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Habermas: as condições ideais de comunicação e a verdade transcendente

IMPENSADO NO DISPOSITIVO DA VERDADE

6. A Filosofia como inclinação natural ao verdadeiro

6.4. Habermas: as condições ideais de comunicação e a verdade transcendente

O último exemplo que darei acerca desta Imagem do Pensamento que pressupõe algum tipo de inclinação natural para a verdade pode ser encontrado na Filosofia de Habermas. Ao estabelecer uma crítica à Filosofia kantiana por esta encontrar-se presa a um subjetivismo transcendental que não leva em conta a dimensão intersubjetiva da linguagem, Habermas (2004) pretende reposicionar as bases do kantismo em termos de um realismo pragmático. Aos olhos deste trabalho, trata-se não de um realismo

imanente tal como encontramos em Foucault, mas sim de um realismo transcendente.

Para tal realismo, deveria ser levado em conta duas dimensões fundamentais feitas em sua obra Verdade e Justificação:

a) A dimensão apresentativa, que diz respeito à relação objetiva dos enunciados sobre o mundo.

b) A dimensão comunicativa, referente à relação intersubjetiva dos enunciados entre os sujeitos falantes.

Trata-se, com isso, de buscar uma forma para “chegar a um bom termo com o mundo, conduta que deve sua capacidade de solucionar problemas ao entrecruzamento da racionalidade teológica da ação com a racionalidade epistêmica da representação” (HABERMAS, 2004, p.14). Essa racionalidade teleológica da ação constitui o espaço comunicativo e pragmático, ao passo que a racionalidade epistêmica da representação constitui o âmbito propriamente apresentativo, agenciado fundamentalmente por uma perspectiva correspondencialista em relação à verdade. Portanto, se na dimensão apresentativa o que está em jogo é a verdade dos enunciados, na dimensão comunicativa o que está em jogo são as formas de justificação destes enunciados. A dimensão ligada à verdade constitui o campo epistêmico, ao passo que a dimensão ligada à justificação constitui a esfera pragmática. Analisarei aqui duas consequências desta distinção.

A primeira delas constitui um passo fundamental na recusa ao poder das evidências imediatas para a determinação da verdade. Por mais que Habermas (2004), em outras circunstâncias e por outras vias, restaure o impensado mediante a ligação indissolúvel e inexplicável entre pretensão de verdade e comunicação (o que comunica pretende comunicar uma verdade), desprezar esta importante consequência de sua Filosofia constituiria uma negligência e um sobrevoo demasiado abrupto que não faria jus a alguns aspectos importantes do pensamento de Habermas. Essa recusa da evidência na determinação da verdade é bem expressa pelo filósofo na seguinte passagem:

O conceito discursivo de verdade deve, de um lado, levar em conta o fato de que a verdade de um enunciado – dado a impossibilidade de um acesso direto a condições de verdade não interpretadas – não pode ser medida por “evidências peremptórias”, mas se bem que jamais definidas como “obrigatórias” (...). Não existe um acesso direto, não filtrado pelo discurso, às condições de verdade e as convicções empíricas (HABERMAS, 2004, p. 46- 49).

Se no âmbito apresentativo das atribuições de verdade sobre o mundo Habermas (2004) recusa que qualquer proferimento tenha algum acesso não-intersubjetivo a essa verdade, será, todavia, precisamente no contexto da pragmática, da justificação e da comunicação que a transcendência da verdade deixará suas principais marcas. Trata-se de sua tentativa de combinar “a compreensão de referência transcendente [da verdade] em relação à linguagem com uma compreensão – imanente à linguagem – de verdade como assertibilidade ideal” (HABERMAS, 2004, p.46). Eis aqui o que Deleuze e Guattari (2010), referindo-se ao universal da comunicação presente na fenomenologia,

chamou de “trabalho de toupeira do transcendente na própria imanência” (p.58). Seria difícil encontrar palavras mais expressivas para significar a atitude de Habermas (2004). Este trabalho de toupeira é realizado mediante o que Habermas (2004) entendeu como os pressupostos idealizantes da práxis comunicativa. Antes de nos atermos a estes interessantes pressupostos, vejamos que tipo de relação existiria entre o enunciado verdadeiro e esses pressupostos pragmáticos presentes nos discursos com pretensão à racionalidade e validade:

Um enunciado seria verdadeiro precisamente se, e somente se, pudesse resistir, sob os exigentes pressupostos pragmáticos dos discursos racionais, a todas as tentativas de invalidação, ou seja, se pudesse ser justificado numa situação epistêmica ideal (HABERMAS, 2004, p.46).

