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1 A Qualidade de Ensino na Ecologia Microssistémica

1.2 A perspetiva Ecológica no Contexto Educacional

1.2.1 A sala de aula enquanto microssistema.

A visão inerente à presente pesquisa assenta numa orientação microssistémica da investigação ecológica reportada por diversos autores (e.g. Doyle, 1977, 1986, 2006; Hastie & Siedentop, 1999, 2006; Siedentop, 1991).

Doyle (2006), no âmbito da perspetiva ecológica, ao centrar-se fundamentalmente nos estudos de âmbito microssistémico, assume a sala a aula como unidade fundamental. Esta unidade é conceptualizada enquanto contexto em que uma turma e um professor estão envolvidos em atividades com propósitos educacionais e de resultados dos alunos. Assente na complexidade do contexto de sala de aula e nas exigências subjacentes a essa complexidade, Doyle (1977) sublinha que a natureza das competências de ensino não se centram unicamente na capacidade do professor gerir a matéria de ensino. A este propósito, o autor destaca que diversos estudos de cariz naturalista, focados na sala de aula, sugerem que: “knowing how manage subject matter sequences represents only a small part of the skill necessary to be a teacher” (Doyle, 1977, p 51). Nesta perspetiva passaremos à análise dos sistemas de tarefas que cabe ao professor ter a capacidade de gerir no sentido de atuar para o alcance de um equilíbrio ecológico que concorra para as aprendizagens dos alunos.

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1.2.1.1Os sistemas de tarefas.

De acordo com Doyle (1977, 1986, 2006), a ecologia da aula comporta dois sistemas de tarefas: o sistema de tarefas de instrução (instructional) e o sistema de tarefas de gestão (managerial). Ambos os sistemas são da responsabilidade do professor. No que concerne às tarefas de instrução, estas relacionam-se diretamente com a matéria, ou seja, com as aprendizagens que o professor tem a intenção que os alunos realizem durante a sua participação nas atividades propostas. O sistema de tarefas de gestão está associado a aspetos comportamentais e de organização. Embora o sistema de tarefas de gestão não se associe diretamente com a matéria de ensino, constitui-se como absolutamente necessário para que o professor e os alunos possam interagir. Considerando que a ‘vida’ em sala de aula é sustentada por uma dimensão académica e por uma dimensão social em interação permanente, Allen (1986) salienta a importância do sistema social dos alunos (student social system) argumentando: “in general, existing research has not addressed high school students’ agenda, but rather has addressed students’ and teacher’ perspectives on the teachers’ agenda” (p. 438). Assumindo como pressuposto que os contextos de aula interagem com a agenda dos alunos e que dessa interação resultam variações nas perspetivas dos alunos acerca do sistema de gestão da aula, Allen (1986) realizou um estudo de cariz naturalista com o propósito de produzir e analisar os constructos teóricos que sugerem que os alunos têm uma agenda para as aulas que é concretizada em objetivos específicos. Paralelamente, com esta pesquisa, o autor procurou identificar as estratégias implementadas pelos alunos para o alcance dos seus propósitos para a aula, o momento em que essas estratégicas eram utilizadas e que tipo de aluno as levava a efeito. A amostra desta pesquisa contou com quatro professores e 100 alunos, que frequentavam maioritariamente o nono ano. Com o intuito de um conhecimento efetivo do contexto de estudo, o investigador optou por uma observação participante, assumindo o estatuto de aluno. Para além da observação, foram também utilizadas entrevistas tanto aos alunos, como aos professores. Com este estudo, Allen (1986) pôde concluir que os alunos têm dois objetivos primordiais que orientam a sua participação na aula. Uma dessas finalidades prende-se com a socialização, enquanto a outra está relacionada com a garantia de aproveitamento académico. O primeiro dos objetivos encerra um cariz motivacional intrínseco no qual o aluno vê na aula um meio de se reunir e conviver com os amigos. Assim, estabelece interações com colegas e com o próprio professor, visando a satisfação dos seus propósitos de socialização. Este tipo de interação não assume os conteúdos da aula como temática e, no que respeita à forma, a socialização é concretizada, fundamentalmente, através de conversas e brincadeiras. O objetivo de garantia do aproveitamento académico, traduzido na intenção de passar o ano, consagra um propósito motivacional extrínseco. Neste âmbito, para Allen (1986), as atividades implementadas pelos

