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Os mecanismos de rarefação do discurso: a autoria, o comentário e a estada no verdadeiro.

POSICIONANDO UM PROBLEMA POLÍTICO-METODOLÓGICO

2. Os mecanismos de rarefação do discurso: a autoria, o comentário e a estada no verdadeiro.

Antes de posicionar a problemática que envolve toda a elaboração deste trabalho, gostaria de tecer algumas considerações sobre os modos de operar com o discurso que caracterizarão o decorrer destas linhas. Trata-se não exatamente de considerações a respeito do objeto ou acerca do problema deste trabalho – o que será feito a partir do tópico seguinte –, mas sim sobre o movimento do discurso. Por esta via, tomarei aqui como referência a aula inaugural de Foucault (2011b) no Collège de

France, intitulada A Ordem do Discurso, a fim de destacar alguns processos que, por

diversas vias, enxugam, secam, minguam, tornam ralo ou rarefazem o discurso. A apresentação destes mecanismos de rarefação do discurso será correlata, desde já, a uma atitude deste trabalho em relação ao discurso, que se deixará ver em todo seu decurso: ao contrário de rarefazê-lo ou secá-lo, este texto terá as marcas úmidas das palavras que não têm o constrangimento de acontecer.

Entre a singularidade solitária daquele que se julga autor do que escreve e o conforto saudoso-profético daquele que escreve sobre um autor – tentando saber o que ele realmente pensa e esforçando-se para pensar como (se fosse) ele –, neste trabalho

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Quando perguntado sobre os móveis que o fizeram escrever uma obra sobre Foucault, Deleuze (2010) lança as seguintes palavras: “Quando morre alguém que se ama e admira, às vezes se tem necessidade de lhe traçar o perfil. Não para glorificá-lo, menos ainda para defendê-lo; não para a memória, mas para extrair dele essa semelhança última que só pode vir de sua morte, e que nos faz dizer: ‘é ele’” (p.131).

opto por borrar as fronteiras de autoria. Digo borrar as fronteiras em uma significação bem precisa e para fins bem específicos: liberar o discurso da função autoria. Isto demandará que essas linhas de segmentaridade dura que traçam os contornos da autoria sejam manejadas com um certo cuidado, a fim de que não façam o discurso caminhar rumo ao caos, ao vazio, ou a um buraco negro. Passemos, assim, das últimas às primeiras palavras de Foucault no Collège de France para vermos, nelas, que relação é indicada entre a rarefação do discurso e a função da autoria:

O autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua coerência. (...) O autor é aquele que dá à inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de coerência, sua inserção no real. (...) O princípio do autor limita esse mesmo acaso [do discurso] pelo jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do eu3. (FOUCAULT, 2011b, p. 26-29).

Neste momento inaugural em que Foucault substituía Jean Hyppolite na cadeira

História dos Sistemas de Pensamento, não por acaso, aparece o tema da autoria. Na

demarcação de um novo lugar, eis que a figura do autor aparece como um obstáculo, uma pedra no meio do caminho, um vento que arrasta a produção imprevisível e (a)casual do discurso ao bálsamo tranquilo da identidade, da individualidade, do eu – elementos que emergem do discurso como os donos do discurso. Quantas produções não são estancadas, abortadas, travadas em nome da autoria? Em nome de um nome? Deleuze e Guattari (2011), logo nas primeiras páginas do primeiro volume dos Mil

Platôs, relatam um movimento feito na escrita do anti-Édipo: não propriamente apagar

a autoria, mas fazê-la funcionar de um certo modo até alcançar um ponto em que ela não tenha a menor importância:

Por que escrevemos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E, finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol nasce, quando todo mundo sabe que é apenas uma maneira de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais eu, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer eu (DELEUZE e GUATTARI, 2011, p.17).

