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Mapeando as moralidades

Ao excluirmos as postagens estratégicas e as mensagens off-topic, identificamos o mapa das moralidades da luta por reconhecimento pelo direito à moradia (Gráfico 1).

Gráfico 1. Distribuição de postagens com demandas morais associadas à demanda

por redistribuição

Demandas morais associadas à demanda por redistribuição Participação nas negociações

18,6%

34,7%

23,9% 10,4%

12,4%

Direito Coletivo x Privado

Direito à Cidade

Dignidade

Garantias Fundamentais

O Gráfico 1 revela que a demanda moral pela preservação da dignidade e inte- gridade física foi a mais acionada. Isso revela que a denúncia e menções à violência policial, o despejo e mortes discutidos como uma ameaça à dignidade humana fo- ram importantes para construir o fundo moral da injustiça em tela para além da de- manda material (o acesso à moradia). Por outro lado, percebemos que a construção moral da luta enquanto um direito coletivo, em oposição a um direito individual, foi a menos frequente. Os resultados envolvendo cada categoria de demanda moral serão discutidas a seguir.

dignidade e integridade física

Agrupamos nesta categoria todas as postagens que fizessem menção aos seguin- tes temas: violência policial, denúncias de despejo e denúncias de assassinatos e mortes. Essa foi a demanda moral mais acionada, com 595 menções, correspon- dendo a 35% das postagens. A violência policial aparece quase sempre atrelada aos anúncios de despejo das comunidades. Quando algum mandado de reinte- gração de posse era cumprido, os ativistas se concentravam em denunciar nas páginas do Facebook o que era abuso policial. Um exemplo foi o post do dia 6 de agosto de 2014 na página das Brigadas Populares – Minas Gerais, que anunciava “despejo violento e surpresa à [sic] 8 mil famílias das ocupações é a orientação dada pela PM de Minas Gerais”. O mandado seria cumprido nas comunidades Vitória, Esperança e Rosa Leão. Dentre as acusações de assassinatos, um dos exemplos emblemáticos é o da morte de Manoel Ramos de Souza, o Bahia, um dos líderes da região do Isidoro, em abril de 2015, postado em todas as páginas analisadas.

A violação da integridade física, a violência do Estado e a ameaça à vida dos sujeitos afetados é associada à questão da dignidade humana do direito de mo- rar. Os ativistas, além de buscarem desnaturalizar a desigualdade ao lutar pelo direito à moradia, (SOUZA, 2003; TAYLOR, 1992) buscam também explicitar que sofrem violência, e que eles não são vidas descartáveis e que possuem valor humano. Tal construção discursiva revela que, para além de uma dimensão ma- terial envolvendo a moradia, coexiste uma dimensão humana, ao expor a ameaça ao direito à vida dos concernidos.

garantias fundamentais de vida

Em quase um quarto das postagens (409 vezes) identificamos a associação do direi- to à moradia como uma questão de garantia do bem-estar das famílias. Muitos posts buscavam mensurar o sofrimento: da vida sem moradia, da dificuldade financeira com o aluguel, da alimentação e saúde vinculadas à moradia digna. Os posts men- cionaram também o bem-estar atrelado à vida em comunidade, à solidariedade, à noção de felicidade, à realização pessoal e bem comum produzidos pelo acesso à moradia. A postagem da página Resiste Izidora, do dia 17 de agosto de 2014, ilustra isso: “O valor da moradia tem gosto de um conforto. E ele é inestimável. O valor de uma moradia tem o calor da segurança e ele é indescritível.” (Resiste Izidora, 17 de agosto de 2014) Os ativistas também afirmam que

[...] as ocupações urbanas não são somente respostas pragmáticas para o problema habitacional no país, mas sim respostas adequadas e mui- tas vezes superiores às políticas públicas formais, como o Minha Casa, Minha Vida. Isso porque elas pensam e praticam integralmente a ges- tão da vida coletiva dentro da malha urbana, harmonizando o habitar com o ser, o produzir e o conviver. (RESISTE IZIDORA, 2015a)

