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O isolamento da verdade e a intuição da verdade na construção da Imagem do Pensamento

IMPENSADO NO DISPOSITIVO DA VERDADE

5. O isolamento da verdade e a intuição da verdade na construção da Imagem do Pensamento

não pára de enunciar precisamente aquilo contra o qual Foucault moveu toda sua potência clandestina de pensamento: “todo mundo sabe, ninguém pode negar” (DELEUZE, 2009, p. 190).

5. O isolamento da verdade e a intuição da verdade na construção da Imagem do Pensamento

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Ao problematizarem a relação entre verdade e justificação, Kirkham (2003) e França (2008) argumentam pela impossibilidade de chegar do conceito de justificação ao conceito de verdade pela via teórica. Quer dizer: teoricamente o conceito de verdade é original e o conceito de justificação é dele derivado. O conceito de verdade é logicamente primitivo em relação ao conceito de justificação: para que algo seja uma justificação, há que fazer algum movimento de inclinação à verdade e supor que a verdade seja independente do movimento de inclinação. Por outro lado, no âmbito das práticas discursivas, no registro pragmático – o contexto da justificação de nossas crenças, ideias, valores e enunciados – não encontramos aí a verdade. Não é exatamente a verdade que encontramos quando justificamos algo como verdadeiro, e nem mesmo seria necessário, para a verdade, que justificação alguma a entornasse ou encontrasse.

Kunne (2003), por outro lado, afirma que “ter pelo menos uma noção implícita de justificação é uma condição necessária para ter o conceito de verdade (...) a noção de justificação não depende da noção de verdade” (p.451-452). Tentando conciliar a perspectiva dos dois autores, França (2008) entende que Kunne (2003) está correto no âmbito pragmático, ao passo que Kirkham (2003), ao falar que o conceito de justificação depende do conceito de verdade e que a recíproca não é verdadeira, estaria correto do ponto de vista teórico. Contudo, França (2008) finda por realizar uma torção no pensamento de Kunne (2003) em prol da conciliação, haja vista que a pretensão deste último era uma análise das relações entre verdade e justificação em um registro que não era exterior ao teórico – no campo das Teorias da Verdade, sempre falará mais (do) alto aquele que falar de um lugar teórico. O modo como França (2008) entende a relação entre verdade e justificação aproxima-se, assim, muito mais da compreensão de

Kirkham (2003) do que de Kunne (2003). Para falar dessa originalidade da verdade em relação à justificação, Kirkham (2003) recorre a algo que seria como que o significado original, legítimo ou essencial do termo justificado:

É parte do significado de “justificado”, “verificado” e “garantido” que nada é justificado, verificado e garantido simplicter. Esses princípios requerem como complemento uma expressão indicada pela conjunção “como” (...). Mas como o quê são justificadas ou garantidas afirmações e crenças? “Como verdadeiras” é a resposta vénérable55” (p.80).

Em síntese: aqueles que querem falar da verdade, se for mesmo da verdade que querem falar, e se querem falar teoricamente, podem se abster por completo de qualquer investigação de ordem epistemológica (como alcançamos a verdade? Como justificamos algo como verdadeiro?), pragmática (como a verdade pode ser útil? Como ela funciona no discurso?), histórica (o que foi historicamente considerado como verdadeiro? Que processos determinaram que os homens tomassem como verdadeiras algumas coisas e outras não?), ética (a verdade é boa? A verdade traz o bem?), política (como a verdade exerce poder? Como o poder mascara a verdade?) e até mesmo ontológica (a verdade existe? De que forma a verdade existe?). A verdade, por um lado, é algo que não se deixa configurar em sua irredutibilidade na Ontologia, na Epistemologia, na Pragmática, na História, na Ética ou na Política – mas, por outro lado, é precisamente aquilo a que devem ser constantemente remetidos o ser, o conhecimento, a prática científica, os

fatos, as justificações, o poder e o bem. Portanto, todos esses registros (Epistemologia,

Ética, Política etc.) são marginais em relação à própria verdade, muito embora não possam funcionar desprovidos de qualquer tipo de referência a ela. Consideramos este posicionamento como aquele que revela, de forma mais clara, mais nítida, mais coerente e mais acabada, o ápice e/ou as consequências mais radicais da transcendência da

verdade.

