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Capítulo 3 Abordagem teórico-metodológica

3.3 O processo de coleta de dados

Não existe um cadastro disponível para consulta de pessoas que atendam ao perfil de amostra definido pela pesquisadora. Assim não foi possível escolher uma amostra representativa do ponto de vista estatístico do universo a ser estudado. Desta forma a amostra foi escolhida por um critério não-probabilístico de acessibilidade. Ou seja, não foram utilizados procedimentos estatísticos na definição da amostra e os entrevistados foram selecionados pela facilidade de acesso. De acordo com Gil (1994), os procedimentos não-probabilísticos podem gerar amostras tendenciosas de diferentes maneiras; no entanto, o presente trabalho não tinha a pretensão de ter resultados extrapolados para toda a população estudada e testar hipóteses. O objetivo foi de conhecer mais este tipo de trabalhador e suas vivências, e gerar informações sobre uma realidade que, conforme explica Silva (2006), não tem sido muito explorada por pesquisas na área de administração.

A amostra foi escolhida por meio da técnica conhecida como bola de neve ou snow ball. Malhotra (2006) explica que esta técnica é freqüentemente utilizada quando a população a ser estudada é de difícil identificação pelos pesquisadores. Os primeiros entrevistados indicam

outros e assim sucessivamente até que o ponto de saturação seja atingido. Este critério é chamado por Bodgan e Bilklen (1994) de exaustão ou saturação de dados. Isso ocorre quando os novos entrevistados começam a repetir os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, sem acrescentar novas informações relevantes.

A primeira etapa da coleta de dados foi, portanto, a identificação de profissionais que se encaixassem no perfil definido para os entrevistados e que se dispusessem a participar do estudo. A pesquisadora explicou o seu trabalho de pesquisa para todos os seus contatos pessoais e profissionais e solicitou a indicação de indivíduos que atendessem ao perfil previamente estabelecido. Dado o caráter pessoal de algumas perguntas do roteiro, a entrevistadora decidiu não entrevistar ninguém do seu círculo pessoal que fosse próximo, pois entendeu que, dependendo da situação de vida do entrevistado, algumas perguntas poderiam ser embaraçosas e difíceis de responder. A identificação e o contato com possíveis entrevistados foi um processo demorado e extremamente trabalhoso, que se deu de forma paralela à coleta de dados propriamente dita. Os contatos foram feitos de diversas formas: pessoalmente, por telefone e por correio eletrônico. Ao longo deste processo foram realizados inúmeros telefonemas e enviados diversos e-mails. A partir da indicação de uma pessoa para entrevista o perfil era novamente conferido. Neste processo, vários indicados foram descartados, em função de não preencherem todas as condições estabelecidas pela pesquisadora na definição da amostra. Uma vez confirmada a possibilidade de entrevista tinha início o processo de agendamento.

Ao final de cada entrevista a pesquisadora pediu ao entrevistado a indicação de indivíduos que se encaixassem no perfil estudado. Esta indicação normalmente ocorria alguns dias após a realização da entrevista, tempo em que o entrevistado checava sua rede de contatos e identificava pessoas dispostas a participar do estudo. A pesquisadora entrou em contato por e- mail e por telefone com os entrevistados que sinalizaram com a possibilidade de indicação de outras pessoas e metade destes contatos resultaram em novas entrevistas. Cerca de um quarto das entrevistas foi feito com pessoas indicadas por algum entrevistado.

A pesquisadora morou em diversas cidades e trabalhou em diferentes empresas. Este histórico pessoal e profissional permitiu o estabelecimento de uma ampla rede de contatos, possibilitando que fossem realizadas 50 entrevistas, em duas regiões do país (Sudeste e Centro-Oeste), em dois estados (São Paulo e Rio de Janeiro) e no Distrito Federal, e em

quatro cidades diferentes (São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Brasília). Todos os entrevistados eram brasileiros.

