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Capítulo 3 Abordagem teórico-metodológica

3.1 O tema de pesquisa

Conforme vimos no item “Relações de trabalho no Brasil”, dados do IBGE (2002) indicam que ao longo da década de 90 houve uma diminuição no percentual de trabalhadores com vínculo CLT e um aumento em outras categorias. Já na década atual ocorreu um aumento do percentual de trabalhadores que estão dentro do mercado formal de trabalho. No entanto, em outubro de 2008 o percentual de trabalhadores ocupados fora do mercado formal ainda era de 43,4%. Este é um fenômeno relacionado a diversos fatores: questões econômicas, legislação trabalhista, perfil do mercado de trabalho, entre outros. Uma discussão corrente sobre o assunto é que parte da diminuição do percentual de empregos CLT ao longo da década de 90 seria devida à migração dos empregos CLT para vínculos não CLT. Cappelli (1997) discute essas mudanças no contexto americano, identificando uma grande mudança no mercado de trabalho dos Estados Unidos. No Brasil, Piccinini, Oliveira, Rübenich (2006) apresentam dados da realidade nacional e debatem as estratégias utilizadas pelas empresas para a diminuição de encargos trabalhistas e tributários.

No caso da migração de empregos CLT para vínculos não CLT haveria uma mudança jurídica de vínculo, mas não uma mudança real. O indivíduo deixaria de ser um funcionário CLT, mas continuaria tendo um relacionamento com o empregador que mantém os indícios de vínculo empregatício: exclusividade, relação de subordinação e habitualidade, ou seja, frequência regular. Barbosa e Felício (2004) relatam o crescimento significativo de Pessoas Jurídicas no Brasil nos últimos anos – neste grupo estão incluídas as Pessoas Jurídicas sem funcionários, o que é particularmente comum dentro de alguns segmentos profissionais. O governo tem discutido, de acordo com Bueno (2008), mudanças na legislação para coibir esse tipo de contratação, mas até o ano de 2008 não haviam acontecido mudanças significativas.

Naturalmente os impactos das mudanças aqui mencionadas são diferenciados em função de características do indivíduo, tais como: formação, experiência, área de atuação, entre outros. Silva (2006) e Cançado et al. (2007) conduziram pesquisas que apontam para a disseminação

de vínculos diversificados de trabalho junto a trabalhadores qualificados, perfil profissional que normalmente estava inserido no mercado formalizado de trabalho.

A disseminação de vínculos fora do mercado formal de trabalho é um fenômeno recente em algumas categorias de profissionais qualificados, que intensificou-se no Brasil ao longo das duas décadas passadas. Nos últimos anos algumas pesquisas com foco nesse tipo de profissional têm sido conduzidas (CANÇADO et al., 2007; CUNHA et al., 2007, LOPES, SILVA, 2007; SILVA, 2006). Mesmo assim, os estudos sobre o tema com foco na realidade brasileira são escassos.

De acordo com Nogueira (2002), embora existam semelhanças, as legislações que regulamentam as relações de trabalho são específicas para cada país. No caso do mercado de trabalho brasileiro, a CLT é uma referência bem estabelecida e faz parte da cultura nacional. Devido aos benefícios garantidos aos trabalhadores pela CLT, este tipo de vínculo é bastante apreciado socialmente e é cobiçado por muito trabalhadores. Os funcionários públicos, que são regidos por outro tipo de legislação, são uma categoria funcional ainda mais valorizada pela sociedade, em função da estabilidade de emprego e das vantagens associadas a este tipo de vínculo. Em resumo, a sociedade brasileira dá grande importância à inserção no mercado formalizado de trabalho (CLT e funcionalismo público), sendo comum a pergunta: “Você tem carteira assinada?”. Dentro do imaginário socialmente compartilhado, os trabalhadores dividem-se em dois grandes grupos: com carteira assinada (incluindo os funcionários públicos) e sem carteira assinada. De acordo com Noronha (2003), a assinatura em carteira e a condição de assalariado é algo tão importante para algumas pessoas que está associada à noção de cidadania. Ter a carteira assinada é visto como uma prova de que o indivíduo trabalhou em “boas empresas”, de que é “confiável”. Durante muito tempo a carteira de trabalho funcionou como uma verdadeira carteira de identidade.