Relembremos o princípio da invariância do portador de verdade, tal como mencionado por Costa (2005): aquilo que porta um valor de verdade não muda e, portanto, nada em nada se vincula ao fato de nele acreditarmos ou não, de podermos ou não ter acesso a ele, de ele ser útil ou inútil, bom ou mal, libertário ou opressor – e, a

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Percebamos, aqui, a atuação do impensado no pensamento de Kirkham (2003). Isto ocorre mediante aquilo que se apresenta como o sentido lógico-gramatical do termo “justificado”: trata-se aqui da suposição de que existiria uma estrutura gramatical que imporia a qualquer frase que usasse a palavra justificado admitir que “justificado” tem o sentido de “justificado como verdadeiro”. Essa recusa em tratar o enunciado sob o espectro úmido, denso e pouco móvel da frase gramatical e da estrutura da língua consiste em um dos pontos enfatizados por Foucault (1997b) em sua Arqueologia do Saber.

partir da perspectiva de Kirkham (2003) e França (2008), poderíamos até acrescentar: se ele existe ou não. Candiotto (2007a), ao enfatizar a questão da verdade no campo dos estudos foucaultianos, já percebera algo semelhante a este princípio: “uma das designações tradicionais de verdade está vinculada à sua perenidade e, consequentemente, sua irredutibilidade o acontecimento histórico. A verdade é aquilo que permanece inalterável a quaisquer contingências” (p.1). Esta imobilidade do portador de verdade é bem expressa também por Kirkham (2003) em sua recusa da imanência entre verdade e justificação: “equiparar verdade e justificação também implica que o valor de verdade de uma afirmação possa modificar-se quando dispomos de mais evidência relevante, o que é contra-intuitivo” (p.84, grifos meus). Trata-se então, como mesmo aponta Kirkham (2003), de dizer:

1) O valor de verdade (verdade ou falsidade) é imutável.

2) Sei que o valor de verdade é imutável por uma intuição.

Isto quer dizer que ninguém pode negar o fato de que a mudança incessante no jogo de nossas práticas de justificação implique uma mudança daquilo que constitui a verdade a que a justificação tenta se referir. A verdade não depende da mudança nas práticas de justificação, está imune, isolada delas – e isto nos seria dado intuitivamente. Por exemplo, uma série de investigações científicas pesquisa se o ovo faz mal ou não faz mal para o colesterol. As conclusões a respeito deste tema, todavia, oscilam historicamente. Isto não quer dizer, contudo, que em um determinado tempo (quando as pesquisas científicas justificarem que sim) o ovo faça mal ao colesterol e, em outros períodos, o ovo não faça mal ao colesterol (quando as pesquisas científicas assim justificarem). A proposição/pensamento/constatação “O ovo faz mal ao colesterol” portaria um valor de verdade independente do que quer que digam sobre o ovo, sobre o colesterol e sobre fazer mal56; que é possível dizer se esta proposição/pensamento é

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É possível, todavia, pensar um mundo em que, por alguma mutação da espécie humana, o ovo fosse uma coisa que não fizesse mal ao colesterol e, em outro momento, passasse a fazer mal ao colesterol. É possível, de uma forma ainda mais quimérica e extravagante, imaginar que essa mutação da espécie humana pode ser causada por perversos cientistas pesquisadores que intentam provar que o ovo faz mal ao colesterol (que poderiam manipular uma série de variáveis, afetar o organismo das gerações atuais e vindouras até constituir uma espécie humana em que o ovo faça mal ao colesterol). Ainda assim, contudo, não teríamos aqui uma dependência da verdade em relação à justificação, pois poderíamos simplesmente dizer que, em um primeiro momento, a justificação não era conforme a verdade, enquanto, em um segundo momento, a justificação passou a ser conforme a verdade. O que mudou, portanto, não foi a

verdadeira ou falsa – diria Kirkham (2003) – saberíamos intuitivamente, muito embora nem por isso esta intuição nos livre da angústia causada pela ignorância em não saber se o ovo faz ou não mal ao colesterol.

