte, “B” dirige um veículo, levando “C” e “D” até a mencionada casa, sendo que “C” auxilia “D” a ingressar na residência e, por sua vez, “D” efetivamente subtrai os objetos do interior da moradia, verifica-se que somente “D” executou o verbo núcleo do delito de furto (artigo 155 do Código Penal). Nessa configuração, grosso modo, as condutas de A, B e C seriam atípicas, se não fosse a norma que amplia o campo de incidência do tipo penal, a saber, o artigo 29 do Código Penal, que determina a extensão da norma a todos os que, voluntariamente, contribuíram com a realização do tipo, seja mediante atos materiais (auxílio verificado por meio das condutas de “B” e “C”), seja moralmente (incentivo verificado na atuação de “A”).

Decerto, de acordo com a teoria da acessoriedade, a participação é uma conduta acessória à do autor, apresentada como principal. Em regra, não existe descrição específica para quem auxilia, instiga ou induz a outrem a realizar a conduta principal, mas tão somente para quem pratica diretamente o próprio verbo núcleo do tipo. Diante da ausência de descrição típica, faz-se necessário uma norma de extensão ou ampliação que leve a participação até o tipo incriminador. Trata-se, no Código Penal brasileiro, do artigo 29.

Portanto, o artigo 29 é uma norma de extensão ou ampliação pessoal e espacial,

também denominada norma de reenvio, que promove a adequação típica medita da

participação. Por meio dela, as condutas hipoteticamente atípicas de “A”, “B” e “C” são sujeitas as sanções do crime de furto.41

Para diferenciar as duas formas de incidência da norma penal, a doutrina divide-as em

adequação típica direta ou imediata, que se faz sem o intermédio de qualquer outra norma, e adequação típica indireta ou mediata, que depende da conjugação do tipo penal e da norma

de extensão.

Essas duas situações podem ser retratadas nas condutas de “D” e de “A, “B” e “C”, segundo um esquema simples, conforme quadro abaixo:

41 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p.342. De acordo com o autor: “Não existe descrição típica para quem auxilia, instiga ou induz outrem a realizar a conduta principal, mas tão-somente para quem pratica diretamente o próprio verbo do tipo. Desse modo, ao intérprete restaria a dúvida de como proceder à adequação típica nesses casos sem ofensa ao princípio da reserva legal. Tome-se como exemplo a ação do agente que cede a arma para o autor eliminar a vítima. Como proceder ao enquadramento da conduta de quem não matou, mas ajudou a fazê-lo, em um tipo, cuja descrição contém a fórmula “matar alguém”? Tratando-se de comportamento acessório e não havendo correspondência entre a conduta do partícipe e as elementares do tipo, faz-necessária uma norma de extensão ou ampliação que leve a participação até o tipo incriminador. Essa norma funciona como uma ponte de ligação entre o tipo penal e a conduta do partícipe. Trata-se do art. 29 do Código Penal, segundo o qual quem concorrer, de qualquer forma, para um crime por ele responderá.”

QUADRO 2 – TÉCNICAS DE ADEQUAÇÃO TÍPICA

Artigo 155. Subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem.

Artigo 155 c/c Artigo 29 (Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade).

Adequação típica direta ou imediata Adequação típica indireta ou mediata

Conduta de “D” Condutas de “A”, “B” e “C”

Responsável por se apoderar dos bens na residência. Concorreram voluntariamente para que “D” executasse diretamente o crime de furto.

Portanto, a conduta do partícipe tem o caráter de acessoriedade, sendo que esta pode assumir quatro formas, quais sejam, mínima, limitada, extremada ou hiperacessoriedade42.

Na acessoriedade mínima basta o partícipe concorrer para um fato típico, independentemente de ser ilícito e culpável. Para essa corrente, quem concorre para a prática de um homicídio acobertado pela legítima defesa, emprestando uma arma para que o agredido se defenda, responderia pelo crime capital.

Na modalidade limitada o partícipe só responde pelo crime se o fato principal é típico e ilícito. Assim, um indivíduo que auxilia um inimputável a praticar um crime responde pelo delito.

Acessoriedade extremada estabelece que o partícipe somente é responsabilizado se o fato principal é típico, ilícito e culpável. Dessa forma, não responderá por crime algum se tiver concorrido para a atuação de um inimputável.

Hiperacessoriedade exige que o fato principal seja típico, ilícito, culpável e punível.

A jurisprudência e a doutrina seguem teoria da acessoriedade limitada, bastando que o fato principal seja típico e ilícito, ou seja, não precisa ser culpável, para que o partícipe possa ser punido. Anota Rogério Greco:

Como deixamos antever, a teoria da acessoridade limitada tem a preferencia da maioria dos doutrinadores, numa disputa acirrada com a teoria da acessoriedade máxima ou extrema, sendo que esta última era a mais adotada quando havia a inclinação da doutrina pela teoria causal ou naturalista da ação.43

42 Cf. GRECO, Rogério. Código penal comentado. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 93.

Vale dizer que a teoria da acessoriedade limitada também se aplica à conduta de coautores que não realizam o núcleo do tipo, segundo o domínio funcional do fato, como se verá no capítulo seguinte.

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