É no seio destas condições epistêmicas ideais que um enunciado será reconhecido como verdadeiro ou, como nos adverte França (2008), como provavelmente

verdadeiro66. Assim, será no contexto desse reconhecimento da verdade, no âmbito dos atos de enunciação e, portanto, no registro das práticas linguísticas concretas que se infiltra este ideal transcendente da comunicação. Não mais reside no mundo inteligível, no sujeito pensante, ou nas condições transcendentais do conhecimento: ao trazer para o primeiro plano o mundo da vida, o mundo intersubjetivo, o mundo das práticas linguísticas reais, Habermas (2004) finda por fazer funcionar de forma ainda mais eficaz e capilar, e até os mais tênues grãos, o dispositivo da verdade. É precisamente este dispositivo que age nas condições epistêmicas ideais, ou pressupostos idealizantes da

comunicação, ou mesmo pressupostos pragmáticos do discurso verdadeiro, para citar

algumas formas de nomeação utilizada pelo filósofo. Vejamos quais são essas condições, esses princípios, ou esses pressupostos:

1) Publicidade e total inclusão de todos os envolvidos. 2) Distribuição equitativa dos direitos de comunicação.

3) Caráter não-violento da comunicação que admite apenas a força não- coercitiva do melhor argumento.

4) Probidade dos proferimentos de todos os participantes.

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Para o que proponho investigar nesse tópico, a distinção entre verdadeiro e provavelmente verdadeiro não é de grande importância, pois o que está em jogo não é o encontro, a ascese final ou a fusão com a verdade, mas sim o movimento de inclinação à verdade. E este movimento é igualmente encontrado no provavelmente verdadeiro, uma vez que, nele, é esta probabilidade de verdade que se deseja: é a ela que o discurso se inclina.

Mediante esses pressupostos, ou regras de orientação empírica do discurso, trata- se de uma “consideração sensata de todas as vozes, temas e contribuições relevantes, [que faça] justiça à transcendência da verdade em relação a seu contexto, tal como é reivindicada pelo falante em seu enunciado67” (HABERMAS, 2004, p. 46, grifos meus). Eis aqui uma referência explícita ao caráter transcendente da verdade. Correlata a esta transcendência aparece a crítica a uma significação demasiado pragmática da verdade. É interessante que, por essa via, Habermas (2004) já afirmara aquilo que foi mencionado por Kirkham (2003) e França (2008) em relação ao caráter intuitivo da verdade: “essa compreensão procedural de verdade como resgate discursivo das pretensões de validade é contra-intuitiva, na medida em que, obviamente, a verdade não é um ‘conceito ligado ao sucesso’” (HABERMAS, 2004, p.47, grifos meus). Assim, há aqui também uma estreita relação entre a transcendência da verdade em relação a qualquer prática discursiva de justificação e o modo intuitivo (tão imediato quanto inexplicável) com o qual a verdade nos toca.

Esses pressupostos pragmáticos para o discurso verdadeiro nos ensinam, portanto, não como abraçar, alcançar ou açambarcar a verdade, mas sim que, para chegar perto da verdade, é necessário algumas condições. Não é de qualquer modo que se dirige ou se inclina à verdade. Para esta inclinação, é necessária a constituição de um espaço onde todos possam falar e ver o que acontece, onde todos tenham os mesmos direitos de fala, onde ninguém exerça poder sobre ninguém e, por fim, que todos sejam sinceros e tenham boa-vontade no momento de falar. Como isto não é empiricamente possível, não é possível empiricamente a verdade. O ponto principal, contudo, é que o fato de isto não ser possível não paralisa um movimento de inclinação à verdade, mas, ao contrário, faz com que as regras desse movimento fiquem mais discernidas. Se algumas orientações platônicas, cartesianas ou kantianas resultavam por demais obscuras quanto aos procedimentos específicos e concretos para chegar à verdade, deixando aí um certo espaço não preenchido pelo dispositivo da verdade, eis que Habermas, mantendo a verdade na transcendência, faz descer à terra seu reinado, seu império e seu governo a partir dos súditos enviados de cima: os pressupostos ideais da comunicação.