Tabela 3 - Distribuição geográfica das entrevistas Cidade Entrevistas São Paulo 25 Rio de Janeiro 13 Campinas 8 Brasília 4 Total 50

Fonte: Elaborado pela autora

Procurou-se compor a amostra de forma a assegurar diversidade em relação a atributos que Evans, Kunda e Barley (2004) identificaram como relevantes. Foram entrevistadas pessoas de ambos os sexos e diferentes faixas etárias. Houve uma grande preocupação também de entrevistar profissionais com diferentes perfis de formação acadêmica, distintas áreas de atuação e variados níveis de experiência. Qualquer possibilidade de ampliação da amostra para outras cidades e regiões, diferentes da origem da pesquisadora, foi explorada com o objetivo de diversificação, de forma a tornar a amostra mais representativa. O critério estabelecido para a decisão de coletar dados em outra cidade foi a possibilidade de marcação prévia de pelo menos três entrevistas. Todos os possíveis entrevistados indicados foram contatados e foram feitas tentativas de agendamento. A coleta de dados foi encerrada quando os dados nas entrevistas tornaram-se repetitivos, indicando que o ponto de saturação tinha sido atingido.

Em três ocasiões, apenas no momento da entrevista a pesquisadora constatou que o indivíduo não preenchia todas as condições de definição da amostra. De qualquer forma, os três casos eram de pessoas que tinham experiência de vínculo CLT e Não CLT com características um pouco diferenciadas. No que se refere aos vínculos Não CLT, um deles era consultor e prestava serviço de forma simultânea para várias empresas. Outra era aposentada e a maior parte da sua renda era proveniente da aposentadoria. Além disto, ela prestava serviços para apenas uma empresa, mas não de forma continuada. O terceiro caso era de uma pessoa que atuava como vendedora em um sistema de venda direta e a renda obtida não era suficiente para pagamento de suas despesas, sendo complementada por uma pensão alimentícia do ex- marido. Suas atividades como vendedora não estavam estruturadas e ocupavam um número reduzido de horas, o que difere substancialmente do grupo aqui estudado. Mesmo assim, a

entrevistadora decidiu fazer as entrevistas, pois avaliou que o conhecimento da experiência destas pessoas seria interessante para o trabalho. As entrevistas feitas com estes profissionais ajudaram a identificar as diferenças existentes entre o grupo pesquisado no presente estudo e outros perfis que também possuem vínculos de trabalho diferentes dos tradicionais.

O delineamento metodológico inicial previa entrevistas apenas com o grupo de pessoas que era o objeto de interesse do estudo. No entanto, ao longo da condução da pesquisa foram surgindo informações que despertaram a curiosidade da pesquisadora e fizeram com que ela decidisse ampliar a coleta de dados inicialmente planejada. Começou a surgir uma indagação sobre por que, em alguns segmentos do mercado de trabalho, existe uma disseminação de vínculos não tradicionais. Afinal, quais são os elementos que levaram a uma configuração tão diferenciada de relações de trabalho em segmentos específicos? Para tentar entender melhor este processo a entrevistadora julgou interessante ouvir o outro lado: o contratante. Com este objetivo foram realizadas entrevistas com proprietários de empresas do segmento de TI que fazem uso de mão-de-obra com vínculos diferentes do tradicional. O propósito foi entender melhor a dinâmica e as características específicas do mercado de trabalho neste segmento, que é caracterizado pela existência de múltiplos tipos de vínculos de trabalho.

As entrevistas revelaram uma realidade extremamente complexa e variada no que se refere às relações de trabalho Não CLT. Ao longo da coleta de dados foi surgindo uma gama de dados sobre aspectos legais e tributários que são específicos deste universo. Ficou clara então a necessidade de complementar a pesquisa com informações legais, contábeis e fiscais. Com o objetivo de caracterizar aspectos jurídicos e tributários dos diferentes tipos de vínculo identificados durante as entrevistas, foi feito um levantamento de dados junto a contadores e a um diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado de São Paulo.

