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Capítulo 2 – A flexibilidade

2.1 O termo flexibilidade

O termo flexibilidade é aplicado a uma série de teorias bastante diferentes entre si. O trabalho de Piore e Sabel (1984) discute mudanças no processo produtivo por meio da introdução dos sistemas flexíveis de produção, comumente chamados de “pós-fordistas”. Piore e Sabel (1984) analisaram principalmente o segmento industrial, e o foco do trabalho deles foram as mudanças dos sistemas de produção por meio da introdução de novas tecnologias, a partir das limitações dos sistemas tradicionais de produção em massa. Nessa perspectiva, a tecnologia é a chave para uma forma de produção mais flexível, e o termo flexibilidade está relacionado com o processo produtivo propriamente dito.

A flexibilidade também tem sido utilizada como critério de divisão dos trabalhadores em dois grandes grupos: os permanentes, que seriam os trabalhadores centrais, e os flexíveis, que seriam os trabalhadores periféricos. Essa abordagem foi chamada de “gerencialista” e “neo- gerencialista” por Brewster; Mayne e Tregaskis (1997). Pollert (1998) alerta que este tipo de divisão tem recebido críticas devido à sua limitada utilidade e falta de consistência teórica; mesmo assim, ele tem sido muito utilizado em pesquisas sobre o tema, e também tem influenciado internacionalmente os debates sobre políticas públicas.

Esta tese tem como foco de estudo o termo flexibilidade no âmbito das relações no mercado de trabalho. Existe uma discussão corrente sobre as transformações que têm acontecido nas relações de trabalho em direção a uma maior flexibilização. Tais transformações têm gerado controvérsias e, de acordo com Parolin et al., (2004) existem duas vertentes que discutem os seus impactos. Por um lado, há a visão de que este tipo de relação de trabalho é um retrocesso às condições iniciais da revolução industrial, criando um grupo de trabalhadores sem privilégios e vulneráveis. Na mesma direção, Heloani (2003) argumenta que a flexibilização seria uma forma de aumentar a exploração dos trabalhadores com o objetivo de maximizar o lucro das empresas. Para ele, a flexibilidade nas relações de trabalho seria uma evidência do

tratamento descuidado e irresponsável dispensado aos empregados por parte dos empregadores. Por outro lado, a flexibilização é vista como forma de reduzir o desemprego, pois a rigidez da legislação trabalhista seria um elemento inibidor à criação de empregos. O desenvolvimento de uma força de trabalho flexível seria, então, um movimento necessário na direção de formas de emprego que sejam mais adequadas às necessidades dos trabalhadores, e que poderiam facilitar a conciliação de obrigações de trabalho e deveres familiares. Dentro desta vertente mais otimista Brewster; Mayne e Tregaskis (1997) apontam a existência de um grupo de pesquisadores que entende o desenvolvimento da flexibilidade como forma de fazer com que o mercado de trabalho responda melhor às demandas econômicas, por meio da disponibilização de uma força de trabalho mais barata e produtiva.

Não existe consenso sobre os efeitos da flexibilidade nas relações de trabalho – se é positiva ou negativa, se é intencionalmente planejada ou não, se é desejável ou indesejável etc. Os autores anteriormente citados apontam para uma mudança em curso em diversos mercados de trabalho no mundo. As causas e conseqüências dessas mudanças têm sido intensamente debatidas, e este tema assume enorme importância na medida em que os sistemas de emprego, de legislações trabalhistas e de previdência social foram idealizados e implementados em um mercado de trabalho baseado no emprego em período integral por tempo indeterminado.

Esta discussão também tem acontecido no cenário nacional. Quando olhamos para a realidade no Brasil, constatamos que o mercado de trabalho brasileiro também tem passado por profundas mudanças. Estas mudanças têm sido analisadas de forma bastante crítica por alguns pesquisadores. Para Antunes (2006) a força de trabalho tem se tornado mais heterogênea, os contratos de trabalho mais diversificados e precários, e as relações de trabalho mais complexas. De acordo com Piccinini; Oliveira e Rübenich (2006) e Antunes (2006) houve uma tendência à dessindicalização e desorganização dos sindicatos, o que também contribuiu para um aumento da heterogeneidade do mercado de trabalho.

