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Marxismo cultural à brasileira

Com vídeos que somam mais de 24 milhões de visualizações, o canal Tradutores

de Direita foi criado em agosto de 2012 e sua missão é “trazer à luz o programa e a

visão de mundo da direita” para o Brasil. Até setembro de 2019, o canal Tradutores

de Direita contava com 1109 vídeos publicados.5 Destes, apenas 173 foram publica-

dos até o final do ano de 2015. Os outros 936 vídeos restantes foram publicados nos últimos três anos e meio, o que sugere um aumento da atividade do canal paralelo ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, que abriu possibilidades de ação para novos movimentos políticos de direita no país.

Devido ao grande volume de publicações, optamos pela análise dos 60 vídeos mais populares do canal, ou seja, aqueles com maior número de visualizações (Apêndice). Os vídeos analisados são compostos por conteúdo estrangeiro (ame- ricano, em sua vasta maioria) retirado de canais de televisão, como CNN e Fox

News, de portais de notícia alternativos conservadores ou de palestras, entrevistas

e debates de figuras importantes para a direita americana, como Ben Shapiro, Milo Yiannopoulos e Steven Crowder (que já foram ligados ao Breitbart News), além de Jordan Peterson e Paul Joseph Watson.

Na primeira etapa, dividimos os 60 vídeos em duas categorias maiores:6 a) ví-

deos em defesa do neoliberalismo econômico e político; e b) vídeos de críticas à esquerda multicultural (tabela 1).

5 Dados de 20 de setembro de 2019. Fonte: Tradutores de Direita. Disponível em: https://www. youtube.com/channel/UCJqOdpqndf1MPequlvDgGkA.

6 Foram excluídos apenas dois (“Brasileira arma barraco em aeroporto na Inglaterra” e “Rabino Dr. Abraham Twerski sobre o amor”), que não se encaixaram em nenhuma das duas catego- rias. Por esta razão, a soma das porcentagens nesta tabela não resulta em 100%.

Tabela 1. Dados do canal Tradutores de Direita no YouTube Número de vídeos % do número de vídeos Número de comentários % do número de comentários Defesa do neoliberalismo 20 33,3% 8.907 26% Crítica à esquerda multicultural 38 63,3% 24.091 70,5%

Fonte: dados coletados no canal do YouTube Tradutores de Direita.

É possível observar uma predominância dos vídeos de crítica à esquerda multicultural. Nessa categoria estão vídeos de ataque às políticas de identidade, especialmente de raça e gênero (exemplo: “Como trollar uma feminista”), vídeos sobre mídia e cultura (“Ted Cruz detona a mídia esquerdista”) e vídeos de crítica aos militantes da esquerda contemporânea, marcados pelo multiculturalismo e especialmente ativos nas universidades (“Esquerdismo – antes e agora”). Dessa forma, o Tradutores de Direita pode ser pensado como uma resposta às conquistas e avanços das políticas multiculturais no Brasil nos últimos anos. Para citar alguns momentos relevantes: a implementação da Lei de Cotas em 2012; uma explosão de narrativas feministas na mídia que culminaram em grandes campanhas contra o assédio sexual, como o “Chega de Fiu Fiu”, em 2013, e o #PrimeiroAssédio, em 2015; por fim, a regulamentação do casamento homoafetivo em 2013 e, dois anos depois, a exibição do primeiro beijo gay masculino em uma novela de horário no- bre. Esse período é, portanto, marcado por vitórias importantes do campo progres- sista, instaladas a partir das demandas das políticas de identidade.

Teriam estes acontecimentos gerado um incômodo entre setores mais con- servadores da sociedade brasileira? Seria possível dizer que aqueles que sempre gozaram de privilégios podem ter recebido esta mudança cultural com um táci- to ressentimento? Provavelmente. De todo modo, a análise dos vídeos do canal

Tradutores de Direita nos permite compreender em parte como se deu a reação a

esses avanços. Enquanto a maior parte dos estudos revela uma reação na forma de discursos religiosos (em particular, das igrejas neopentecostais), buscaremos colo- car em evidência outro perfil de conservador ainda pouco explorado.