França (2008), diante disto, procurará dar força ao argumento de Kirkham (2003), dizendo que é precisamente de intuições prévias acerca da verdade que se ocupa uma teoria da verdade. Isto é expresso em vários momentos:

O que toda e qualquer teoria da verdade deve nos oferecer é uma análise adequada de nossas intuições prévias do que seja a verdade (...). Nenhuma teoria da verdade deveria oferecer, portanto, um conceito de verdade que fosse de encontro às nossas intuições. Uma correta análise do conceito de verdade deve dar conta de todas as nossas pré-noções sobre o que é a verdade. Pode-se aqui colocar a questão: se temos uma ideia intuitiva de verdade é possível que esta resulte de algo distinto dela57, como por exemplo, o prévio domínio de procedimentos de justificação? (FRANÇA, 2008, p.53 e 54).

Ao adentrar o registro das intuições acerca da verdade, percebe-se que uma questão sobre o acesso à verdade, portanto uma questão de ordem epistemológica, aparece ocupando uma posição central na sustentação da imutabilidade do portador de verdade. O que me parece interessante perceber, todavia, é o seguinte ponto: o discernimento da verdade, a distinção acerca do que deve ser realmente investigado em uma teoria da verdade e, indo mais além, o próprio entendimento que se tem acerca do que é propriamente a verdade (e não suas manifestações) depende de uma intuição, de uma compreensão pré-filosófica e pré-conceitual, de uma pré-compreensão, uma pré- noção, de uma imagem do pensamento representada. Chegamos aqui ao momento em que a verdade como o impensado mostra-se um efeito de dois agenciamentos que são formados e conectados no dispositivo da verdade: o isolamento da verdade e a intuição

da verdade.

1) O Isolamento da Verdade: a verdade não é misturada com o que não é a

verdade. A verdade só é verdade se for em si mesma, independentemente de relação de dependência entre verdade e justificação, mas sim o mundo em que a justificação tenta justificar algo como verdade.

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Aqui o argumento de França (2008) em muito pouco se diferencia da prova ontológica da existência de Deus apresentada por Descartes (2004) nas Meditações Sobre Filosofia Primeira (2004): se tenho uma ideia clara, evidente e distinta de Deus como um ser perfeito, sendo eu um ser imperfeito, como não poderia ser o caso de que a causa dessa minha ideia não resida n’Ele? Como poderia eu, alguém imperfeito, ser causa da minha ideia de perfeição? Em analogia ao argumento de França (2008): se tenho uma intuição prévia do que é a verdade e, todavia, não tenho a verdade, como não atribuir isso à própria verdade?

qualquer outra coisa. Tudo aquilo que estiver junto, próximo, afim, ao redor, em torno, exterior à verdade, não será a verdade.

2) A Intuição da Verdade: a verdade não é algo que pode ser explicado,

argumentado, justificado ou explicitado por outra coisa. A verdade é algo que nos toca na sua imediaticidade. Tudo aquilo, portanto, que requerer argumentação, explicação, justificação, qualquer tipo de rodeios, qualquer forma de mediação, ou mesmo tudo aquilo que aparecerá em qualquer ato na práxis linguística, não consistirá propriamente na verdade.

Estes dois agenciamentos – ou, se preferirmos, estes dois princípios – não são, todavia, facilmente ajustáveis entre si. Isto porque, por um lado, a verdade há que ser apresentada como estando presente somente no habitat sereno de si mesma e, por outro, como algo de que não podemos prescindir, não podemos negar, não podemos recusar, nem excluir de nossa vida ou do mundo por qualquer engenho, truque ou artifício, uma vez que nos chega por intuição. A verdade é autônoma, mas não podemos nos autonomizar da verdade. Sabemos que há verdade, mas não sabemos o que é exatamente a verdade, porque se soubéssemos não seria a verdade, mas o que saberíamos. Sabemos que há verdade porque esta nos toca, nos inclina, nos dobra, nos deixa pensos, mas no pensamento é exatamente a verdade que se apresenta como o fora: o impensado. Eis por que assumimos, em relação à verdade, movimentos tão esdrúxulos que nos parecem tão naturais: a verdade está em toda e qualquer coisa, sempre está à vista, à mostra, ao ardor de sua aparição; a verdade está sempre tão no centro de nossa face que às vezes não a vemos – mas, por outro lado, dizemos que ninguém possui a verdade, que a verdade é inalcançável, inatingível, intangível e ininteligível. Todos

possuem a verdade, mas ninguém possui a verdade. Isto seria tão-somente uma

contradição a ser dissolvida mediante um maior rigor semântico? De modo nenhum: esta é a própria roda-viva do dispositivo da verdade!

