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Capítulo 5 – Apresentação e discussão dos resultados encontrados

5.10 Relações com a família

A família e o trabalho são duas esferas extremamente importantes na vida da maioria das pessoas. Em nosso dia-a-dia é comum que estas esferas estejam em contínua interação, com decisões e dinâmicas da vida familiar influenciando e sendo influenciadas também por decisões e dinâmicas da vida profissional. Os entrevistados, ao relatarem sua experiência, trouxeram à tona estas questões, que foram classificadas dentro de uma árvore chamada Família. Os conteúdos relacionados a questões familiares foram divididos nos seguintes galhos:

• Filhos • Cônjuge

• Pais e família em geral

Discutimos a seguir os principais resultados encontrados.

5.10.1 Filhos

Dentre todas as relações familiares, os filhos foram os mais comumente citados pelos entrevistados. Dentre os 43 entrevistados, 26 tinham pelo menos um filho. O assunto filhos

surgiu em vários momentos das entrevistas, mesmo entre aqueles entrevistados que não são pais.

Questões relacionadas aos filhos foram muito mais comuns entre as mulheres entrevistadas do que entre os homens. Para algumas entrevistadas os vínculos Não CLT permitem uma maior flexibilidade de tempo e de horário, flexibilidade esta valorizada em função dos filhos.

E está, poder equilibrar bem a minha vida pessoal, que sempre foi uma tônica muito importante para mim. Eu não abandonar os meus filhos, poder estar com eles. Uma vez, duas vezes por semana, almoçar, buscar na escola, fazer alguma coisa desse tipo. (Entrevista 2).

A minha negociação aqui foi exatamente o que eu falei que eles não podiam dar lá, que era tempo. E pra mim, hoje mais do que dinheiro, tempo para os meus filhos é muito mais importante. Eu falei que queria um lugar onde eu pudesse ter mais flexibilidade de horário, que eu pudesse um dia chegar mais tarde, ou trabalhar de casa, ter um esquema que fosse um pouco mais flexível, mesmo, no geral. (Entrevista 9).

...hoje em dia eu penso mais na liberdade que eu tenho como PJ, apesar da instabilidade de dinheiro, e eu considero um super ganho a liberdade que eu tenho de não ter que responder ao patrão, de não ter que ficar numa reunião pensando “pôxa, eu queria estar com meu filho agora”, eu penso mais nisso. (Entrevista 12).

Eu acho que a mulher sente mais a obrigação de ter também um tempo pra casa e pro filho. Eu acho que o homem tem menos esse peso, né. Por conta disso ela pode ser levada a querer coisas mais flexíveis, pra dar conta da casa e do filho. (Entrevista 17).

A licença-maternidade é também um aspecto que foi diversas vezes citado por algumas mulheres durante as entrevistas. Em contratos Não CLT a mulher fica em uma posição extremamente difícil em caso de gravidez, tendo em vista que o assunto normalmente não foi discutido de forma explícita por nenhuma das entrevistadas na fase de negociação de seus vínculos de trabalho Não CLT.

Mas na empresa onde eu trabalho a negociação de gravidez é sempre uma negociação e as pessoas... Han! A regra lá era você ter dois meses de remuneração integral para futura mamãe e para a mamãe; e dois meses de uma remuneração parcial e você voltava a trabalhar aos poucos também, era uma volta parcial. Isso era o definido, mas aberto à negociação. Mesmo as pessoas então lá, sem o vínculo com a CLT, tinham essa regra definida na empresa. (Entrevista 3).

É difícil negociar saída, acho que acaba te botando uma barreira, você falar de licença maternidade. Tem muita gente que até negocia, mas... Até no RH da Empresa A, logo que eu comuniquei, a pessoa do RH me falou assim: ah, a responsável pelo RH falou assim, já resolveram sua situação? Eu falei que não. Ela falou: pois é, eu também estou muito interessada em saber como vai ser o desfecho da sua situação, porque eu também quero engravidar. Eu pensei: gente, a mulher que é responsável pelo RH falando isso, como assim?! É uma coisa que ninguém... Têm várias agências que contratam modelo PJ, mas que têm contrato mesmo e fala em licença maternidade. Mas a maioria não fala. (Entrevista 9).