Se a própria finalidade do canal, de traduzir o conteúdo estrangeiro, é sintoma do movimento de importação, a popularidade e o engajamento provocado pelos temas

podem servir como indicadores dos interesses específicos da audiência brasileira e ajudar a delinear este perfil. Desse modo, a segunda etapa de análise implicou na di- visão dos vídeos em oito subcategorias: Feminismo, LGBT, Raça/Cotas, Holywood/ Mídia, Esquerda multicultural, Neoliberalismo econômico, Neoliberalismo político e Outros. Para estabelecer quais eram os assuntos que geravam maior repercussão, recorremos à quantidade de vídeos e de comentários em cada uma destas categorias.

Tabela 2. Dados do canal Tradutores de Direita no YouTube

Temas Número de vídeos % do número de vídeos Número de comentários % do número de comentários Neoliberalismo político 17 28,3% 8.088 23,6% Feminismo 16 26,6% 13.750 40,2% Esquerda multicultural 12 20% 5.563 16,2% Hollywood/Mídia 05 8,3% 2.299 6,7% Raça/Cotas 04 6,6% 1.990 5,8% Neoliberalismo econômico 03 5% 819 2,3% LGBT 01 1,6% 489 1,4% Outros 02 3,3% 1.164 3,4%

Fonte: dados coletados no canal do YouTube Tradutores de Direita.

A partir destes dados, é possível chegar a duas conclusões preliminares. Primeiro, que a questão econômica (como a defesa de privatizações, livre mercado e redução de impostos) não é primordial para esta audiência, dada a baixa presença de vídeos e comentários na categoria Neoliberalismo econômico. Segundo, que o feminismo parece ser o tema que mais mobiliza os seguidores do canal, dado o alto número de comentários feitos nos vídeos desta categoria. Estas conclusões viriam a ser confirmadas pela análise de conteúdo do canal. Além do conteúdo dos vídeos, consideramos na análise também seus títulos e descrições, feitos pelos responsáveis pelo canal, além do número de comentários em cada publicação.7

7 Utilizamos os comentários apenas como medida de popularidade. Cabe também dizer que essa análise de conteúdo se baseia no conceito de raridade discursiva (FOUCAULT, 2008):

Se frentes conservadoras já recorreram à retórica da tradição e da autoridade, os vídeos que encontramos no canal Tradutores de Direita apresentam um discurso “libertário”, a favor dos direitos do indivíduo abstrato e da liberdade de expres- são: “Nós somos os arautos da liberdade, herdeiros ideológicos de Adam Smith, Frederic Bastiat, John Locke, Thomas Jefferson.” (COMO..., 2017) Afirmam que o politicamente correto representa uma “onda totalitária”, mas expressam esperança de que logo haverá “um exército de pessoas para defender a liberdade de expressão e de pensamento.” (OS JUSTICEIROS..., 2017)

Dentre os vídeos analisados, a crítica ao “marxismo cultural” é um dos elemen- tos mais frequentes. Para estes personagens, existiria uma imposição velada da es- querda sobre como as pessoas devem agir, pensar e falar. Esta imposição seria fruto de uma aliança entre “abortistas, feministas, globalistas, homossexuais, intelectuais e socialistas.”8 (MOYN, 2018, tradução nossa) Originalmente preocupado com a

luta de classes, o marxismo teria passado por uma releitura a partir de pensadores como Gramsci e os teóricos da Escola de Frankfurt, que procuravam elaborar uma crítica que articulasse capitalismo e dominação cultural. Dessa forma, a antiga luta entre burguesia e proletariado teria assumido a forma da luta ideológica contra a hegemonia cultural das políticas de identidade e do multiculturalismo.

Citando Olavo de Carvalho,9 os criadores do canal explicam como essa im-

posição ocorreria: “a transformação cultural gramsciana não se atém somente à política, mas atinge todo e qualquer veículo de transmissão de idéias [sic] (mídia, universidades, publicações, etc.), de forma a transformar [...] a nossa percepção das coisas à [sic] longo prazo.” (PALESTRANTE..., 2017) A esquerda seria responsável, portanto, por promover uma espécie de “lavagem cerebral”, em especial entre os jovens universitários: “A verdade é que no campus a maioria que se considera de es- querda não é. Não sabem do que estão falando. Só repetem o que ouvem por aí, en- tão podem ir às festas de pessoas legais. Podem ser parte da maioria.” (BEN..., 2019)

diante de um enunciado, não se trata de interpretar, de saber o que realmente quis dizer ape- sar e para além do que disse; trata-se, sim, de ter em mente o senso do possível, de supor que outros enunciados poderiam ter sido ditos. No caso, incessantemente se interrogar sobre: por que precisamente esses discursos, e não outros, sobre o multiculturalismo e o neoliberalismo? 8 “abortionists, feminists, globalists, homosexuals, intellectuals and socialists”.