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Percebemos em incontáveis passagens um teor fundamentalmente moral nos escritos de Habermas que se referem precisamente à Imagem do Pensamento como o impensado, como aquilo que se supõe auto- explicativo e em relação ao qual nada mais precisa ser dito para um bom entendimento – a exemplo de expressões como “probidade”, “consideração sensata”, “contribuições relevantes”.

Enquanto, todavia, a verdade continuar operando na transcendência e for representada como exterior a um campo imanente e pragmático das práticas linguísticas reais – tal como ocorre no pensamento de Habermas (2004) – nunca haverá uma argumentação definitiva ou uma prova cabal que mostre por que são precisamente essas as condições que nos aproximam da verdade, e não outras. Por que é necessário, para chegar perto da verdade, que todos estejam envolvidos no processo? A inclusão de todos não poderia, ao contrário, obstaculizar esse processo? Igualmente podemos pensar: caso todos tenham o mesmo direito, igual tempo, semelhantes meios e democráticos espaços para a argumentação, não seria possível pensar que isso novamente distanciaria esse alcance ou aproximação da verdade? O que significa a “força não-coercitiva da melhor argumentação”? Não poderia ser o caso de que um bom trabalho retórico, capaz de persuadir, de convencer, de seduzir e, portanto, de exercer poder sobre aqueles que escutam pudesse constituir um melhor movimento de inclinação à verdade? Assim, para preencher esse hiato, essa hiância, esse espaço vazio, ou essa enorme distância deixada pelos rastros do movimento de transcendência da verdade, há que recorrer precisamente a uma Imagem do Pensamento que represente, de forma arbitrária e pré-filosófica, um movimento de inclinação que o pensamento ou a linguagem teriam de direito (e não de fato) em relação à verdade.

Se Habermas, malgrado reativar essa inclinação do discurso à verdade, rejeita que isso possa ser feito por qualquer movimento autoreflexivo do discurso sobre ele mesmo, podemos citar aqui o exemplo de Apel (1986) que, coabitando o semelhante espectro de um kantismo linguístico-pragmático, entende que o alcance da verdade pelo discurso deve passar por uma fundamentação reflexiva. Para Apel (1986), a afirmação cética de que “não há verdade” implicaria em uma contradição entre a dimensão semântica (o que o discurso diz) e a dimensão pragmática (o que o discurso faz). Em sua Ética do Discurso, Apel (1986) chamará esta contradição de contradição

performativa, uma vez que temos aqui um desacordo que constitui oposição entre o que

esta afirmação diz (não há verdade) e o que ela pretende fazer (afirmar uma verdade). Mediante a detecção desta contradição performativa que inevitavelmente recai sobre o enunciado cético, Apel (1986) entende que a própria fundamentação da Filosofia deverá assumir essa movimentação reflexiva e indireta: é pela via da contradição performativa em que cai o enunciado cético que se faz possível retornar reflexivamente às condições transcendentais e intranscendíveis de toda e qualquer prática linguística. Encontramos

aqui, no pensamento de Apel (1986), um elemento específico da práxis linguística que sustém essa inclinação natural do discurso ao verdadeiro: a pretensão à validade.

É possível, contudo, encontrar no próprio pensamento de Habermas (1987) uma referência a essa pretensão à validade como condição para obter de um consenso ideal movido por uma tentativa universal de diálogo, argumentação e participação política na práxis linguística. Essas noções, desenvolvidas por Habermas (1987) em sua Teoria da

ação comunicativa, não por acaso vêm exercendo grande influência no campo da

Educação e da Filosofia da Educação – a exemplo de Gonçalves (1999) e Viero (2005). Vejamos, de forma breve, aquilo que Habermas (1987) considera como sendo os três tipos de pretensão à validade que a práxis discursiva encarna.