Esta análise tributária e legal não foi inicialmente prevista, porém mostrou-se necessária para que conseguíssemos entender melhor as diferentes trajetórias profissionais e os significados que os diversos tipos de vinculação têm para os trabalhadores. Os dados dos diferentes tipos de entrevistas foram complementares e permitiram um entendimento abrangente do fenômeno estudado. As informações obtidas na coleta de dados possibilitaram uma melhor compreensão das relações de trabalho contemporâneas dentro do contexto brasileiro. Foi possível conhecer

melhor quem é este trabalhador em contratos não-padrão, qual o seu percurso profissional e suas preocupações e anseios.

As 50 pessoas entrevistadas na presente pesquisa foram classificadas dentro dos seguintes grupos:

• Grupo estudado – Trabalhadores com o histórico de trabalho definido no perfil da amostra de pesquisa: Indivíduos qualificados que atuavam em segmentos e funções que até os últimos 30 anos normalmente contratavam por meio da assinatura da carteira de trabalho e que ao longo de sua trajetória profissional vivenciaram dois tipos diferentes de relação de trabalho por pelo menos dois anos: vínculo CLT e vínculo Não CLT. O vínculo CLT foi caracterizado como carteira assinada e o vínculo Não CLT como o trabalho de forma exclusiva para empresas, por meio da prestação de serviços via Pessoa Jurídica própria. Além disto, o indivíduo não era aposentado, ou caso o fosse, a maior parte de sua renda era proveniente do seu trabalho remunerado atual, e não de sua aposentadoria.

• Grupo complementar – trabalhadores com histórico de trabalho diferente do tradicional que, entretanto, não atendem a todas as condições de definição do perfil da amostra.

• Empresários – empresários de organizações de TI que fazem uso de mão-de-obra com vínculos de trabalho diferentes do tradicional.

• Contadores – Contadores com conhecimentos de aspectos legais e tributários relacionados a diferentes vínculos de trabalho.

A coleta de dados ocorreu durante um período de oito meses, de abril de 2008 até dezembro de 2008. Foram realizadas 50 entrevistas divididas da seguinte forma:

Tabela 4 - Distribuição das entrevistas por tipo de entrevistado Tipo de entrevistado Número de entrevistas

Grupo estudado 43

Grupo complementar 3

Empresários 2

Contadores 2

Total 50

Todas as entrevistas foram feitas pessoalmente pela pesquisadora. As figuras a seguir representam a distribuição geográfica das entrevistas e a rede de contatos estabelecida para a coleta de dados.

BSB

RJ SP CPS

Total de Entrevistas 50

Distribuição Geográfica da Pesquisa

Entrevistados

Entrevistas comple-

mentares

Empresários/

contadores

Figura 1 – Distribuição geográfica da pesquisa Fonte: Elaborado pela autora

Campinas - 8

Brasília - 4

Rio de Janeiro - 13

São Paulo - 25

Total de Entrevistas 50

Rede da Pesquisa

Pesquisadora Contatos p/ indicação de entrevistados Entrevistados Entrevistas comple- mentares Empresários/ contadores

Figura 2 – Rede da pesquisa Fonte: Elaborado pela autora

A primeira etapa da análise de dados foi a transcrição de todas as entrevistas realizadas. Ao total foram transcritas 67 horas de gravação. Após o término de cada transcrição a entrevista era novamente ouvida e o texto era corrigido. As transcrições totalizaram 1216 páginas com espaçamento simples. Ao total foram feitas 50 entrevistas, 43 com o grupo objeto de estudo e 7 com as outras categorias (entrevista complementares, contadores e empresários). As 7 entrevistas de outras categorias auxiliaram no entendimento e na interpretação dos dados das 43 entrevistas do grupo objeto de estudo.