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3 Formação de Professores

3.4 Experiências de Formação em Contexto de Estágio Pedagógico

3.4.2 Experiências formativas de caráter reflexivo.

As experiências formativas que iremos analisar seguidamente têm como principal propósito o desenvolvimento da capacidade reflexiva dos formandos.

Nas narrativas autobiográficas, o professor relata a sua vida, evidenciando acontecimentos a que atribui maior significado para o contexto profissional (Ramos & Gonçalves, 1996). Para as autoras será expectável que esta narração seja, de algum modo, controlada, no sentido em que é esperado que o narrador, neste caso, o professor ou futuro professor, tenha a intenção de transmitir apenas os aspetos que seja sua intenção passarem para a esfera pública. Pelas suas características de produção e de conteúdo, a narrativa autobiográfica

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constitui-se como um texto idiossincrático pelo cariz pessoal que o define, tanto ao nível da seleção de informação, como à forma como a mesma é narrada e interpretada (Ramos & Gonçalves, 1996). Ao nível da formação inicial, não raras vezes, há a resistência à escrita. Face a esta circunstância, Holly (1991) sugere que a narrativa seja guiada por questões previamente colocadas que permitam, em paralelo, ir ao encontro da informação pretendida e que facilitem a iniciação de um processo narrativo que tem, inerente, a necessidade de exposição pessoal e de autoanálise. Ribeiro (2005) verificou que, embora a maioria dos professores estagiários tenha atribuído importância a esta experiência formativa, a generalidade dos orientadores evidenciou uma opinião contrária, conferindo-lhe pouco relevo. Ambos os grupos reconhecem o valor da narrativa autobiográfica, em termos do desenvolvimento de competências reflexivas, embora tenham referido que a sua utilização era pouco regular. Tal perceção vai ao encontro do evidenciado por Yost, Sentner e Forlenza-Bailey (2000), que referem que os formadores de professores tendem a esquecer-se que os candidatos entram nos programas de formação com crenças amplamente centradas em práticas tradicionais. O ignorar desta circunstância assume consequências ao nível do poder e influência que a formação inicial poderá ter nos futuros professores. Deste modo, se estas crenças, formadas precocemente, não forem claramente desafiadas e discutidas, assiste-se, provavelmente, à sua manutenção. As crenças que os candidatos a professores levam para os programas de formação assumem um poder inquestionável pela precocidade da sua formação. O processo de socialização antecipatória que vivenciaram leva-os a criar uma ideia concreta do que é ser professor e do que é um ensino de qualidade. Contudo, o conteúdo destas crenças decorre de processos de formação alheados de um conhecimento que permita uma análise crítica de conceções e práticas. Impera, então, a necessidade de, nos programas de formação, trazer para a discussão o conteúdo destas crenças e o modo como as mesmas podem ser analisadas e desafiadas. Neste âmbito, a narrativa autobiográfica surge como uma técnica que, por excelência, permite o diagnóstico das crenças. Cabe, assim, aos formadores de professores criar condições à sua implementação. Depois de efetuado o diagnóstico, através do recurso a experiências formativas que despoletem a reflexão interativa, o formador deve apoiar os estudantes na análise crítica tanto das experiências que vivenciaram enquanto alunos, como das normas subjetivas que foram desenvolvendo acerca do papel do professor de Educação Física (Andrew, Richards, Templin & Gaudreault, 2013).

O estudo autónomo reporta-se a uma atividade de formação realizada individualmente com recurso à consulta e análise de informação, no âmbito de uma determinada temática (Onofre, 1996). O foco do assunto, que é estudado autonomamente pelo formando, decorre comummente de fragilidades detetadas no contexto da sua formação ou como elementos de preparação (e.g. planeamento), ou de intervenção da prática de ensino (e.g. condução). Esta

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experiência encerra em si potencialidades, ao nível do desenvolvimento de competências de investigação, podendo, em paralelo, constituir-se como uma prática potenciadora de rotinas, de leitura, interpretação, análise e síntese (Onofre, 1996). Em consonância, Ribeiro (2005) constatou que tanto os professores estagiários como os orientadores consideravam que a principal finalidade desta experiência formativa se reportava à promoção de conhecimento, atribuindo-lhe, em paralelo, uma elevada importância. Apesar do termo estudo autónomo sugerir uma abordagem individual, por vezes até com uma perspetiva pouco sinérgica com a prática, a realidade é que as suas potencialidades só são efetivadas quando o estudo surge numa lógica de inextricabilidade com a prática, visando uma autonomia promotora da colaboração e não do individualismo (Loughran, 2007). No contexto específico do estágio pedagógico, o estudo autónomo desenvolvido pelos formandos deve estar estreitamente relacionado com temáticas de índole prática, do mesmo modo que não se deverá encerrar num processo solitário, mas constituir-se como meio propulsionador ou consequente de um processo comum, decorrendo nomeadamente, de questões inerentes ao planeamento ou à condução do ensino e podendo funcionar como um processo preparativo que anteceda uma entrevista acerca de um assunto específico.