1) Que aquilo que se enuncie seja verdadeiro do ponto de vista da representação da realidade – questão referente à verdade

2) Que aquilo que se enuncie esteja correto do ponto de vista dos critérios normativos – questão referente à coerência e retidão

3) Que aquilo que se enuncie expresse a efetiva intenção daquele que enuncia – questão referente à transparência e autenticidade

Assim, rejeitar um enunciado implica em rechaçar um desses três pontos de sua pretensão à validade. Como mencionei há pouco, existe toda uma utopia educativa presente nos quatro pressupostos ideais de comunicação, bem como nesses três elementos que articulam a pretensão à validade presente na práxis discursiva. Curiosamente, apesar do apelo universalista destas condições e do estatuto transcendente da verdade, essas problemáticas são frequentemente reinscritas, no campo da Educação, como uma ênfase nas práticas concretas, nos dilemas comunitários, na vida cotidiana dos cidadãos. Isto aparece mediante os temas ligados ao consenso, ao

diálogo e à comunicação.

O objetivo das discussões, neste momento, é encontrar caminhos comuns e devidamente articulados, para proporcionar aos alunos experiências que lhes possibilitem construir conhecimentos vinculados à sua vida concreta e que lhes permitam uma visão crítica da realidade onde estão inseridos e, ao mesmo tempo, incentivem sentimentos e pensamentos relacionados à participação ativa nos assuntos comunitários, dentro de princípios éticos de cooperação e justiça social. (GONÇALVES, 1999, p.8)

Todo esse apelo à ação coletiva local, particular, de cada comunidade e de cada escola será, todavia, perpetuamente remetido não à singularidade dos problemas, das questões, das dificuldades e das demandas específicas, mas sim a algo como as Grandes

Questões Universais, dificilmente interpretáveis ou tradutíveis em ações que digam

respeito às idiossincrasias e singularidades que fazem problema no campo específico em que aparecem. Esse trânsito nebuloso entre o universal e o particular, esse espectro caótico que tenta disfarçar a transcendência da verdade nos imperativos de participação e cidadania, essa circulação descompassada que bombeia o sangue da imanência à transcendência em vias de romper veias e artérias – enfim, todo esse trabalho de toupeira da transcendência na imanência, presente efetivamente no pensamento de Habermas, parece ainda mais confuso quando agenciado ao campo da Educação.

A pragmática do mundo vivido que não é uma verdade a priori nem empírica, se coloca como condição fática que permite à escola tomar decisões com responsabilidade universal. Trata-se de uma condição da linguagem que oportuniza o trabalho em prol das grandes causas globais, como a defesa dos direitos humanos, a formação da opinião pública, a proteção do meio ambiente ou ainda tomar partido dos povos explorados. A ideia parte de uma suposição pragmática orientada nas ações cotidianas, no sentido de evitar a semântica da guerra no meio pedagógico e trabalhar, de forma mais ampla, de tal maneira a incluir dialogicamente o terceiro excluído – o outro (VIERO, 2005, p.11).

Em que medida essas considerações de ordem política – por vezes megalomaníacas, por vezes vagas, por vezes ambíguas, por vezes confusas, por vezes utópicas – têm relação com a verdade? Ora, se a verdade diz respeito ao âmbito apresentativo dos enunciados sobre o mundo; e o âmbito comunicativo refere-se ao registro pragmático dos enunciados intersubjetivos, ocorre que, tão logo haja qualquer coisa como um consenso, um acordo comum ou uma unificação no interior desse espaço intersubjetivo, instantaneamente desaparecia qualquer diferença entre esses dois âmbitos – o objetivo (da verdade) e o intersubjetivo (da justificação). É precisamente nisto que constitui a utopia habermasiana expressa em Verdade e Justificação: uma dissolução dos antagonismos políticos coincidente com a possibilidade de configuração de qualquer coisa como uma realidade comum – a qual, com justeza, se poderia atribuir enunciados com valor de verdade, e não meramente aproximativos da verdade. Nos termos de Viero (2005), trata-se não de “agir simplesmente pela vontade melhor argumentada do eu ou do tu, ou do acordo voluntário do eu mais tu, ou da vontade do nós, mas sim de um acordo entre eu e tu voltado ao nós, que é validade por um mundo

idêntico e intransponível” (p.9-10). Não pensemos que essas palavras constituem um exagero, uma extravagância ou uma distorção da perspectiva de Habermas. Pois é precisamente no pensamento do próprio Habermas (2004) que esta fusão-dissolução do político entre si mesmo e do político com o mundo aparece de forma mais explícita: “tão logo se dissipem as divergências entre ‘nós’ e os ‘outros’ a respeito do que é o caso, o ‘nosso’ mundo pode se fundir com ‘o’ mundo” (HABERMAS, 2004, p.257). Dissolvido o antagonismo político e restaurado o abismo entre o intersubjetivo e o objetivo, os sujeitos estariam enfim prontos para a verdade – eis aqui todo o funcionamento do impensado no dispositivo da verdade tal como se nos oferece a perspectiva de Habermas (2004, 1987).