A partir deste cenário nos perguntamos qual o impacto que as mudanças no mercado de trabalho têm na trajetória profissional e na atribuição de significado que os indivíduos dão para as suas relações de trabalho. Um dos objetivos deste estudo foi investigar o impacto da mudança do tipo de vínculo de trabalho. Desta forma, escolhemos estudar a trajetória profissional de um grupo específico: indivíduos qualificados, inseridos em segmentos e exercendo funções que normalmente estavam inseridas no mercado formal de trabalho, que tenham vivenciado dois tipos de contratação: uma formal e uma não-formal. Os dois tipos de

vinculação deveriam ter acontecido de forma exclusiva, ou seja, o indivíduo deveria ter se relacionado com apenas um empregador/contratador de cada vez. Dentro do ambiente de relações de trabalho no Brasil, a contratação formal na presente pesquisa foi definida como vínculo CLT, e a contratação não-formal como vínculo não CLT. Os funcionários públicos, em geral, têm estabilidade no emprego, e normalmente sua trajetória profissional é marcada pela pouca mobilidade. Por isso, eles não fizeram parte da amostra deste estudo.

A qualificação do vínculo de trabalho como CLT é clara: um indivíduo é CLT quando ele tem a sua carteira de trabalho assinada por um empregador. O empregador pode ser tanto uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica. Já a qualificação do vínculo de trabalho que não é CLT é bem mais complexa, dada a grande diversidade de tipos de vínculos existentes no mercado de trabalho. As nomenclaturas utilizadas na literatura para definir estes tipos de vínculo têm limitações, e não conseguem abarcar todas as modalidades de vínculos que não são CLT. Trabalho informal, trabalho atípico, formas alternativas de inserção são exemplos dados por Toni (2006) de expressões utilizadas para se referir a estas modalidades de vínculo. No entanto, nenhuma delas é adequada para definir todas as modalidades de vínculos não CLT existentes. Uma limitação da nomenclatura “vínculo Não CLT” é a definição pela negativa (Não CLT), estabelecendo o que o vínculo não é. Não fica claro quais são os tipos de contratos de trabalho que estão incluídos nesta terminologia. Apesar desta restrição, esta definição é a que melhor se adequava ao universo investigado na presente pesquisa e a que será utilizada ao longo do trabalho.

O critério para fazer parte da amostra foi ter vivenciado por durante pelo menos dois anos cada um destes tipos de vinculação. Entendemos que ao longo de dois anos o indivíduo tem a oportunidade de avaliar um tipo de vínculo de trabalho, identificando vantagens, desvantagens, custos, benefícios e preferências. Uma vinculação de apenas um ano não permitiria uma análise tão ampla, tendo em vista que algumas características da CLT, tais como férias, 13º, FGTS, têm um impacto maior em um período mais longo de tempo.

Entendemos que como o foco do estudo é o profissional qualificado, com funções que a princípio necessitam de curso superior, haveria uma relativa homogeneidade nos vínculos de trabalho existentes, mesmo dentro do grupo Não CLT. Dentre as possibilidades de vinculação Não CLT escolhemos o contrato de um prestador de serviços por meio da contratação da Pessoa Jurídica deste prestador. Este tipo de contratação foi escolhido tendo em vista sua

disseminação como forma alternativa de relação de trabalho, em alguns segmentos profissionais.

Entendemos que para o tipo de comparação entre vínculos de trabalho a ser feito no presente estudo seria necessário que a remuneração resultante do trabalho fosse a principal fonte de renda do entrevistado. Ou seja, que o pagamento de suas despesas correntes dependesse em grande parte de seu trabalho remunerado.

Em síntese, o grupo estudado pelo presente trabalho foi composto por indivíduos que satisfaziam as seguintes condições:

• Ao longo de sua trajetória profissional vivenciaram dois tipos diferentes de relação de trabalho por pelo menos dois anos: vínculo CLT e vínculo Não CLT.

o O vínculo CLT foi caracterizado como carteira assinada.

o O vínculo Não CLT como o trabalho de forma exclusiva para empresas, por meio da prestação de serviços via Pessoa Jurídica própria.

• Era qualificado, ou seja, exercia atividades que a princípio necessitavam de formação em curso superior.

• Trabalhava em segmentos e em funções que até os anos 1980 normalmente contratavam por meio da assinatura da carteira de trabalho.

• Não era aposentado, ou caso o fosse, a maior parte de sua renda era proveniente do seu trabalho remunerado atual, e não de sua aposentadoria.

Estes critérios foram utilizados na definição do perfil das pessoas a serem entrevistadas, e foram empregados na elaboração de uma lista de condições a serem verificadas antes da realização da entrevista.