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alunos são encaradas como um trabalho necessário à obtenção de classificações consonantes com a sua finalidade. Para a concretização destes objetivos, os alunos utilizam diferentes estratégias em função das atividades que se desenvolvem em aula. Nas primeiras aulas do ano, houve recurso a uma estratégia de apuramento das características do professor (figuring out the teacher). Através da implementação desta estratégia, os alunos ‘procuraram’ a identificação dos limites do professor. Assim, vão construindo um quadro de referências relativo aos mecanismos de socialização que são compatíveis com os professores, bem como as exigências inerentes à concretização do aproveitamento. O autor caracteriza o período de implementação desta estratégia como “a wait and see period, typified by extreme quietness, to determine and clarify the teachers’ requirements and expectations” (p. 446). Depois desta primeira fase de ‘teste’ dos limites do professor, os alunos podem adotar três estratégias: de diversão, de comportamentos consonantes com os padrões transmitidos pelo professor ou de minimização do trabalho instituído. Os alunos que têm por propósito a socialização adotam estratégias de diversão. Quando o objetivo se prende com a concretização do aproveitamento, o aluno comporta-se no sentido de dar ao professor o que este pretende. Por seu turno a implementação da estratégia de minimização do trabalho pode responder tanto a intenções de sucesso académico, como a propósitos de socialização. Assim, o aluno pode visar a realização do mínimo de trabalho necessário compatível com o seu propósito de aproveitamento ou a redução do trabalho pode assumir-se como uma forma de potenciar o tempo disponível para a socialização.

Quando se verifica um conflito entre a agenda do professor e a dos alunos, os segundos identificam-no como episódios críticos. Perante tais circunstâncias, tendem a responder com dois tipos de estratégias: reduzir o aborrecimento e evitar problemas. A redução do aborrecimento implica a subversão da agenda do professor, nomeadamente através da adoção de comportamentos desviantes ou mesmo agressivos. A este respeito, Allen (1986, p. 449) reporta que “humor to reduce boredom was sarcastic and demeaning”. O evitamento de problemas concretiza-se através da interrupção de comportamentos considerados indesejáveis pelo professor ou pelo afastamento relativamente ao foco da sua ocorrência. Esta estratégia foi identificada quando os alunos previam que o professor iria tomar medidas rígidas como forma de controlar comportamentos de socialização implementados pelos alunos.

A iniciativa dos alunos para utilizarem estas estratégias está em estreita relação com as características do contexto de aula. Como já tivemos oportunidade de reportar anteriormente, no contexto de sala de aula, professores e alunos surgem como atores que trazem consigo propósitos e intenções. É nesta confluência de interesses que se desenha a especificidade dos sistemas de tarefas a implementar pelos diferentes atores. A este respeito, Allen (1986) trouxe um contributo preponderante à conceptualização já avançada por Doyle (1977), na medida em

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que o primeiro conceptualiza, de forma clara, a existência de um sistema de tarefas referentes à agenda social dos alunos. Até então, a socialização em sala de aula era assumida, mas não se reconhecia como um sistema de tarefas concreto, equivalente aos sistemas de tarefas de instrução e de gestão.

Em consonância com a proposta de Doyle (1977) e englobando os contributos de Allen (1986), Siedentop (1991) clarifica que o modelo da ecologia da aula (classroom ecology model) é composto por três sistemas de tarefas inter-relacionados: o sistema de tarefas de instrução, o sistema de tarefas de gestão e o sistema social dos alunos. A interação que define este modelo implica que a alteração em qualquer dos sistemas de tarefas se traduza numa consequente modificação nos restantes sistemas. A conceptualização da agenda social dos alunos decorre da evidência de que estes têm um projeto social quando chegam às aulas e as intenções que compõem esse projeto repercutem-se na procura de manutenção de relações sociais com os outros atores da aula. Embora o sistema social dos alunos seja mais difícil de definir do que os restantes pela multiplicidade de formas que podem tomar, é fundamental ter presente a sua importância e a influência preponderante que opera relativamente aos sistema de instrução e de gestão.

Assumindo a conjugação das perspetivas anteriormente apresentadas que, na sua essência, se sustentam na aplicação da visão ecológica (Bronfenbrenner, 1976, Bronfenbrenner & Morris, 2006) ao contexto específico do ensino (Allen, 1986; Doyle, 1977) e da Educação Física em particular (Siedentop, 1991), estão reunidas as condições para podermos caracterizar o professor eficaz (que desenvolve um ensino de qualidade). Assim, este assume-se como aquele que compreende a forma como os sistemas interagem, procurando estabelecer uma ecologia orientada para a aprendizagem, garantindo, em simultâneo que, há a integração do sistema social dos alunos.

1.2.1.2A natureza do contexto de sala de aula.