Hirata (2003) ressalta que a precarização e a flexibilização do trabalho atingiram diferentemente o mercado de trabalho dos países desenvolvidos e daqueles em desenvolvimento. Nos países ricos o novo modelo de organização da produção e do trabalho tem assumido a forma de trabalho em tempo parcial. De acordo com Kalleberg (2000), a disseminação do trabalho em tempo parcial como forma de flexibilização ocorreu no Canadá, Japão e em especial na maioria dos países europeus. Este processo foi apoiado pelo Estado e

aconteceu principalmente por meio da utilização da mão-de-obra feminina. Já em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, Piccinini; Oliveira e Rübenich (2006) relatam que o que predomina é o trabalho informal, fora do sistema previdenciário e sem proteção social. Apesar destas diferenças, os autores argumentam que mesmo nos países centrais há uma tendência à degradação das condições de trabalho, principalmente nas pequenas e médias empresas, integradas em rede. Normalmente, tanto o trabalho em tempo parcial quanto o trabalho informal possuem algumas características em comum: são em grande parte instáveis, mal remunerados, sem perspectivas de carreira, não-valorizados socialmente, e possuem poucos, ou mesmo nenhum direito social. Um ponto importante a ser observado é que a disseminação de formas flexíveis de contratação torna o contrato tradicional oneroso para as organizações devido aos impostos e encargos existentes.

Alguns autores sintetizaram as diversas dimensões do conceito de flexibilidade utilizadas para caracterizar esferas do mundo do trabalho. Atkinson (1984) identificou quatro componentes principais no construto flexibilidade: numérica, funcional, financeira e de distância. A flexibilidade numérica está associada ao ajuste do tamanho da força de trabalho à demanda; a funcional é a habilidade de treinar e utilizar a mão-de-obra em um conjunto de tarefas; a financeira está relacionada com a estrutura de remuneração; e a de distância é a substituição da força de trabalho permanente por algum outro vínculo de contrato de trabalho. Na perspectiva de Atkinson (1984) a flexibilidade funcional seria alcançada por meio dos trabalhadores centrais; nesse caso, os trabalhadores com vínculo permanente seriam treinados em um amplo conjunto de tarefas, podendo assim ampliar seu escopo de trabalho, assumindo diferentes funções. Já a flexibilidade numérica seria alcançada por meio dos trabalhadores periféricos, que permitiriam à empresa adequar facilmente o tamanho de sua força de trabalho por meio da contratação temporária da mão-de-obra necessária.

Murphy (1996) discute o conceito de flexibilidade dentro do ambiente empresarial a partir de uma perspectiva mais ampla, associando-o aos seguintes aspectos: organizações, pessoas, contratos, duração da vida de trabalho, número, local de trabalho e função. A seguir apresentamos a definição para cada um desses aspectos com base na caracterização proposta por Murphy (1996).

A mudança das organizações tradicionais na direção de organizações flexíveis tem sido intensamente debatida na literatura de administração, tanto a voltada para os acadêmicos quanto a voltada para os gerentes. A flexibilidade neste contexto refere-se à capacidade das organizações de responderem rapidamente às oportunidades de mercado. Está relacionada a questões estratégicas direcionadas à transformação dos produtos e serviços oferecidos pela empresa. A flexibilidade organizacional pode se manifestar de diversas formas, dependendo das características do negócio: pode estar relacionada a formas de acesso do cliente, ou mesmo a inovação propriamente dita.

Pessoas flexíveis

Neste caso o conceito de flexibilidade está associado a características do trabalhador individual. O trabalhador flexível tem habilidades múltiplas e variáveis, sendo capaz de executar um amplo espectro de tarefas. A multifuncionalidade adicionaria valor ao funcionário, e poderia aumentar tanto a qualidade do seu trabalho quanto o nível de sua produtividade, tendo assim um impacto na sua empregabilidade.

Contratos flexíveis

Os contratos tradicionais de trabalho foram produto de um ambiente específico. O ambiente competitivo era relativamente estável: o ciclo de vida dos produtos era mais longo, os concorrentes estavam localizados em uma área geográfica mais restrita, a inovação tecnológica era mais lenta, e a demanda dos consumidores era mais homogênea. Além disso, dentro do ambiente industrial os trabalhadores conseguiram, ao longo da primeira metade do século XX, se organizar em sindicatos com um significativo poder de negociação, o que foi um elemento importante para garantir melhores condições de trabalho.

