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Capítulo 2 – A flexibilidade

2.3 O novo mercado de trabalho

A estrutura de suprimento do trabalho também sofreu grandes alterações. As mudanças na composição da oferta de mão-de-obra variam muito de país para país, pois além dos aspectos econômicos, questões culturais e sociais também têm um importante papel nesta dinâmica. Em quase todos os mercados de trabalho dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1999) houve um aumento da participação das mulheres, uma diminuição da participação de jovens e uma tendência para a aposentadoria precoce. De acordo com Laranjeira (2004), no Brasil também houve um aumento significativo da mão-de-obra feminina no mercado de trabalho em termos de taxa de participação e de composição da população economicamente ativa (PEA). Hirata (2001/02) e Bruschini e Lombardi (2001/02) argumentam que a maior participação das mulheres é em parte explicada pela permanência da segregação de sexo no mercado de trabalho, pois a maior parte dos empregos criados é no setor de serviços, que demanda principalmente a mão-de-obra feminina. Apesar desse fato, Laranjeira (2004) destaca o aumento do número de horas trabalhadas dentro do grupo feminino e a ascensão de mulheres a cargos tradicionalmente masculinos, como gerências e chefias em geral. De acordo com Piccinini; Oliveira e Rübenich (2006) é importante notar que a indústria, que tradicionalmente emprega mão-de-obra masculina, tem fechado continuamente postos de trabalho. Quanto à idade, a dinâmica da reestruturação econômica tem levado a uma intensa utilização tanto de mão-de-obra jovem quanto de mão-de-obra mais idosa, em empregos de tempo parcial.

Apesar destas tendências gerais, persistem diferenças consideráveis entre países, tanto na abrangência quanto na velocidade de disseminação das mudanças. Para entendermos estas variações devemos olhar para os arranjos sociais e instituições dos diferentes países, e em particular para as políticas direcionadas ao mercado de trabalho. Sorj (2004, 2006) argumenta que, além do Estado, o tipo de apoio familiar é outro fator muito importante na determinação da participação no mercado de trabalho. Neste caso, o apoio estatal e o familiar estão inter- relacionados, pois parte do apoio da família pode ser viabilizado a partir de políticas governamentais.

Também há evidência de mudanças de longo prazo ocorrendo em termos de aspirações individuais, que têm impactos na oferta de mão-de-obra. O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho é um exemplo destas mudanças: a taxa de emprego entre mulheres mães tem aumentado, mesmo em países nos quais o apoio de políticas governamentais para o cuidado das crianças é bastante reduzido. De acordo com Eccel; Flach e Oltramari (2007), no Brasil as mulheres passaram de 37% dos assalariados em 1995 para 47,5% em 2003. Dentro do cenário europeu, Rubery (2005) ressalta que outra mudança que parece estar estabelecida é o adiamento da entrada dos jovens no mercado de trabalho – o prolongamento do tempo de estudos tem sido um fator importante neste fenômeno. Paralelamente, ocorre também uma tendência de saída mais cedo do mercado de trabalho, por meio de aposentadorias precoces. Alguns governos têm tentado, sem sucesso, implantar medidas que incentivem um adiamento da idade de aposentadoria. A resistência encontrada pelos governantes tem sido intensa, na medida em que a expectativa de uma aposentadoria precoce já está incorporada pela população de algumas economias avançadas. Em 2003, por exemplo, uma decisão do governo francês de aumentar o período de qualificação necessário para requerer aposentadoria gerou uma onda de greves.

Dessa forma, mudanças na oferta de mão-de-obra são relativamente independentes de ações políticas específicas e padrões de demanda. Rubery (2005) aponta que outra característica destas mudanças é a tendência de serem de longo prazo. Como conseqüência, algumas dificuldades têm emergido. Normalmente os homens chefes de família tinham preferência nos processos seletivos em detrimento de outros grupos de pessoas; isso não tem mais ocorrido de forma sistemática e a mudança tem gerado conflitos. Outra fonte de tensões é a divisão do trabalho de cuidado (filhos, pessoas idosas, pessoas doentes); esse trabalho era normalmente

desempenhado de forma não remunerada por mulheres, mas com a participação feminina no mercado de trabalho não há consenso sobre quem deve realizar estas tarefas, nem como elas devem ser financiadas e organizadas. Em algumas regiões, como no caso dos países escandinavos, o Estado tem oferecido uma estrutura governamental de apoio a este tipo de trabalho. Mesmo assim, na maior parte dos países o apoio governamental tem sido precário, e esse tipo de tensão tem sido relatada como uma das razões das baixas taxas de natalidade nos países desenvolvidos. Por tudo isso, Hirata (2003) destaca que a análise da oferta de mão-de- obra deve ser feita dentro de uma perspectiva global, pois o sistema de produção atual é globalizado, com intercâmbio intenso de insumos, produtos e pessoas. Um dos fenômenos observados pela autora é a utilização de mão-de-obra de imigrantes para a realização de trabalhos flexíveis e mal remunerados em países do primeiro mundo.

Algumas análises sobre as mudanças nas relações de trabalho têm oferecido explicações gerais que focam aspectos específicos do fenômeno, como, por exemplo, a globalização, o crescimento da economia de serviços, a produção enxuta, as redes de empresas, o aumento da diversidade da força de trabalho. No entanto, Rubery (2005) ressalta que a transformação das relações de trabalho não é o resultado de forças isoladas e sim o produto de uma série de fatores que ocorrem simultaneamente, como as práticas e políticas das organizações, as relações sociais e de gênero, as práticas e políticas do Estado e o sistema de regulamentação do mercado de trabalho. A importância da perspectiva social e institucional fica clara quando verificamos as diferenças existentes tanto na forma quanto na disseminação do trabalho diferente do padrão tradicional, entre os países avançados.