Num estudo realizado com professores estagiários, Doyle (1977) pôde constatar que a complexidade do contexto de sala de aula comporta características que se traduzem em exigências do envolvimento (environmental demands), porque estão ‘em ação’ a partir do momento em que professor e alunos se encontram em contexto de sala de aula. Primeiro, Doyle (1977) sistematiza três características às quais, em 1980, acrescenta mais três. Destaca: a multidimensionalidade (multidimensionality), a simultaneidade (simultaneity), o imediatismo (immediacy), a imprevisibilidade (unpredictability), o caráter público (publicness) e a história (history). A multidimensionalidade está associada à grande quantidade de acontecimentos e tarefas que se desenvolvem em contexto de sala de aula. Neste ambiente convivem diversos

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indivíduos, com diferentes perspetivas e habilidades que têm à sua disposição um conjunto restrito de recursos para acompanhar uma quantidade alargada de objetivos pessoais e sociais. Estes atores, alunos e professor, interagem, o que, aliado ao anteriormente referido, acarreta um acréscimo ao nível do caráter multidimensional do contexto. A simultaneidade constitui-se como outra das características que surge da ocorrência de uma diversidade de acontecimentos que pode envolver a ajuda do professor a um determinado aluno numa dada tarefa, enquanto é realizada a supervisão da restante turma que se encontra noutra atividade. Esta característica desencadeia a inevitável dispersão de atenção por parte do professor, no sentido da procura de controlo de diversos acontecimentos ao mesmo tempo. O ritmo a que os acontecimentos se processam numa aula confere-lhe um imediatismo inquestionável. A este está associada a imprevisibilidade dos acontecimentos, dado que, não raras vezes, surgem circunstâncias inesperados. De um modo concreto existe uma real impossibilidade da antecipação de circunstâncias que exige uma reação por parte do professor. O caráter público das aulas surge associado à exposição contínua de professores e alunos a um público de observadores. Este público é fundamentalmente composto por alunos que são espetadores assíduos dos comportamentos dos professores. No contexto da disciplina de Educação Física, esta característica é mais explícita visto que o espaço exterior da escola é sistematicamente a ‘sala de aula’ de Educação Física. Neste sentido, existe uma exposição pública, ao alcance de qualquer elemento que passe ‘por uma porta que se encontra sempre aberta’. Doyle (1980) saliente ainda a história da relação pedagógica, definindo-a como os contactos que se estabelecem entre a turma e o professor de forma prolongada e sistemática. O escrever desta história pedagógica conduz à acumulação de experiências, rotinas e normas que se assumem como elementos singulares característicos das atividades de aula de um determinado grupo.

A combinação destas características conduz à criação de exigências que recaem fundamentalmente no professor pelo facto de ser este o responsável pelo planeamento e condução da aula. A nível ecológico, a pressão decorrente das exigências inerentes à complexidade do contexto de sala de aula tendem a dar origem às tarefas de gestão, que visam a garantia da manutenção de um ambiente propício ao desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem. É neste âmbito que surge a questão da ordem da sala de aula, bem como as estratégias que contribuem para assegurar a sua manutenção.

1.2.1.3A ordem na sala de aula.

Para analisar a questão inerente à ordem em aula, interessa que nos reportemos a Doyle (1985). À data, o autor evidenciava a existência de uma tensão aparente entre a gestão e o currículo. Analisando esta questão, Doyle (1985) sustenta que a aprendizagem proporcionada pelo sistema

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de instrução envolve determinadas competências do currículo que se pretendem ver desenvolvidas. Paralelamente, este sistema compreende a intenção da promoção de uma atitude favorável dos alunos relativamente ao conteúdo, no sentido da sua persistência face à aprendizagem. Por sua vez, a ordem proporcionada pelo sistema de gestão abrange a organização dos grupos na aula, o estabelecimento de regras e procedimentos, a reação a comportamentos indesejados e a monitorização e o estabelecimento do ritmo das atividades de aula. Importa salvaguardar que estas características da aula não devem ser confundidas com a adoção de atitudes de passividade e silêncio dos alunos e/ou de autoritarismo por parte do professor. Clarificando esta questão, Doyle (1986, p. 396) esclarece que “order in a classroom simply means that within acceptable limits the students are following the program of action necessary for a particular classroom event to be realized in the situation”.