9 Conhecido como “guru dos Bolsonaro”, o astrólogo foi responsável pela indicação dos no- mes aos Ministérios da Educação e das Relações Exteriores, pastas que seriam cruciais no combate ao marxismo cultural.

Os militantes de esquerda são descritos nos vídeos como autoritários, intole- rantes, fascistas, agressivos e preconceituosos, usando táticas como “a sociopatia, o rancor e a perversidade”: (MILO..., 2017a) “esquerdistas não possuem escrúpu- los em perseguir, difamar e destruir qualquer tipo de oposição.” (COMO..., 2017) Esta suposta hostilidade teria feito com que “muitos descontentes com a ideologia culturalmente dominante se sentissem intimidados ao expressar suas opiniões”. (COMO..., 2017) Ao longo das últimas décadas, os progressistas teriam ainda se beneficiado “do silenciamento e da repressão a todos que apresentassem pen- samentos discordantes.” (MILO..., 2017a) Por acreditarem nesta imagem de um mundo controlado pela ideologia socialista, os conservadores se colocam em um lugar de marginalidade e autenticidade. A eleição de Donald Trump, por exemplo, marcada pelo questionamento da credibilidade da mídia e pela multiplicação de blogs de direita, é vista como “um grito de emancipação contra todo o establish- ment globalista e esquerdista que tenta forcar-nos [sic], goela abaixo, suas idéias [sic] tão alheias a [sic] realidade e anseios do cidadão comum.” (DONALD..., 2017)

A temática do “cidadão comum” oprimido e desprezado pelas “elites pro- gressistas” (às quais também se referem como establishment ou intelligentsia) é outro elemento constante nas narrativas dos vídeos, uma retórica recorrente entre os líderes populistas desta nova direita. No vídeo “A Verdade sobre a Arte Moderna”, a elite artística é descrita como “uma grande panelinha de babacas pre- tensiosos que tentam parecer sofisticados” e que assim “podem zombar dos leigos.” (A VERDADE..., 2016)

A esquerda é acusada de uma pretensa superioridade moral. Segundo a des- crição de um dos vídeos, os “esquerdistas se enxergam como os ‘ungidos’ cujo pa- pel é salvar e guiar a humanidade rumo à ‘sociedade ideal’, conforme os padrões estabelecidos pela intelligentsia, difundidos pelas escolas e amplificados pela mí- dia.” (COMO..., 2017) Diante de uma plateia de simpatizantes, Ben Shapiro afirma: “A esquerda baseia-se em sua superioridade moral. Sentir que são melhores que você.” (BEN..., 2019) Shapiro frisa que os americanos de direita seriam vítimas de “bullying institucional”, (COMO..., 2014) porque a mídia dominante e as univer- sidades os retratam como “pessoas horríveis”. Isso demonstra como o conceito de

bullying foi alargado de tal modo que ser acusado de preconceito também passou

a configurar uma agressão. O uso deste conceito revela outra tendência contempo- rânea: a de organizar argumentos políticos a partir de um viés terapêutico, apoian- do-se em slogans retirados de glossários de autoajuda. Este fenômeno também fica

evidente na seguinte passagem, em que a ação política seria originária de um pen- samento positivo sobre si mesmo: “A reocupação de espaços pela direita brasileira é um longo processo que começa com o resgate de sua autoestima.” (COMO..., 2017)

A defesa dos valores conservadores se dá então porque acreditam possuir um estilo de vida ameaçado pela suposta hegemonia do multiculturalismo. Os argu- mentos utilizados nos vídeos apelam menos ao dever de obedecer a tradição e res- taurar a “boa sociedade” do que ao direito inalienável do indivíduo de escolher como quer viver a sua vida privada, em uma forma específica e paradoxal de en- trelaçar liberdade individual e moralidade conservadora. (BROWN, 2019, p. 114): “Estamos protegendo o nosso modo de vida”,afirma Shapiro. (COMO..., 2014) No vídeo com maior número de visualizações, Charlie Kirk questiona um estudante de esquerda: “Você quer ditar como eu devo viver? [...] Eu nunca lhe direi como viver a sua vida, porque [sic] você quer controlar a minha?”. (COMUNISTA..., 2019) Leis antidiscriminatórias são contestadas por irem contra a liberdade de crença e de expressão, por exemplo, ao não permitirem que indivíduos cristãos se recusem a fornecer serviços para casais homoafetivos. Quando o Estado impõe a tolerância com relação a certos grupos (como LGBTs e muçulmanos), conservadores irão se dizer eles próprios vítimas de discriminação. A diferença de opinião vira acusação de preconceito – dito de outro modo, é preconceito seu dizer que a minha opinião é preconceito. “Está ficando cada vez mais difícil falar sobre essas coisas sem ser chamado de racista.” (A HISTÓRIA..., 2017)