Este tema do desaparecimento daquele que escreve naquilo que escreve é tematizado por Foucault (2009a), em 1969, no texto O que é um autor? Trata-se aí

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Em toda circunstância em que não houver indicação do contrário, os grifos presentes em citações serão do(s) autor(es). Do contrário, eles serão indicados como grifos meus. A autoria dos grifos será indicada precisamente pelas exigências formais que uma Tese de Doutorado comporta.

justamente de situar e destituir a posição de autoria daquele que escreve em relação ao que escreve. Isto é posto nos seguintes termos:

Pode-se dizer, inicialmente, que a escrita de hoje se libertou do tema da expressão: ela se basta a si mesma, e, por consequência, não está obrigada à forma da interioridade; ela se identifica com sua própria exterioridade desdobrada. (...) a escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente além de suas regras, e passa assim para fora. (...) trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não cessa de desaparecer (FOUCAULT, 2009a, p. 268).

A tendência à morte do autor indica os términos de toda uma movimentação que gravita em torno da autenticação da escrita, a qual constitui uma tentativa de referendar o texto em sua exterioridade, em seu aparecimento, em seu acontecimento a um sujeito, a uma interioridade, a um ponto desde onde a escrita surge e se propaga. Assim, ocorre uma inversão nas relações entre a obra, o autor da obra e a vida ou morte deste autor: se a escrita constituíra signo da perpetuação daquele que escreve (suas memórias, suas biografias, aquilo que ele inscrevia no mundo como marca de si), agora ela será o coveiro do sujeito-autor.

A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade recebeu agora o direito de matar, de ser assassina do seu autor. (...) o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência; é preciso que ele faça o papel de morto no jogo da escrita (FOUCAULT, 2009a, p.269).

Juntamente com a função autoria, a função comentário atua como mecanismo de apagamento, eclipse e estancamento das multiplicidades4 que compõem o discurso. Se, mediante a autoria, o discurso é remetido a uma fonte, a um núcleo, a uma origem subjetiva que não é invenção, mas ponto de partida, mediante o comentário, ele é retido a partir de uma repetição com ares (de)negados de anúncio original. O comentário encaminha ao seguinte paradoxo: “dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no primeiro texto (...) dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito”

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Silva (2000) estabelece uma importante distinção entre multiplicidade e diversidade. “Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um processo, uma operação, uma ação. A diversidade é estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é um fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças – diferenças que não são redutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multiplicidade estende e multiplica, prolifera, dissemina. A diversidade é um dado – da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um movimento” (p.100-101). O sentido do termo multiplicidade será, neste trabalho, semelhante ao acima referido.

(FOUCAULT, 2011b, p. 25). Em O Nascimento da Clínica, Foucault (2006) já havia mencionado como o comentário supõe que “o não falado dorme na palavra” (p.XIII). Haveria, no comentário, algo da ordem do excesso do dito; mas de um excesso que se constrói por uma perpétua remissão ao curto texto que se supõe existir por trás de uma palavra, de um termo, de um significante. O comentário navega por todo um oceano profundo das significações em estado de latência.

Nessa atividade de comentário (...) oculta-se uma estranha atitude a respeito da linguagem: comentar é, por definição, admitir um excesso de significado sobre o significante, um resto necessariamente não-formulado do pensamento que a linguagem deixou na sombra (FOUCAULT, 2006, p.XIII).

O comentário esforça-se, portanto, para fazer com que o acontecimento do seu dito esteja sempre no retorno ao texto, e não em uma abertura, fratura e ruptura do/com o texto. Ambos implicam um tipo de dobra do discurso, para utilizar uma expressão deleuziana. Dobra ao sujeito como fonte, origem e unidade, no caso da autoria; dobra ao texto original como tesouro das significações a serem desdobradas, descobertas, desbravadas, no caso do comentário. O que anteriormente chamei de singularidade

solitária daquele que se julga autor do que escreve pode esbarrar nessa rarefação do

discurso pela função da autoria, ao passo que aquilo que nomeei de conforto saudoso-

profético de quem escreve sobre um autor poderá frequentemente esbarrar no

estancamento do discurso pelo mecanismo do comentário, ou mesmo da exegese. Ambos preferem a origem à invenção. Quanto a isto, Foucault (2011c), em A Verdade e

as Formas Jurídicas, já percebeu que Nietzsche já fizera uma importante distinção entre

origem (Ursprung) e invenção (Erfindung).