A relação entre a promoção das aprendizagens inerente ao sistema de instrução e à manutenção da ordem intrínseca ao sistema de gestão constitui-se como uma realidade inquestionável. Neste sentido, é essencial um nível de ordem compatível com um desenvolvimento das tarefas de instrução que se associe à atenção dos alunos. Apesar da interdependência entre as tarefas de aprendizagem e a ordem, estes representam diferentes níveis de análise: enquanto a aprendizagem assume um caráter eminentemente individual, a ordem é uma propriedade associada ao sistema social. Tal como é referido por Doyle (1986), a ordem e o trabalho académico, para além de se constituírem como um dos aspetos centrais do modelo ecológico, estão intimamente relacionados. A este respeito, Hastie e Siedentop (2006, p. 215) ilustram que “if students begin to misbehave, it is more likely that the teacher will act to restore order, thereby temporarily suspending the instructional focus of the lesson”.

O contexto constitui-se como uma variável da ordem, visto que cada ambiente encerra em si exigências específicas. Assim, assume-se, como condição para a compreensão da ordem, a análise dos contextos de sala de aula e a forma como estes são encarados por professores e alunos. O grau de envolvimento dos alunos, relativamente às atividades, pode ter variações no aspeto da ordem, ou seja, sendo garantida a ordem, os alunos podem assumir uma atitude de cooperação que requer um mínimo de participação dos alunos nas atividades de aula ou uma postura de envolvimento efetivo relativamente aos conteúdos de aprendizagem. Doyle (2006, p. 100) esclarece que a cooperação “includes both involvement in the program of action for the activity and passive noninvolvement”. De acordo com o autor, esta tipologia de comportamento, por parte do aluno, embora não se constitua como a ideal em termos do clima entre os alunos e as tarefas de aprendizagem, distingue-se dos comportamentos de indisciplina. Estes são caracterizados por iniciativas de desordem que colocam em causa a concretização das atividades de aula, podendo assumir contornos associados à criação de um programa de ação com

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propósitos de deterioração da segurança da turma e/ou de incumprimento das regras de conduta partilhadas por professor e alunos.

A eficácia dos professores, relativamente à gestão da aula, resulta, em larga escala, das estratégias adotadas. Neste âmbito, o estabelecimento de regras e a adoção de rotinas assumem um papel preponderante.

No que respeita ao estabelecimento de regras, Doyle (2006) destaca o início do ano letivo como um período crítico. De acordo com o autor, é neste período que a ordem é definida e os processos e procedimentos que garantem a ordem são colocados em prática. Para além das regras de conduta estabelecidas de forma oficial, existem um conjunto de regras implícitas que se enformam em padrões de comportamento e relação que, ao serem ‘enraizados’ pelo grupo, acabam por se tornar rituais manifestos nunca decretados. A rotinização de procedimentos e atividades permite a criação de expectativas concretas relativamente à sequência dos acontecimentos em aula, sendo que esta previsibilidade decorre da familiarização com ritmos e regras que, por repetição, se tornam elementos identitários da aula.

A par das regras e das rotinas, os professores, em função das exigências do envolvimento, desenvolvem estratégias no sentido da redução da sua complexidade. Num estudo desenvolvido por Doyle (1977), já anteriormente reportado, pôde concluir-se que, considerando as exigências do envolvimento, todos os professores estagiários que constituíam a amostra do estudo adotaram estratégias conducentes à redução da complexidade das aulas. Neste âmbito, o autor diferenciou as estratégias utilizadas pelos professores estagiários considerados bem-sucedidos e os que não haviam alcançado o êxito. Foi possível concluir que estes últimos tendiam a reduzir a complexidade da aula, ignorando a multiplicidade e a simultaneidade do contexto. Assim, perdiam a sua atenção a uma zona da aula, focando-se seletiva e exclusivamente numa atividade de cada vez. Por seu turno, os estagiários que haviam respondido com êxito à complexidade inerente ao contexto de sala de aula evidenciavam um conjunto de competências que Doyle (1977) sistematizou, recorrendo à terminologia proposta por Kounin na década de 70. Estes implementavam estratégias para se adaptarem à complexidade da aula, recorrendo para tal a cinco competências fundamentais: a competência para agrupar acontecimentos particulares em unidades maiores (chunking); a competência para distinguir os acontecimentos em função da urgência que lhes era inerente (differentiation); a competência para lidar simultaneamente com mais do que um acontecimento (overlap); a competência para controlar a duração dos acontecimentos (timing) e a competência para interpretar os acontecimentos, requerendo o mínimo de tempo (rapid judgment). Considerando estudos realizados na tradição da ecologia da aula, Doyle (1979) conclui que a intensidade das exigências do envolvimento está na

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dependência de três fatores: a complexidade da atividade a ser realizada, a intenção dos alunos para exercer a atividade e a capacidade destes para realizar as ações exigidas pela atividade.

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