Algumas entrevistadas, apesar de preferirem os vínculos Não CLT, em função da flexibilidade que permite um melhor atendimento das necessidades dos filhos, escolhem dentre as possibilidades de trabalho disponíveis, aquelas que apresentam menor risco. Dessa

forma, privilegiam a segurança, mesmo estando dentro de um vínculo Não CLT.

E o engraçado é que eu não pensava nisso como PJ antes de ter filho, eu penso agora. Antes de ter filho eu funcionava igualzinho ao homem, inclusive como jogadora. Eu não tinha o que... Aquela coisa de não ter muito a perder? Se eu perder dinheiro, paciência, eu tenho um apartamento aqui, o máximo que pode acontecer é eu ter que vender esse apartamento e viver de aluguel, mas eu prefiro apostar e ver se eu consigo virar uma empresária. Eu tinha sonhos grandes. E era muito agressiva na atitude, nos projetos. Ah, você quer fazer isso aqui que é um risco ou isso aqui que é garantido, mas é menos? Eu sempre ia no risco. Isso, depois que eu tive filho, é que mudou. Nenhuma vez eu vou no risco hoje. Ah, você pode arriscar isso aqui, com a possibilidade de ter um negócio legal lá na frente. Não. Eu mudei muito. (Entrevista 12).

Eu acho que talvez eu tenha demorado mais a buscar segurança porque eu não tenho família. Como mulher geralmente tem, ela tem filho, busca essa coisa do lar, acho que ela busca isso mais cedo do que eu. (Entrevista 13).

Pra mulher a segurança é mais importante, pelas condições principalmente, ela tendo um filho e tudo o mais. Dentro dos casos que você botou. Ela vai querer os benefícios para o filho... Já o homem é mais propenso ao risco. Ele se exporia mais. Não há regras, existem as exceções, mas assim em média eu acho que sim. Assim como também teria homens que não aceitariam, porque não aceitam risco. (Entrevista 15).

5.10.2 Cônjuge

A grande maioria dos entrevistados relatou receber grande apoio por parte dos cônjuges no que se refere à vida profissional, e as decisões quanto às mudanças profissionais foram tomadas em geral de forma conjunta. Em quase todos os casos os cônjuges apoiaram a mudança de tipo de vínculo de trabalho, seja porque não havia outra opção, seja porque entendiam que era a melhor opção para os entrevistados. Poucos entrevistados tomam as decisões profissionais de forma mais solitária, não consultando ninguém.

Quando deu certo o doutorado, bom, vou ter que fazer uma opção porque não vai dar para fazer tudo. Não posso ficar com os meus filhos, estudar e continuar trabalhando e também já vi que não dava. Conversei com o meu marido. Ele falou, não, está bom. Vai, faz isso e depois você pega algumas aulas. Eu acho que eu vou ficar muito mais feliz. Independente se eu for pegar algumas aulas e ganhar menos ainda do que eu ganhava. (Entrevista 2).

Os últimos anos nessa empresa foram muito difíceis. Eu estava muito insatisfeita, triste. Quando eu tomei a decisão eu tive todo o apoio do meu marido porque ele estava vendo que não dava mais. (Entrevista 3).

- Seu namorado. Qual foi a opinião dele quando você... pintou a chance de ser exclusiva da Empresa A e sair da Empresa B o que ele falou?

Ah, ele apoiou porque o emprego na Empresa B, a função era muito precária. Era uma coisa que não me satisfazia, eu estava infeliz, enfim. (Entrevista 6).

Meu marido sempre me apoiou e graças a ele eu posso fazer tudo isso. Até primeiro pela estabilidade que ele tem, pelo fato de trabalhar há 16 anos numa mesma empresa como CLT. Não só me deu apoio financeiro, como apoio moral pra isso tudo. Ele acha que eu tenho que ser feliz. Então, eu estava buscando encontrar o meu caminho profissional. Sem o apoio dele eu não poderia ter feito isso. (Entrevista 16).

Para alguns entrevistados uma relação a dois pode possibilitar que um dos cônjuges seja Não CLT quando o outro é CLT. O relacionamento permite que as vantagens e desvantagens dos diferentes vínculos de trabalho sejam contrabalançadas.

Hoje ele tem um dinheiro seguro, que é o que segura a gente. A minha insegurança é compensada pelo fato de que ele tem um salário. Ainda é mais de 50%, mas é quase 50. Se continuar nesse ritmo, ele vai subir e eu vou para 40, não sei. (Entrevista 12).