A invenção para Nietzsche é, por um lado, uma ruptura, por outro, algo que possui um pequeno começo, baixo, mesquinho, inconfessável. (...) Vilania portanto de todos esses começos quando são opostos à solenidade da origem tal como é vista pelos filósofos. O historiador não deve temer as mesquinharias, pois foi de mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente as grandes coisas se formaram. À solenidade de origem, é necessário opor, em bom método histórico, a pequenez meticulosa e inconfessável dessas fabricações, dessas invenções (p.15-16).

Assim, a atitude do comentário deslocará a origem da significação da função

sujeito-autor para a função sujeito-intérprete. Em Nietzsche, Marx e Freud, Foucault

(2008b) aponta a emergência de dois grandes princípios para nortear a prática da interpretação: a) a suspeita de que a linguagem não diz o que diz, que ela diz para além

de seu dizer, ou que o sentido daquilo que ela diz passa por baixo do que aparece em seu dizer; b) a suspeita de que há linguagem no silêncio, nas coisas que não falam e nem escrevem, bem como que há linguagem para além da forma verbal. Em suma, trata-se de “supor que a linguagem quer dizer outra coisa do que ela diz, e de supor que há linguagem para além da própria linguagem” (FOUCAULT, 2008b, p.41).

Assim, o intérprete reassume a função de inscrever o sentido original do texto através da prática perpetuamente aberta, inacabada e enigmática da interpretação. Essa abertura da interpretação, todavia, produz um jogo de espelhos no qual, ao fim e a cabo, o segredo da interpretação constitui o traço diagramático de retorno ao próprio ser do intérprete: “não se interpreta o que há no significado, mas, no fundo, quem colocou a interpretação. O princípio da interpretação nada mais é do que o intérprete” (FOUCAULT, 2008b, p.49, grifos meus). Esta reposição infinita da volta ao intérprete constitui um movimento reflexivo que produz, em um só tempo, o surgimento e o esvaziamento da interpretação, sua condição de possibilidade e sua destinação à dissolução. Ora, se por um lado, “a interpretação tem sempre que retornar a si mesma, e não pode deixar de retornar a si mesma” (idem), isso ocorre pelo fato de que “não há nada a interpretar” (idem). Isto deverá, no entando, significar tão-somente que “nada há de absolutamente primeiro a interpretar, pois no fundo tudo já é interpretação; cada signo é ele mesmo não a coisa que se oferece à interpretação, mas interpretação de outros signos” (FOUCAULT, 2008b, p.27). É nisto que consiste o movimento de emergência e desaparição do sujeito-intérprete na interpretação:

Quanto mais longe vamos na interpretação, ao mesmo tempo mais nos aproximamos de uma região absolutamente perigosa, na qual a interpretação vai encontrar não só seu ponto de retrocesso, mas onde ela vai desaparecer como interpretação, ocasionando talvez o desaparecimento do próprio intérprete (FOUCAULT, 2008b, p.45).

Em As Palavras e as Coisas (FOUCAULT, 2007a), este problema aparece

inscrito mediante uma tematização da relação entre linguagem e representação. Trata-se, aqui, ainda do estudo das formas que pretendem conjurar a dispersão da linguagem em uma unidade sequestrada, que deve ser resgatada de seu autoflagelamento. Isto é movimentado pela questão: “que é a linguagem e como contorná-la para fazê-la aparecer em si mesma e em sua plenitude?” (p.442). Assim, “reconstruir a unidade perdida da linguagem” (FOUCAULT, 2007a, p. 432) não é algo que possa se fazer sem mergulhar os olhos, lançar os pés e enfiar as mãos em toda essa massa pulsante do

discurso. Ao mesmo tempo, entretanto, há que contornar precisamente isto e restituir as continuidades, as unidades, os territórios de coerência, os equilíbrios estáveis e os grandes conjuntos teóricos e temáticos (FOUCAULT, 1997b). Isto implica a “reabsorção integral de todos os discursos numa única palavra, de todos os livros numa página, de todo o mundo num livro” (FOUCAULT, 2007a, p.420). Será, todavia, em A

Arqueologia do Saber que aparecerá de modo mais explícito essa recusa em situar o

pensamento no registro mudo, silencioso e profundo das origens secretas que fazem de seu sono o desenrolar dos acontecimentos. É essa origem secreta que restitui todo o acontecimento do discurso a um não-acontecido que é um sempre-acontecido, a um já-

dito que é um jamais-dito. Será, então, este o jogo entre a repetição e a proliferação do

discurso que Foucault (1997b) pretende se desvencilhar, uma vez que faz do acontecimento o signo de uma ausência sempre presente.