Uma das principais prioridades dos programas de formação de professores prende-se com o confronto das crenças que os futuros professores foram construindo, ao longo da socialização antecipatória. No contexto desta problematização, o estudo autónomo pode assumir-se como uma das técnicas apropriadas. A este respeito, Andrew et al. (2013) sugerem que, no âmbito da formação de professores de Educação Física, os formandos devem ser levados a estudar autonomamente e a discutirem questões inerentes às filosofias curriculares e aos conceitos de ensino, para que se efetive um confronto credível com as suas crenças e valores desajustados.

Para Onofre (1996), o painel de discussão corresponde a formas estruturadas de debate e de resolução de situações problema que decorrem em sessões coletivas e entre pares. O conteúdo destas discussões pode dizer respeito a questões teóricas, a problemas sentidos pelos professores na sua prática diária. Ao nível da forma, esta técnica deve basear-se em procedimentos que ajudem à estruturação das perspetivas de cada interveniente, utilizando-se para tal meios como: perguntas concretas, textos no âmbito das temáticas em análise e observação de vídeos referentes a aspetos específicos da prática profissional. O caráter colaborativo do trabalho que está subjacente ao painel de discussão exige um clima de confiança entre os diferentes intervenientes, para que dificuldades e fragilidades possam ser abertamente expostas e posteriormente analisadas de forma construtiva, enformando-se um debate norteado pela reflexão e pela procura de soluções para os problemas identificados. Nesta perspetiva, Onofre (1996) refere que a discussão se processa em duas etapas: uma inicial de

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natureza exploratória para análise das diferentes perspetivas dos intervenientes envolvidos e um momento posterior em que é efetuada uma síntese que deve perseguir a procura de consensos ou divergências fundamentadas. Segundo Loughran (1996), as potencialidades do painel de discussão decorrem da liberalização do pensamento, numa perspetiva de confronto de diferentes visões sobre o ensino e da forma como este deve ser implementado. Segundo o autor, esta prática contribui para o desenvolvimento da criatividade e promove a reflexão acerca do nível de adequação dos princípios teóricos e práticos de situações concretas. Esta técnica de formação tem potencialidades inquestionáveis ao nível do desenvolvimento das competências colaborativas. Tal como é evidenciado por Darling-Hammond (2006), o caráter moral e técnico inerente à profissão docente está subjacente à expectativa de um trabalho colaborativo que visa a partilha de conhecimento para um melhor ensino dos alunos. Deste modo, os programas de formação devem criar condições para que os formandos aprendam não apenas com a sua prática, mas também com a dos seus pares. A este nível, o painel de discussão desenvolvido no contexto da formação inicial permite que os futuros professores iniciem o desenvolvimento de habilidades necessárias para a participação efetiva no trabalho colegial que vise a melhoria da escola, ao longo de suas carreiras. Ribeiro (2005) observou que tanto orientadores como estagiários atribuíam elevada importância a esta experiência, evidenciando que o seu propósito se prendia, fundamentalmente, com o desenvolvimento de competências de reflexão.

A autoscopia constitui-se como uma atividade de análise reflexiva individual sobre uma temática ou episódio formativo (Onofre, 1996). Segundo o autor, o conteúdo da reflexão pode ser diversificado, centrar-se nos sentimentos e crenças associados a uma determinada situação ou à análise de uma experiência formativa, nomeadamente uma sessão de ensino e aprendizagem. Salienta ainda que este procedimento deve ter como produto um registo escrito que sistematize os pontos centrais da reflexão realizada. Ribeiro (2005) observou que estagiários e orientadores eram unânimes na elevada importância atribuída a esta experiência formativa, percecionando o seu elevado valor ao nível da promoção do desenvolvimento reflexivo. Ildefonso (2013) verificou que o exercício de elaboração de autoscopias, por parte de estagiários de Educação Física, não era realizado de forma regular ao longo do estágio e o seu nível de reflexão assentava, essencialmente, na descrição e justificação. Loughran (1996) destaca que existe uma tendência nos formandos para a ausência de referência aos aspetos menos positivos da experiência. Contrariamente, Ildefonso (2013) salientou que, na elaboração de autoscopias acerca da análise do ensino, professores estagiários de Educação Física tendiam a evidenciar aspetos fundamentalmente de cariz positivo. Nestas circunstâncias, o formador assume um papel preponderante no sentido da recondução do foco da autoscopia para aspetos tanto de valência positiva, como negativa. Contudo, nesta intervenção é fundamental não