Retomemos aqui, de forma muito breve, os exemplos anteriores e explicitemos o fio condutor que os agencia, tomando como eixo a manifestação do impensado sob o signo de uma inclinação natural/espontânea/inevitável do pensamento/sujeito/linguagem em direção à verdade, ou à representação adequada da realidade. Em Platão, será a reminiscência de um estado anterior da alma humana (sua comunhão com o mundo das essências) que tornará possível o conhecimento humano, a reunião das multiplicidades em um conceito. Na tentativa de trazer a fundamentação do conhecimento do mundo das essências para o cogito subjetivo, Descartes realiza uma torção na dúvida radical sobre a existência e o conhecimento do mundo; com isso chega, mediante o personagem do Idiota, à certeza e à evidência do pensamento, à existência do ente pensante e à identidade entre pensamento e existência. Buscando romper com tal identidade entre pensamento e existência a partir da oposição entre coisas-em-si (ou númenos, ou entes

do pensamento) e fenômenos, Kant restaura a identidade que torna possível toda e

qualquer objetividade no campo do realismo empírico a partir do esquematismo transcendental. Com isso, situa a experiência de modo a fazer concordar a percepção com a elaboração conceitual na unidade da categoria. Novamente, em uma tentativa de deslocar o fundamento da Filosofia do sujeito transcendental para a dimensão intersubjetiva da linguagem, Habermas e Apel entenderão que, na ausência de garantia de que um sujeito isolado possa ter acesso à verdade, as condições ideais de comunicação e a pretensão à validade restituem a harmonia (ainda que não o alcance) entre os proferimentos linguísticos e a verdade – o que se faria às custas de uma dissolução do antagonismo no campo político.

Em síntese, temos aqui quatro mecanismos restauradores desta inclinação natural rumo ao verdadeiro: a reminiscência platônica, o Idiota cartesiano, o

esquematismo transcendental kantiano e as condições ideais de comunicação habermasianas. Aqui reencontramos o que Deleuze e Guattari (2010) indicaram como

os universais da contemplação, da reflexão e da comunicação. Mediante os quatro exemplos anteriores, argumentei no sentido de que existem importantes movimentações no interior da Filosofia que parecem ser guiadas muito mais pelo pressuposto de uma inclinação espontânea/natural/inevitável do filósofo ou do sujeito à verdade, do que pelo risco de uma busca à verdade. A verdade, portanto, antes de ser representada por uma falta ou uma ausência que desencadeia a aventura de uma busca, é posta como a condição inicial e o pressuposto necessário para todo o filosofar.

Uma analítica do dispositivo da verdade resultaria, contudo, amputada e rastejante a passos trôpegos caso dela estivesse ausente uma genealogia da verdade. Esta genealogia da verdade permitirá que, uma vez realizada a infiltração arqueológica e clandestina no campo próprio e singular daqueles que falam sobre a verdade da

verdade, retornemos por inteiro ao campo teórico em que se situa este trabalho. É neste

campo que desdobraremos de outro modo a verdade como essa região dormente do

impensado no dispositivo da verdade, pois agora se trata de imergir na poeira cinza da

vontade que a inventa, no jogo de forças que lhe confere existência, nas estratégias miúdas e mesquinhas agem em seu aparecimento. Para este empreendimento, utilizar- me-ei do pensamento de Nietzsche, arriscando a incerta tarefa de mapear os descaminhos de sua crítica à verdade até o pensamento de Foucault. Adentrando nas temáticas genealógicas referentes à vontade de verdade, curiosamente não estaremos mais nos domínios seguros da verdade da verdade, mas sim na região pantanosa da

CAPÍTULO III

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