Além de qualquer começo aparente, há sempre uma origem secreta – tão secreta e tão originária que dela jamais poderemos nos reapoderar inteiramente. (...) [Segundo essa perspectiva], todo discurso manifesto repousaria secretamente sobre um já-dito; e este já-dito não aparece simplesmente como uma frase não pronunciada, um texto já escrito, mas como um “jamais-dito”, um discurso sem corpo, uma voz tão silenciosa quanto um sopro, uma escrita que não é senão o vazio de seu próprio rastro. É preciso renunciar a todos esses temas que têm por função garantir a infinita continuidade do discurso e sua secreta presença sempre no jogo de uma ausência sempre reconduzida (FOUCAULT, 1997b, p. 28).

À atitude de borrar as fronteiras da autoria neste trabalho, soma-se a tentativa de fazer dele, nele, ou por seu intermédio, um acontecimento bastante distinto do comentário. Trata-se de traçar um movimento que permita momentos de certa indistinção quanto a quem pertencem exatamente certos conceitos, certas expressões, certos termos, certas palavras; e trata-se também, talvez precisamente por isto, de constituir um texto que não precise ser incessantemente remetido a outro texto que lhe seja o tesouro das significações originárias, ou mesmo a entidade que lhe dá uma caução final. Com isto, o texto que aqui se escreve pretende antes acontecer do que autenticar. Em Nietzsche, a Genealogia e a História, Foucault (1988) refere-se ao acontecimento da seguinte forma:

É preciso entender por acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino ou uma batalha, mas uma relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra os seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende, se envenena e uma outra que faz sua entrada mascarada (p.28, grifos meus).

É este sentido de acontecimento que gostaria de enfatizar neste texto: um acontecimento como a tomada de um vocabulário e seu uso contra seus utilizadores, ou emprego contrastante e clandestino em relação àqueles que dele se apropriaram “de direito”, “oficialmente”, como se tivesse registrado em cartório e grafado em sua pessoa a marca de sua autenticidade. Em suma: de uma tomada que borra as fronteiras da autenticidade e da autoria da escrita. Situar-se, portanto, à margem do sujeito e do texto, da unidade e da significação original, mas não a uma margem que, por ser uma borda, não cessa de abordar um e outro. Sitiar-se e situar-se em uma margem que não é um fora que aborda, nem um entorno que absorve um dentro. Se há aí uma afinidade entre esta margem e uma atitude marginal, essa atitude ganha uma significação bem específica nas palavras de Deleuze:

Não são os marginais que criam as linhas; eles se instalam sobre essas linhas, fazem dela sua propriedade e é perfeito quando eles têm a curiosa modéstia dos homens de linha, a prudência do experimentador, mas é a catástrofe quando de onde não sai mais do que a palavra microfascista de dependência e de seu atordoamento: “Nós somos a vanguarda”, “nós somos os marginais”. (DELEUZE e PARNET, 2004, p.113).

Será, portanto, sob o signo de uma prudência do experimentador que iremos margeando as funções da autoria e do comentário. A introdução de uma série de elementos da Filosofia de Gilles Deleuze, Feliz Guattari e Friedrich Nietzsche exercerá, fundamentalmente, essa função marginal: abrir as palavras e as coisas de Foucault – e, delas, nelas e/ou por meio delas encontrar as enunciações e as evidências, as distribuições de dizibilidades e visibilidades, sempre traspassadas pelo jogo de forças, pelas relações de poder, pelas dobras e linhas de subjetivação (DELEUZE, 2005). E não somente abrir as palavras e as coisas suas, mas abrir Foucault, quebrá-lo, parti-lo e ativar os motores do discurso a(o) partir de seu pensamento.