Esta conexão entre o isolamento da verdade (a verdade somente é em si) e a intuição da verdade (a verdade é intuitivamente evidente) é o ponto fundamental para entendermos a força da verdade para representar o plano da imanência. Um conceito que aparece intuitivamente como evidente em si é um conceito que age nas artimanhas da imanência para instaurar transcendência. O que França (2008) e Kirkham (2003) realizam não parece ser outra coisa se não levar às últimas consequências e assumir

explícita e coerentemente o caráter intuitivo e pré-conceitual da verdade já admitido, de formas distintas, nas Teorias Correspondencialistas, Coerentistas e da Redundância. Por essa via, podemos chegar ao ponto em que o isolamento da verdade e a intuição da

verdade se encontram com aquilo que Deleuze (2009), em sua obra Diferença e Repetição, entendeu como o pressuposto subjetivo implícito, que constitui a Imagem do

Pensamento produtora do consenso e da representação:

Procuremos melhor o que é um pressuposto subjetivo ou implícito: ele tem a forma de “todo mundo sabe...”. Todo mundo sabe, antes do conceito e de um modo pré-filosófico... todo mundo sabe o que significa pensar e ser (...). Todo mundo sabe, ninguém pode negar, esta é a forma da representação e o discurso do representante (DELEUZE, 2009 p.190).

É esta Imagem do Pensamento que possui na verdade seu principal instrumento de atualização, sua força motriz, sua mola-propulsora, todo o jogo elétrico e mecânico de sua engrenagem. Por outra via, será precisamente a verdade que aparecerá como pré- filosófica, intuitiva, pré-conceitual, autoevidente e até redundante ao pensamento. Uma vez instaurada esta Imagem do Pensamento, este entendimento prévio, subjetivo e implícito do que seja pensar, pouco importa começar pelo sujeito, pelo objeto, pelo ente ou pela inter-subjetividade. Pouco importa se a teoria da verdade é correspondencialista, coerentista, pragmática ou da redundância: já estará instaurado o acordo prévio entre o pensamento e a verdade. Ora, mas este acordo entre o pensamento e a verdade constitui exatamente o momento de estanque do pensamento. Momento em que o movimento do pensamento deixa de ir para vir, para dar a volta, ou para ir atrás, rumo ao impensado na re-presentação58. Movimento abortado pelo pensamento na representação ao fazer-se

pensamento natural:

Esta forma [a forma da representação], todavia, tem uma matéria, mas uma matéria pura, um elemento. Este elemento consiste somente na posição do pensamento como exercício natural de uma faculdade, no pressuposto de um pensamento natural, dotado para o verdadeiro, em afinidade com o verdadeiro. (DELEUZE, 2009, p. 192, grifos meus).

Esta Imagem do Pensamento possui, portanto, duas características que interessam de perto: ela supõe que todos querem o verdadeiro e supõe que esse querer

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Se, no decorrer deste tópico, procurei trazer à superfície a verdade como o impensado, ou como o imóvel no pensamento, torço aqui as palavras de Deleuze e Guattari (2010) para dizer o que aparece não exatamente nas entrelinhas, mas na supressão do entre-vírgulas: “Para falar a verdade (...) basta parar o movimento” (p.59).

do pensamento seja de boa vontade. Quanto ao primeiro aspecto, Deleuze (2009) assinala que “segundo esta imagem o pensamento está em afinidade com o verdadeiro, possui formalmente o verdadeiro e quer materialmente o verdadeiro” (idem). Esta

afinidade com o verdadeiro só é possível, todavia, “sob o duplo aspecto da boa vontade do pensador e de uma natureza reta do pensamento” (idem). A afinidade com o

verdadeiro é, portanto, a boa vontade do pensamento. E aqui chegamos novamente ao ponto em que uma analítica do dispositivo da verdade indica a vontade que sustém o discurso verdadeiro, e indica com isso que é uma vontade que suporta o discurso verdadeiro.