Conforme foi discutido anteriormente, Cappelli (1995) argumenta que a insegurança crescente atinge não apenas os funcionários não-padrões, mas também funcionários permanentes e que trabalham em atividades centrais das empresas. Podemos nos perguntar se as mudanças nas relações de trabalho têm levado a sociedade na direção de uma nova lógica que seja coerente e sustentável, pois no novo modelo de relações de trabalho existe um grande espaço para conflitos de interesse. Kremer e Faria (2005) e Piccinini; Oliveira e Rübenich (2006) discutem que os resultados destas tensões podem ser bastante negativos e perversos, especialmente para os trabalhadores.

2.3.1 O desenvolvimento profissional

O trabalho de Cappelli (1997) também teve como objeto de estudo o mercado de trabalho americano. Diferentemente do trabalho de Kunda; Barley e Evans (2002), que teve como foco apenas um perfil profissional – trabalhadores qualificados –, Cappelli (1997) voltou sua análise para a estrutura do mercado de trabalho como um todo. Ele entende que o contrato de trabalho no paradigma tradicional implicitamente oferecia segurança e previsibilidade aos trabalhadores, em troca de comprometimento e níveis adequados de desempenho. Havia um certo caminho tradicional de carreira dentro das empresas – funções para trabalhadores não- qualificados embaixo, funções para trabalhadores semi-qualificados no meio, e funções de supervisão em cima. As mudanças das condições de trabalho, tanto relativas às organizações quanto relativas a variáveis externas, levaram a transformações nas expectativas de ambas as partes, trabalhadores e empregadores, sobre os aspectos implícitos nas relações de trabalho. Tonelli (2000) argumenta que atualmente o caminho tradicional de carreira foi enfraquecido ou mesmo destruído, e existe a percepção, tanto para empregadores quanto para as organizações, de que as relações de trabalho não são mais de longo prazo, o que tem dado origem a expectativas conflitantes.

Para Cappelli (1997) muitos dos empregos de início de carreira que não exigiam qualificação desapareceram, e suas tarefas foram incorporadas em outros cargos. As tarefas executadas em times de trabalho são mais complexas e demandam uma maior qualificação. No entanto, com o desaparecimento dos empregos iniciais não-qualificados, surge um problema: como os novos trabalhadores vão aprender as habilidades para trabalhar em times. Os sistemas de trabalho baseados na administração científica tinham uma enorme vantagem, que era a criação de cargos simples e iniciais nos quais funcionários não-qualificados podiam trabalhar enquanto aprendiam tarefas mais complexas. Já a organização do trabalho baseada em times multifuncionais, e com habilidades diversificadas, elimina as funções que requerem baixa qualificação e que funcionavam como forma de entrada nas organizações.

Cappelli (1997) explica que o trabalho em equipes, especialmente em times autônomos com rotação de função, promove o desenvolvimento de habilidades importantes que são específicas para o ambiente no qual elas foram aprendidas. Estas habilidades necessitam de treinamentos adicionais, fornecidos pelos empregadores. No entanto, a falta de segurança no emprego cria um conflito. O desenvolvimento destas habilidades é caro, e não existe nada que impeça os trabalhadores de sair da empresa depois de serem treinados, e isso faz com que as

empresas tenham menor interesse em qualificar seus trabalhadores. Os trabalhadores, por outro lado, normalmente não têm recursos suficientes e, devido às relações instáveis de emprego, não têm interesse para investir em sua qualificação.

Além disso, as oportunidades de uma carreira em apenas um empregador praticamente desapareceram, com os processos de downsizing e a formação de organizações em rede. Caldas (2000) fez uma análise profunda sobre processos de demissão, discutindo causas e efeitos, tanto para os indivíduos como para as organizações. Os processos de enxugamento de pessoal que aconteceram ao longo das duas últimas décadas do século passado levaram à demissão em grande escala de trabalhadores nos países desenvolvidos, alcançando também o mercado de trabalho brasileiro. Atualmente atribui-se ao funcionário uma responsabilidade muito maior sobre o gerenciamento da própria carreira, por meio do incremento de habilidades, da realização de treinamentos, da identificação de oportunidades de desenvolvimento e mesmo do aprendizado de como lidar com a insegurança de emprego.

As mudanças no conceito de carreira também têm sido intensamente discutidas e estão relacionadas às transformações das relações de trabalho. Bendassolli (2005/2006) e Lacombe e Chu (2006) questionam a forma simplista e ingênua como o tema tem sido abordado, atribuindo aos funcionários grande parte da responsabilidade pelo gerenciamento da carreira e ignorando o contexto econômico e organizacional das relações de trabalho. Laranjeira (2004) ressalta que a responsabilidade pela qualificação tem recaído sobre os trabalhadores, especialmente nos vínculos flexíveis de trabalho. Isso faz com que o indivíduo tenha um comprometimento maior com a própria trajetória profissional do que com a empresa na qual trabalha. Para Rubery (2005), o nível de comprometimento organizacional que se pode esperar neste novo ambiente é, na melhor das hipóteses, apenas superficial e, na pior, resultante do medo.

A legislação e a regulamentação do mercado de trabalho têm sido alteradas de forma contínua em diversos países, incluindo o Brasil. Dentro do cenário brasileiro diversas mudanças foram realizadas em consonância com demandas decorrentes deste novo ambiente de relações de trabalho. No próximo item as principais alterações da legislação trabalhista brasileira são explicadas e suas implicações discutidas.