Neste caso, não só a moradia é considerada como “resposta pragmática” como também extrapola sua dimensão prática ao representar a efetivação de princípios abstratos como a felicidade, solidariedade e bem-estar.

direito à cidade

Na categoria que chamamos de “Direito à cidade”, incluímos os posts sobre: a) inclusão na cidade, b) direito de ir e vir, c) direito de usufruir de bens públicos e d) reivindicação de reforma urbana. Esses conteúdos apareceram 212 vezes, ou seja, em 12% das postagens analisadas. Os movimentos compreendem que a garantia de moradia está atrelada ao direito de pertencimento à cidade e ao direito de acesso aos bens públicos, como no exemplo: “O município não pode sobrepor um direito patrimonial à sua responsabilidade social e ética, se negan- do a empreender atitudes que efetivem direitos fundamentais, notadamente o inexorável direito à moradia e à cidade.” (MLB, 8 de fevereiro de 2015) É comum

nas postagens deste tópico menções a outros direitos, como o de transporte (ir e vir), educação e cultura.

Essa categoria, a princípio, é a que mais se aproxima do argumento de Fraser (2003), uma vez que a efetivação de demandas, como o direito de ir e vir e de usu- fruir de bens públicos, diz respeito ao acesso a recursos materiais. Contudo, os sentidos mobilizados pelos concernidos em relação a esses direitos não se restringe à redistribuição material e à satisfação individual, mas são trabalhados (esses direi- tos) enquanto condições para se transformar a injustiça social.

direito coletivo em detrimento do direito privado

Incluímos nesta categoria todos os posts que criticavam a política de moradia e a lógica de ocupação da cidade: a) privilégio dado a construtoras e a interesses privados em detrimento do coletivo, b) críticas feitas ao programa “Minha Casa, Minha Vida” e c) menções a mérito e privilégios de forma geral. As menções a esses conteúdos aparecem em 178 postagens (10%).

Diante do maior conflito fundiário do Brasil que envolve as milhares de famílias das três ocupações da região da Izidora, a latifundiária família Werneck e a Construtora Direcional o Governo de Minas tem [sic] jogado sujo com incursões e constrangimentos à comunidade para impor uma única solução para o conflito: a proposta das em- presas, que significa o investimento público no despejo das comu- nidades e na viabilização do megaempreendimento do Minha Casa, Minha Vida com a garantia do máximo de lucros para a Direcional. (RESISTE IZIDORA, 2015b)

Aqui, os ativistas buscaram articular a demanda pela moradia associada a sen- tidos que acionam princípios éticos e morais, como transparência, corrupção, mé- rito e justiça social. Para além de uma decisão prática envolvendo a autorização de construção de casas populares pelas construtoras, ativistas dessa luta por reconhe- cimento mobilizam o sentido de que o direito à moradia é atravessado pela mora- lidade da política e dos políticos brasileiros, responsáveis pela tomada de decisão envolvendo os programas habitacionais.

direito à participação nas negociações

A reivindicação do direito à participação nas negociações é uma categoria impor- tante pela frequência com que apareceu, em 329 postagens, representando 19% do corpus, terceiro tipo de demanda moral mais identificada na análise. Os mo- vimentos e ocupações cobram dos governantes a garantia de sentarem à mesa de negociação sobre as ordens de reintegração de posse dos terrenos, sem serem pegos de surpresa e para evitar ações violentas por parte da polícia: “A prefeitura se com- prometeu a assinar uma nota afirmando que irá comparecer na mesa de negocia- ção amanhã na Cidade Administrativa. Esperamos que eles cumpram a palavra.” (BRIGADAS POPULARES – MINAS GERAIS, 2014) Ou seja, ainda que a reali- zação de negociações seja uma demanda prática, ela é mobilizada pelos ativistas a partir de seu significado moral da paridade da participação. A necessidade de reuniões e negociações é imbuída de um sentido de justiça e de reconhecimento dos concernidos enquanto cidadãos.

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