Trata-se aqui da boa vontade, mas, também, da representação do pensamento como dotado de uma natureza reta. Esta representação não constitui, segundo Deleuze (2009), uma apresentação do que é o pensamento de fato, mas forja uma imagem do pensamento tal como ele é de direito. Esta representação do pensamento de direito diz respeito, portanto, não àquilo que efetivamente um sujeito consegue conhecer ou pensar, mas se refere ao ponto de vista da natureza do pensamento.

Para impor, para reencontrar o direito, isto é, para aplicar o espírito bem- dotado, é preciso um método explícito. Sem dúvida, portanto, é de fato difícil pensar. Mas o que é de fato mais difícil passa ainda pelo mais fácil de direito; eis porque o próprio método é dito como fácil do ponto de vista da natureza do pensamento (DELEUZE, 2009, p. 194).

Assim, a representação desta boa vontade do pensador e desta retidão do pensamento encontra-se abstraída de qualquer tipo de questão de fato do tipo: os homens têm realmente boa vontade para pensar? Como fazer com que os homens pensem, e pensem melhor? Como fazer com que eles alcancem a verdade? Como trabalhar, como exercitar, como treinar o pensamento para que possa estar em retidão com a verdade? Essas questões, uma vez expulsas ou postas à margem do nobre território da Filosofia, serão agenciadas, cuidadas e pensadas precisamente no campo da Educação. Por essa razão, a marca daquilo que Deleuze chama de o pensamento de

direito, ou mesmo o ponto de vista da natureza do pensamento sempre chegam à

Educação como abstração, especulação ou idealização da realidade. Mas o que acontece

de fato? Como os homens pensam de fato? Como eles podem melhor alcançar a verdade de fato? Estas são, portanto, as interrogações que constante e aflitivamente ecoam no

campo da Educação, constrangendo todos aqueles demasiadamente acostumados a falar somente do ponto de vista do pensamento e da verdade de direito.

Assim, todas essas questões empíricas, extremamente difíceis e propositoras de árduas tarefas, são perspectivadas e redimensionadas a partir da Imagem do Pensamento. A Imagem se lança sob os traços confusos e curvos dessas interrogações, na tentativa de eclipsá-los ou trazê-los para si. Mediante esta Imagem que representa o verdadeiro como natural, certamente uma série de advertências filosóficas resistem, dizendo que “a verdade, no final das contas, não é ‘uma coisa fácil de ser atingida e ao alcance de todos’” (DELEUZE, 2009, p.192). Mas dizer que a verdade não é pra

qualquer um constitui um fraco traço de resistência no desenho de uma Imagem do

Pensamento que cerca, cerceia e carrega de modo bem mais forte todo um campo gravitacional enunciando que todos entendem o que é a verdade, todos querem a

verdade, todos são dotados de uma afinidade natural com a verdade.

No tópico seguinte, farei uma breve apresentação dessa Imagem do Pensamento tomando quatro exemplos: as Filosofias de Platão, Descartes, Kant e Habermas. Procurarei extrair elementos que indiquem, nesta Imagem e a partir destes casos, uma concepção que entende o pensamento, o sujeito e/ou a linguagem como dotados de uma inclinação natural, espontânea e/ou inevitável ao verdadeiro, ou à verdade. Esta

inclinação natural para o verdadeiro será, portanto, um efeito da existência do impensado no dispositivo da verdade. Se, do início deste capítulo até o presente

momento, debrucei-me sobre um campo que lidava diretamente com a verdade – a saber, o âmbito das Teorias da Verdade – seguirei agora esta análise arqueológica tomando como foco outras formações filosóficas que também paralisam o pensamento quando se trata de (não)pensar a verdade. Com isto, argumentarei que esta dormência da verdade não constitui característica de um campo específico como as Teorias da Verdade, mas que traçam uma linha de corte com modulações e constâncias que indicam o modo de perfuração da verdade em boa parte da Filosofia Ocidental.

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