Há ainda um terceiro mecanismo de rarefação do discurso apontado por Foucault (2011b). E ele nos interessa mais de perto. Diferentemente da função autoria, por ser um sistema anônimo à disposição de qualquer um, bem como da função comentário, por ser sempre um instrumento para a construção de novos enunciados, a função disciplina atuaria como uma outra forma de cerceamento do discurso. Sobre isto, poderíamos dizer muitas coisas; contudo, chamo a atenção para um ponto bem específico dessa função. Trata-se da exigência prévia de todo e qualquer discurso que passe pela organização das

disciplinas: para que dele se diga “é verdadeiro” ou então “é falso”, será necessário que ele se situe antes no verdadeiro. Aqui é estabelecida uma diferença entre dizer o

verdadeiro e estar no verdadeiro:

É sempre possível dizer o verdadeiro no espaço de uma exterioridade selvagem; mas não nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo às regras de uma “polícia” discursiva que devemos reativar em cada um dos nossos discursos. A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras (idem, p.35, grifos meus).

Em seu livro Biopolítica, Governamentalidade e Educação, Gadelha (2009) traz importantes questionamentos sobre a resistência a esta polícia discursiva agenciada pela insurreição dos saberes sujeitados de que falava Foucault (2005) no seu curso Em

Defesa da Sociedade, ministrado em 1976. Trata-se de saberes que foram “encobertos,

silenciados, esvaziados de seus sentidos e efeitos, pela ação mascaradora e disciplinarizadora própria dos grandes conjuntos funcionais e sistemáticos que perfaziam aquelas teorias [teorias totalitárias, envolventes e globais]” (GADELHA, 2009, p.25). Como exemplo desses saberes sujeitados, Gadelha (2009) menciona a antiPsiquiatria (DAVID COOPER, RONALD LING), a esquizoanálise (DELEUZE E GUATTARI), a análise institucional (GEORGES LAPASSADE, RENÉ LOURAU), a Pedagogia institucional (MICHEL LOBROT, ARDOINO, F. OURY E AYDA VASQUEZ) e a daseinanálise (MEDARD BOSS). Segundo o autor, o que afasta a Psicanálise e o marxismo desses saberes sujeitados é precisamente suas pretensões de cientificidade, movidas por aquilo que chamou de “desejo de verdade” (GADELHA, 2009, p.24).

Estar no verdadeiro, tal como entendeu Foucault (2011b), significa ater-se a um

conjunto de regras, condições e articulações de enunciados; tem relação com a indexação de uma certa racionalidade como um campo sob o qual recaem as proposições de uma ciência; e, por fim, remete a uma posição prévia a qualquer lance em um jogo. Estar no verdadeiro é ocupar uma posição em um regime de enunciados, em um mapa político do discurso. Imaginemos algo como um jogo de batalha naval. Temos um tabuleiro composto por 8 linhas (A, B, C, D, E, F, G, H) e 8 colunas (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8) para cada jogador. Para o início do jogo, cada jogador posiciona 4 navios em seu tabuleiro sem que o adversário saiba quais os quadrantes escolhidos. Em seguida, serão dados os lances com o objetivo de destruir o navio do outro. Lances

possíveis: A5, D1, H4. Estar no verdadeiro não implica ter acertado onde está o navio do inimigo5. Estar no verdadeiro significa dar um lance em um determinado jogo, obedecendo às regras que ordenam as posições possíveis neste jogo.

Por esta via, em possível pensar, ainda, em toda uma maquinaria burocrático- metodológica que, nas diversas instituições educacionais e universitárias, atualizam essa polícia discursiva. Esta estada no verdadeiro possui seu corpo concreto em um conjunto de regras metodológicas, por vezes tão caras ao campo da Educação, que situam as regras para fazer pesquisa sempre além do próprio ato de pesquisa. Sobre isto, Veiga- Neto (2009) procura fazer uma distinção entre um sentido hard e um soft para pensar a questão do método tanto na própria obra de Foucault como para aqueles que pretendem

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