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esquecer que a deteção de situações problema não se encerra em si mesma. Trata-se apenas da fase inicial de um processo que visa uma reflexão proativa que conduza a um novo planeamento centrado em novas estratégias e atividades que se perspetiva que contribuam para a superação das dificuldades e potencialização dos aspetos positivos. Neste âmbito, Bandura (1997) salienta que o estagiário pode tender tanto a sobrevalorizar-se, como a efetuar o processo inverso. Perante a incursão do formando no destaque de aspetos essencialmente negativos, é função do orientador conduzir a uma consciencialização crítica equilibrada que encoraje o formando a identificar aspetos positivos e tradutores de evolução. Neste contexto, o orientador deve recorrer a outras estratégias formativas que combinem a reflexão com a comunicação entre diferentes intervenientes, clarifique a natureza irregular do processo formativo, salientando que, do mesmo modo que as experiências formativas de sucesso não constituem aquisições inevitavelmente alcançadas, também as experiências de insucesso não são eternamente repetíveis. Nesta segunda situação, o processo reflexivo de identificação das causas do insucesso assume-se como o início de um processo de inversão de um fracasso que se pretende efetivar através de um planeamento específico, assente na resposta concreta às dificuldades vivenciadas. Como previamente exposto, esta experiência formativa pode ser combinada com outras, como sejam a prática de ensino ou a entrevista, numa perspetiva de se constituir como um trabalho prévio ou posterior às mesmas.

A importância dos portefólios, ao nível da formação inicial, sustenta-se no facto de esta estratégia formativa contribuir para a perduração da experiência de ensino (Shulman, 1992 cit. in Stone, 1998). Metaforizando, o autor associa a experiência de ensino a um fragmento de gelo seco que derrete com o tempo. Aos futuros professores é solicitado que aprendam com essas mesmas experiências de ensino que se caracterizam pela efemeridade. É neste contexto que o portefólio surge como uma ferramenta capaz de perpetuar as vivências em contexto de ensino, através da ligação entre os contextos e as histórias pessoais. O portefólio tem sido sugerido como uma estratégia que permite a análise dos processos de pensamento e reflexão do professor (Breault, 2004), devendo documentar o cariz processual da formação realizada em contexto de prática. Paralelamente, o formador deve criar condições para que a reflexão e o diálogo acerca do seu conteúdo se efetivem através da combinação desta com outras experiências formativas. Todos os elementos do portefólio são dirigidos para a ação e respetiva reflexão, assumindo-se também como pontos de referência de eleição para os momentos de avaliação (Oliveira- Formosinho, 2002). Segundo Alarcão e Tavares (2007, p. 105), o portefólio constitui-se como “um conjunto coerente de documentação refletidamente selecionada, significativamente comentada e sistematicamente organizada e organizada no tempo, reveladora do percurso profissional”. Sá-Chaves (2000), que se tem dedicado à investigação dos portefólios como

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estratégia formativa, designou-os de portefólios reflexivos, pretendendo com esta adjetivação sublinhar a diferença entre esta estratégia e os tradicionais dossiers, relatórios e portefólios de estágio. Explicitando esta fronteira, destaca que os portefólios reflexivos assumem um caráter formativo, continuado, reflexivo e compreensivo. Ribeiro (2005) constatou que tanto estagiários como orientadores reconheciam importância ao portefólio, atribuindo-lhe fundamentalmente um propósito de recolha, registo e organização. Stone (1998) argumenta que as finalidades e os modos de utilização dos portefólios devem ser explicitamente comunicados aos estagiários e aos restantes elementos envolvidos numa fase inicial do processo. Pretende-se, deste modo, que haja um esclarecimento comum relativamente à intencionalidade desta técnica, bem como dos papéis a desempenhar por cada um dos elementos envolvidos na formação. Assumindo-se o propósito reflexivo do portefólio, associado à sua permanente reconstrução, o tempo constitui-se como um elemento central deste processo, dado o seu caráter de condicionante para que o crescimento profissional se efetive (Breault, 2004). Os portefólios são uma estratégia que tem por finalidade manter a experiência de ensino ‘viva’, permitindo que os estagiários comecem a captar a complexidade inerente à simultaneidade do aprender, do ensinar e do aprender a ensinar. Quando os portefólios são bem construídos, proporcionam oportunidades para os futuros professores refletirem acerca das suas experiências, sejam estas de sucesso ou de insucesso. Assim, esta experiência formativa encerra em si um potencial de desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva que visa a melhoria da aprendizagem dos futuros professores e dos seus alunos.

3.4.3 Experiências formativas de diagnóstico, análise e prescrição no

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