Acho que quando ela é uma mulher e o marido é CLT, ela se permite mais ser PJ, porque você já tem uma segurança, entre aspas, alguém que já tem o plano de saúde... Acho que também deve funcionar da mesma maneira o inverso. Se tem, um dos dois tem um emprego mais seguro. Por exemplo, o meu marido está nesse emprego desde que ele era estagiário. Então, é uma coisa muito estável. Apesar de não ser super bem remunerado, é uma coisa muito estável. Então, eu não tenho tanto medo de arriscar porque eu tenho alguém certo, né. Então eu imagino que maridos ou esposas que tenham alguém mais certo possam arriscar e pegar coisas mais incertas em função de um dos dois ser essa âncora. (Entrevista 17).

Se existe um casal, eu posso ser casado com uma pessoa que é CLT, tem todos os benefícios, plano de saúde que é extensivo a mim, e aí eu posso trabalhar como PJ porque eu vou ganhar um dinheiro a mais, aí junto, e tem um determinado objetivo. (Entrevista 15).

Algumas esposas expressaram claramente sua preferência por um vínculo CLT quando essa oportunidade foi oferecida ao marido. Esse resultado está de acordo com o dado encontrado nesta pesquisa de maior busca de estabilidade por parte do grupo feminino.

Agora, a minha esposa sim, prefere que eu seja CLT, tanto é que nesse movimento todo, que há meses que a gente vem conversando com o meu superior aqui dentro, sobre possibilidades, e ele vem tentando me convencer a ser CLT, a minha esposa é uma que vem dando força: “é melhor você aceitar, acho bom porque aí você...” etc. e tal. Dá mais segurança, com certeza. (Entrevista 8). Olha, a gente não discute muito isso, porque foi um posicionamento que eu tive com relação a... Olha, uma forma de ter uma renda maior e ter condição de realizar alguns planos é não ser CLT. E ela aceitou, né. É claro que talvez se perguntar pra ela, ela vai preferir que seja CLT, por questão de segurança. (Entrevista 26).

5.10.3 Pais e família em geral

De acordo com a maioria dos entrevistados, seus pais preferiam vínculos de trabalho CLT e expressavam receios quanto a outras modalidades. Alguns entrevistados fizeram relatos bem contundentes sobre esta postura familiar.

Quando você saiu lá da Empresa A, o que sua família achou, amigos?

- Ah, que eu era maluca! Isso que eu falo, a dificuldade é que você fica muito presa porque a sociedade te cobra. Você jogar um emprego bom, numa empresa que hoje é uma das maiores empresas do país... “Caraca, o que ela quer da vida?” (Entrevista 11).

Falaram que eu não era ninguém. “Como que essa menina vai se manter se a gente não...” Apesar de que eu nunca precisei pedir dinheiro a eles, sempre sobrevivi com o meu próprio dinheiro. Mas ela achava que a segurança... Porque vê, minha mãe está com 71, se papai estivesse vivo, estaria com 76. Foi professor também. Eles achavam que a gente tinha que ter uma segurança, e a idéia dos anos 60, 70, que foi a época que eles trabalharam, era de que quem trabalhasse de carteira assinada ou funcionário público tinha segurança, que não mandavam embora. É o que você estava falando: as pessoas trabalhavam 30 anos na mesma empresa. Minha irmã se aposentou mais velha, na Volkswagen, com não sei quantos anos de empresa. Então a visão da minha família era essa. Então esse tipo de contratação pra mim era novo, e para as pessoas que eu convivia dentro de casa também, então eu não podia nem reclamar um pouquinho que era uma cobrança total em cima de

mim. (Entrevista 18).

Mesmo assim, em alguns casos, decorrido um período de tempo, alguns pais se acostumaram e de certa forma desmistificaram os aspectos negativos normalmente associados aos vínculos Não CLT.

Meus pais? É engraçado, meus pais, na época, ficaram assim: “ai, mas você tem que ver a aposentadoria, como é que vai ser”, ficaram meio preocupados, mas eu acho que também por uma questão cultural, assim, eles... Minha mãe é funcionária pública, é outra realidade, né.

- E hoje em dia?

Hoje em dia não emitem nenhuma opinião a respeito. (Entrevista 29).