Ao se posicionarem contra os movimentos de minorias sociais, fazem isso por- que os acusam de preconceito contra conservadores, homens, brancos e cristãos — e assim disputam o lugar de quem seria a verdadeira vítima de intolerância. O feminismo e o movimento negro são considerados “dois dos principais braços do Marxismo Cultural”:

Comum a ambos os movimentos são o ódio ao homem branco oci- dental — principalmente o homem cristão —, e sua contribuição para a destruição da família tradicional [...] Tanto o feminismo quan- to o movimento negro, em sua atual forma, são um desvio de sua missão original [...] e uma fraude grotesca orquestrada pela intelli-

gentsia, com o objetivo de destruir os pilares da sociedade ocidental

e nela introduzir o fascismo politicamente correto da Nova Ordem Mundial. (MILO..., 2017b)

Embora o pleno reconhecimento do casamento homoafetivo e a violência poli- cial contra negros sejam questões fundamentais para a crítica conservadora norte- -americana, a análise dos vídeos mais populares revela que é o movimento feminis- ta que agrega maior atenção entre a audiência do canal. Dentre os sessenta vídeos mais vistos, apenas um aborda a causa LGBT como tema central (e, mesmo assim, não se trata de uma crítica à diversidade sexual), e outros quatro falam especifica- mente da questão racial. Por outro lado, 16 vídeos (26,6%) tratam exclusivamente do feminismo. A relevância do tema fica ainda mais evidente quando analisamos os comentários feitos nas sessenta publicações: 40,2% dos comentários são feitos em vídeos sobre feminismo.

O feminismo é retratado como um movimento em que as mulheres “ale- gram-se em tratar homens como lixo e espalham essas teorias da conspiração a respeito do patriarcado, mentiras sobre desigualdade salarial, sobre a cultura de estupro”. Marcado por uma “misandria patológica”, o feminismo seria precon- ceituoso por fazer um “julgamento genérico sobre todos os homens, dizendo que são todos privilegiados [...] As feministas estão, involuntariamente, criando um mundo de sexismo reverso.” (LAUREN..., 2016) Em suma, segundo eles, “o feminismo é uma filosofia má, vingativa, rancorosa, abjeta, que odeia homens.” (MILO..., 2017b) Os vídeos afirmam ainda que a masculinidade é cerceada por essas feministas, que rejeitam “a ideia de que é tarefa dos homens proteger as mulheres.”

O feminismo contemporâneo foi responsável por reconfigurar profundamente a moralidade que rege as relações entre homens e mulheres, com maior atenção às relações íntimas e afetivas, principalmente entre jovens das classes médias cosmo- politas. É uma discussão que teve grande aderência mesmo fora dos círculos pro- gressistas, ganhando destaque em várias esferas da produção cultural num curto espaço de tempo. A quantidade de sites e reportagens ensinando e incentivando as mulheres a reconhecerem expressões mais sutis do machismo forneceram uma nova chave de leitura a partir da qual elas passaram a reinterpretar as suas rela- ções e a lidar de modo diferente com os conflitos.10 Não é difícil conceber que as

10 Essa transformação fica evidente, por exemplo, com a recente ascensão do conceito de rela- cionamento abusivo, que problematiza a esfera íntima e frisa a dimensão de violência psicoló- gica causada principalmente pelo ciúme masculino. Indício disto é o aumento no número de buscas no Google pelo conceito de relacionamento abusivo e o aparecimento de campanhas

experiências cotidianas tenham sido afetadas por estes novos valores, já que hou- ve uma mudança radical em relação à forma como estes jovens foram educados no passado. Na medida em que a mulher põe em questão os lugares atribuídos socialmente à feminilidade, o homem também vê sua conduta e seu papel serem redesenhados – o que pode representar um mal-estar para muitos: “O feminismo diminuiu o desejo da mulher de ter uma família, enquanto aumentou o valor da carreira e do sexo casual. [...] E agora temos um espetáculo de mau gosto de jo- vens garotas perseguindo sexualmente jovens rapazes da forma como os garotos faziam.” (FEMINISMO..., 2015)