Nas últimas décadas o emprego industrial tem diminuído de forma contínua e o grande empregador atualmente é o setor de serviços. De acordo com Clinton (1997) o emprego no setor de serviços tem apresentado um crescimento consistente. O emprego neste setor tem características muito distintas, com formas e horários de funcionamento bastante diversificados. Os trabalhadores do setor de serviços em grande parte não são sindicalizados e os contratos são baseados em acordos individuais. O entendimento do que são contratos flexíveis é amplo, e normalmente este conceito está associado a condições de trabalho diferentes das tradicionais no que se refere a algumas variáveis tais como a duração do contrato, a forma de remuneração, entre outras.

Vidas de trabalho flexível

A vida padrão de trabalho tem se alterado. É cada vez mais comum encontrar pessoas que se aposentam precocemente e iniciam uma nova carreira, ou se dedicam a outras atividades tais como trabalho voluntário, um negócio próprio ou mesmo continuam exercendo alguma atividade para complementar a aposentadoria. O aumento da participação da mulher no mercado de trabalho também tem levado a uma mudança do que é considerada uma “típica” vida de trabalho. Muitas mulheres trabalham meio período, ou mesmo interrompem temporariamente sua participação no mercado de trabalho, devido ao fato de assumirem a maior parte das responsabilidades familiares de cuidado dos filhos, parentes idosos e doentes.

Flexibilidade numérica

Está relacionada à flexibilidade de horas e padrões de trabalho. A terceirização, o uso de consultores, o uso de trabalhadores temporários são formas das empresas conseguirem este tipo de flexibilidade. A flexibilidade de remuneração, por meio de remuneração variável e bônus, está incluída nesta categoria.

Flexibilidade de local

A flexibilidade de localização ocorre quando o empregado tem a possibilidade de trabalhar longe da empresa. Esta modalidade muitas vezes recebe o nome de teletrabalho.

Flexibilidade funcional

A flexibilidade funcional acontece quando os funcionários desempenham diferentes tarefas. Este último tipo de flexibilidade pode ser alcançado por meio da utilização de trabalhadores com múltiplas habilidades, do aprendizado e desenvolvimento contínuo, do trabalho em equipe, entre outras formas.

Alguns aspectos do conceito de flexibilidade estão relacionados diretamente com o que normalmente é classificado como trabalho flexível. Isso ocorre quando focamos a flexibilidade relacionada às pessoas, aos contratos, aos números, à localização e à função. Na realidade, as diversas práticas relacionadas à flexibilidade não são excludentes, e podem ser combinadas de diferentes maneiras, dando origem a variadas formas de trabalho. Por exemplo, podemos ter um trabalhador temporário que executa suas tarefas fora da empresa,

podemos ter um trabalhador com contrato por tempo determinado que tem remuneração variável etc.

Com base nas classificações de Atkinson (1984) e Murphy (1996) propomos dividir os diferentes tipos de flexibilidade relacionados ao trabalho em cinco grupos.

• Flexibilidade de contrato (contratos fora do padrão, contratos por tempo determinado) • Flexibilidade no padrão e na organização do trabalho

o Flexibilidade numérica (ajuste de número de horas de trabalho e número de trabalhadores de acordo com a demanda)

o Flexibilidade temporal (mudança no número de horas trabalhadas e distribuição de horas trabalhadas ao longo do tempo)

• Flexibilidade de remuneração • Flexibilidade de local de trabalho

• Flexibilidade funcional (de tarefa/conteúdo do trabalho)

O objetivo da presente pesquisa está relacionado com as mudanças nos tipos de vínculos de trabalho que os indivíduos estabelecem no mercado de trabalho. Em função disso, entre os diferentes tipos de flexibilidade apresentados, o foco do estudo será a flexibilidade de contrato, especificamente os contratos fora do padrão. O item seguinte discute o conceito de flexibilidade aplicado às relações de trabalho, detalhando os diferentes tipos de contratos existentes.