Meu pai foi empregado da Petrobras a vida inteira. Então no começo eu acho que ele estranhou um pouco esse esquema. Mas o meu pai tem uma característica muito curiosa porque ele justifica os filhos. Então ele começou a falar assim, começa a falar pros amigos, os tempos são outros, as pessoas têm outras relações de trabalho, minha filha é assim, ela é sócia daqui, ela faz isso aqui e faz outra coisa ali. Acabou que ele mesmo se justificou pelos filhos. (Entrevista 17).

De qualquer forma, alguns entrevistados relataram que os pais não interferem em suas escolhas profissionais.

Na verdade eu não cheguei a passar isso pra ninguém. Acho que é uma decisão minha, contanto que eu consiga suprir quaisquer responsabilidades que eu tenha. (Entrevista 34).

- Qual foi a reação da sua família, seus pais e da sua esposa? Nunca acho que nem comentaram sobre isso. (Entrevista 19).

É, ele achava estranho. Ele não entendia muito isso, mas ele respeitava. (Entrevista 22).

Um dado interessante é que, da mesma forma que o cônjuge, a família foi um fator importante de apoio para alguns entrevistados. A existência de uma estrutura familiar, para alguns entrevistados, funciona como uma retaguarda que permite que o indivíduo experimente formas diferentes de trabalho.

E eu sempre tive uma vantagem: se eu precisasse de dinheiro eu tinha pra onde correr. Isso é uma coisa importante. Se eu passasse um aperto.

- Você sabia disso, mesmo que...

Mesmo sabendo disso eu demorei muito a usufruir, eu sempre tive medo de usufruir isso. - Você chegou a usufruir?

Eu usufruí, cheguei a usufruir. Teve um período, que foi a época que eu fiz mestrado – isso ainda foi antes do PJ, mas que eu ganhava bolsa de mestrado, 730 reais há dez anos atrás era dinheiro, mas eu não conseguia pagar condomínio, plano de saúde. Então às vezes meu irmão me financiava, eu ligava, pedia dinheiro emprestado e eu pagava quando entrava. E eu podia pedir dinheiro para o meu pai também Eu era muito cuidadosa com o pedido, mas eu sabia que podia. Isso me permitiu muito, apesar de ter sido lento, ter sido uma dificuldade, me permitiu. Essas coisas fazem a diferença, isso pesa muito. Por exemplo, eu tenho muita gente que eu conheço que o casal um é CLT e o outro não é, porque você tem o certo e o outro é free-lancer, e precisa ser PJ. (Entrevista 11).

Eu tinha uma quantia que não era muito, uns 30, 40 mil, guardados no banco, que aí era um outro rolo. Eu tenho esse apartamento que eu te falei, em Copacabana, ele está envolvido em uma briga judicial, eu estou na verdade brigando com o condomínio; como foi uma briga muito enrolada, que estava muito complicada até para resolver, eu resolvi contratar um bom escritório de advocacia,

que me cobra os tubos. Então o dinheiro que eu tinha guardado era pra pagar o escritório; eu tinha 40, eles me cobraram 30 pra pagar as custas. Eu sempre tive muito medo de mexer nesse dinheiro, porque o processo rola até hoje, então eu tinha muito medo de gastar esse dinheiro, era um dinheiro que eu tomava cuidado de manter ele ali. Mas nessa época, meu desgosto, a minha infelicidade era tamanha, que eu falei: ah, tenho dinheiro pra, eu não gastando muito, seis meses desempregada, mas não é possível que em seis meses eu não arranje. Ainda falei com minha mãe, e ela falou: “Se apertar eu te ajudo”, eu falei: mãe, minha preocupação é o processo; eu tenho dinheiro pra uns seis meses pra sobreviver, mas se o escritório de advocacia me cobrar eu vou ter que tirar de algum lugar. Ela não, não, eu te dou uma ajuda. Falei bom, vamos pra casa. (Entrevista 14).

As relações familiares foram um elemento importante no que se refere aos vínculos de trabalho dos entrevistados. Para muitos, a figura do cônjuge foi fundamental como apoio, tanto emocional quanto financeiro, nas decisões relacionadas à vida profissional. Os vínculos Não CLT possibilitaram a alguns entrevistados conciliar melhor as demandas profissionais às necessidades dos filhos. Isso foi particularmente importante para uma parte das mulheres do grupo aqui pesquisado. Alguns pais valorizavam bastante vínculos estáveis de trabalho. Este grupo associava essa estabilidade aos contratos CLT.