Talvez o ressentimento por terem sido preteridos ou contrariados por essas mulheres esteja na origem dessas críticas? O trecho abaixo, retirado do vídeo “Sobre piriguetes e infiéis”,11 revela um incômodo diante da liberação sexual feminina: “As

mulheres de hoje são mais vagabundas do que em qualquer outra época. [...] É quase como se essa cultura de glorificação da promiscuidade fosse uma tentativa deliberada para manter o homem espiritualmente e emocionalmente deprimidos [sic].” (SOBRE..., 2017)

Partindo dessa hipótese, não seriam os argumentos expostos nos vídeos que fa- riam com que a audiência rejeite o feminismo – não se trata, portanto, de persuadir os espectadores a adotarem uma posição qualquer. Ao contrário, a audiência busca este conteúdo porque já estava de antemão incomodada com a mudança promovida pela esquerda multicultural. Já existe um vínculo com o que será apresentado, e os vídeos só reforçam seus sentimentos, esclarecem suas crenças e aprofundam sua capacidade de defender sua posição. Além de dar argumentos para que indivíduos defendam suas posições afetivas na sociedade, os vídeos tendem a reconfortar, a propor um lugar tranquilizador para a audiência, um lugar que a legitima, que a fundamenta e a coloca no topo de uma hierarquia, no momento mesmo em que pode se sentir inferiorizada.

Não é casual o fato de muitos vídeos se passarem em situações nas quais os apresentadores de direita dominam a posição de fala e respondem aos argumen-

sobre o tema endereçadas às mulheres nos últimos cinco anos. (SANTOS; SANCHOTENE; VAZ, 2019)

11 Nesse vídeo, assim como em vários outros, Paul Joseph Watson recorre a argumentos “cien- tíficos” calcados em uma determinação biológica dos comportamentos humanos. Isso indica como o perfil da audiência inclui o conservadorismo secular ou, ao menos, não evangélico.

tos ou críticas da esquerda, conformando um debate desigual. Pelo mesmo mo- tivo, os títulos dos vídeos em geral vão frisar a derrota de seus opositores políti- cos: “Como trollar uma feminista”, “Milo Yiannopoulos detona feminista negra”, “Steven Crowder humilha justiceiros sociais”, “Jordan Peterson destrói ideólogo”, “Ben Shapiro atropela esquerdista”. O objetivo é ensinar a audiência a defender suas convicções quando confrontada e a “vencer” no debate:

A única outra razão para terem uma conversa ou serem amigos com qualquer esquerdista é se estiver em público, em frente a uma grande audiência e seu objetivo seja humilhá-los o máximo possível. Esse é o maior objetivo da conversa. Não é convencer a pessoa [...] Seu obje- tivo é fazer essas pessoas parecerem o pior possível. Desmascará-las para o mundo. (BEN..., 2019)

P

ara sustentar a tese de que a mídia e as universidades são dominadas por um conluio da esquerda, os vídeos constroem seus argumentos como a revelação de uma verdade inconveniente que estava escondida. Assim, a audiência acredita des- cobrir outras crenças para além das que estão em hegemonia e pode se ver como superior àqueles que desconhecem a realidade por serem manipulados — superior porque ocupa o lugar socialmente valorizado do autêntico, do questionador, do

outsider. Os vídeos trazem títulos como “A verdade sobre o feminismo”, “A verdade

sobre a música pop”, “A verdade sobre igualdade dos gêneros”, que frisam este mo- mento de descoberta da verdade.

Os vídeos se configuram como uma forma de os conservadores darem sen- tido ao incômodo que experimentam. Este incômodo parece ser uma ferida narcísica: ou porque não são suficientemente cultos, ou porque são acusados de preconceito, ou pior, porque podem estar sendo inferiorizados por aqueles em relação aos quais se consideram superiores. Os vídeos permitem que a audiência pense positivamente sobre si mesma por ser conservadora. Depois de formada a crença, continuam a dar razões para que o indivíduo continue acreditando no que acredita, não importando argumentos contrários ou eventos que potencial- mente perturbem suas crenças.

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