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Capítulo 2 – A flexibilidade

2.4 A regulamentação do mercado de trabalho

Cada país estabelece seu sistema de regras de acordo com suas características e com as práticas e o jogo de força entre os agentes privados e públicos. Kalleberg (2000) ressalta que o critério de número de horas trabalhadas por semana para caracterizar um contrato como de tempo parcial varia de país para país. De acordo com Faria e Rachid (2006), no Brasil a jornada convencional de trabalho é de 44 horas semanais, já o trabalho em tempo parcial deve ter no máximo 25 horas semanais. No Canadá, Costa (2007) esclarece que o trabalho em tempo parcial é aquele com menos de 30 horas por semana. O resultado é que existe uma enorme diversidade no que se refere ao formato, abrangência e detalhamento nas leis voltadas para a regulamentação de mercado de trabalho de acordo com o país em análise.

No Brasil, o Estado exerce grande controle sobre o sistema de relações de trabalho e tem uma atuação intervencionista. Esse processo teve início durante os anos 1930 por meio de iniciativas do governo Vargas. Em 1943, com a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), foram definidas as características básicas do sistema legal e oficial de relações de trabalho. De acordo com Costa (2007), o Estado assumiu então um papel central na regulação e mediação dos interesses de empregados e empregadores. Com a promulgação da constituição de 1988 houve a atualização da legislação trabalhista, e para Nogueira (2002), atualmente temos um sistema híbrido, pois o papel intervencionista do Estado tem sido modificado por meio de medidas flexibilizadoras e desregulamentadoras estabelecidas desde a década de 1990.

Durante o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1999/2002) foram feitas algumas mudanças na legislação que regulamenta as relações de trabalho. As mudanças foram no sentido de flexibilizar a legislação trabalhista. Os defensores das medidas flexibilizadoras argumentavam que a legislação trabalhista no Brasil era arcaica e que não se adequava ao novo ambiente competitivo e de trabalho em um mundo globalizado. De acordo com Costa (2007) e Parolin et al. (2004), o argumento principal desta vertente é a necessidade de flexibilizar as relações de trabalho de forma a criar novas vagas no mercado de trabalho e limitar o ritmo do crescimento do desemprego. Críticos destas mudanças, tais como Cacciamali e Brito (2002) e Parolin et al. (2004) argumentavam que, na verdade, a flexibilização acarretaria apenas a precarização das condições de trabalho, aumentando o lucro das empresas e não tendo efeitos significativos na criação de novos postos. As principais mudanças na legislação trabalhista realizadas foram as seguintes:

• Contrato por tempo determinado – A sua vigência é determinada por termo prefixado, para execução de serviços especificados ou para realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada (era previsto na CLT no artigo 443 e foi regulamentado pela Lei 9.601/98 e pelo Decreto 2.490/98).

• Banco de horas – Estabelece que para cada hora-extra o funcionário tem direito a uma hora de folga; a jornada de trabalho é reduzida ou aumentada de forma compensatória, e neste caso as horas-extras não são remuneradas separadamente (esta forma de compensação foi ratificada com o Decreto 2.490/98 que regulamenta a criação do “banco de horas”).

• Participação nos lucros e resultados – A participação nos lucros e resultados (PLR) deve ser objeto de negociação entre a empresa e seus empregados mediante comissão por estes escolhida (Lei 10.101/00).

De acordo com Watanabe (2008), a legislação atual prevê que as convenções e acordos coletivos também podem negociar alguns direitos do contrato de trabalho.

• Redução de salários – Pode ser negociada uma redução de salários com redução da jornada de trabalho; também é permitida a redução proporcional dos encargos tributários dos empregadores.

• Suspensão de contrato de trabalho – A empresa, com o consentimento do trabalhador, pode suspender o contrato de trabalho por um período de dois a cinco meses; o funcionário não recebe salários (pode receber um pagamento de “ajuda compensatória”, sem natureza de salário) mas a manutenção de benefícios pode ser negociada e a empresa deve fornecer programas de qualificação durante o período da suspensão.

• Suspensão de reajuste salarial – A convenção ou acordo coletivo negociam a suspensão do reajuste salarial.

Mudanças em termos de legislação são eventos contínuos, tanto em relação aos contratos CLT quanto em relação a outros tipos de relações de trabalho. Segundo Eccel; Flach e Oltramari (2007) nos últimos anos houve uma modificação na forma de tributação das cooperativas que acabou com a isenção de alguns impostos aos quais este tipo de organização tinha direito. Isso fez com que entre os profissionais qualificados esta forma de vinculação deixasse de ser

interessante do ponto de vista financeiro, e houvesse uma migração destes profissionais para vínculos por meio da constituição de pessoas jurídicas.

Costa (2007) é bastante crítica em relação às mudanças recentes na CLT, que em seu entender colocam em risco garantias de direitos dos trabalhadores. De acordo com a autora, as mudanças na legislação teriam provocado a redução de direitos, fazendo com que trabalhadores perdessem direitos sociais previstos no contrato de trabalho permanente, sem criar empregos regulares. Um ponto relevante discutido pela autora é a importância da CLT como elemento estruturante do mercado de trabalho como um todo. Para Costa (2003, p. 3) a CLT ainda é “o parâmetro central que impede que as relações de trabalho no país resvalem na pura mercantilização da força de trabalho”.

Cacciamali e Brito (2002) argumentam que a flexibilização das relações de trabalho continua avançando no Brasil, seguindo a mesma tendência verificada em outros países. Piccinini; Oltramari e Oliveira (2007) chamam a atenção para o fato de que esta ampliação ocorre tanto com respaldo jurídico quanto informalmente. Em uma pesquisa realizada com 2.200 empresas eles detectaram que 68% utilizava alguma modalidade de trabalho flexível, sendo a terceirização o tipo mais comum. As mudanças de legislação realizadas na década de 90, relacionadas à flexibilização nos aspectos da jornada de trabalho e da remuneração, foram utilizadas na definição de cláusulas de acordos, dissídios e convenções coletivas. A razão mais comumente citada pelas empresas para a sua utilização foi a redução do custo do trabalho.

Apesar das últimas mudanças de legislação que acabamos de relatar, a interferência do Estado no mercado de trabalho ainda é grande, pois a legislação trabalhista brasileira estabelece uma série de direitos e deveres dos empregadores e empregados na forma de lei. Deve-se ressaltar, no entanto, que de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de metade da mão-de-obra brasileira atualmente trabalha no mercado informal, e este grupo não tem acesso direto aos direitos garantidos por lei, nem é coberto pelo sistema de seguridade social. O IBGE considera trabalhador “formal” o empregado que tem carteira assinada, é militar ou é estatutário, e informal o trabalhador sem carteira assinada e por conta própria. A carteira de trabalho assinada representa a comprovação do vínculo empregatício, assegurando ao trabalhador todos os benefícios da legislação trabalhista.

A literatura internacional que discute relações de trabalho e suas transformações faz uso de forma recorrente do conceito de trabalho contingente. Este conceito tem sido muito utilizado na descrição de modelos de estruturação da força de trabalho, que normalmente divide os trabalhadores em função da estabilidade do seu vínculo. O próximo item apresenta o conceito de trabalho contingente e debate informações sobre este tipo de trabalhador.