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Capítulo 2 – A flexibilidade

2.5 O trabalho contingente

De acordo com Polivka (1996a) o termo trabalho contingente foi utilizado pela primeira vez por Audrey Freedman em 1985, em uma conferência sobre segurança no emprego. Freedman descreveu o trabalho contingente como uma técnica gerencial de contratação de trabalhadores, quando existe uma demanda direta e imediata pelos seus serviços.

Ao longo dos anos o termo passou a ser utilizado para uma grande variedade de práticas de emprego, que incluem trabalho em tempo parcial, trabalho temporário, auto-emprego, consultoria, trabalho em casa, entre outros. Para algumas pessoas, qualquer vínculo de trabalho diferente do trabalho assalariado em tempo integral poderia ser chamado de trabalho contingente. Porém, tal ampliação do uso do termo leva a uma classificação errada de diversos trabalhadores, ocasionando também uma confusão sobre o que realmente está sendo descrito ou estudado.

Em 1989 o Bureau of Labor Statistics (BLS) dos Estados Unidos definiu o trabalho contingente da seguinte maneira: “Trabalho contingente é qualquer trabalho no qual um indivíduo não tem um contrato, implícito ou explícito, de emprego de longo prazo”. Essa definição limita o conceito de contingente a trabalhos onde não existe a expectativa de continuidade de contrato. Para Polivka (1989) uma característica importante deste tipo de vínculo é a baixa segurança de emprego. De acordo com Barley e Kunda (2004), o conceito de trabalho contingente é utilizado para designar um conjunto de relações empregatícias de curto prazo que incluem trabalho em tempo parcial, emprego temporário, prestação de serviço, contratação de serviços externos e teletrabalho.

Atkinson (1984) utiliza o conceito de trabalho contingente ao propor um modelo de organização da força de trabalho que divide os trabalhadores em dois grupos: os centrais, que teriam habilidades essenciais à empresa (eles teriam oportunidade de carreira e estabilidade), e os periféricos, que possuiriam habilidades não-centrais e não-estratégicas (este grupo teria

contratos flexíveis). Os trabalhadores centrais possuiriam habilidades específicas às empresas e em função disto teriam mais segurança no emprego. Esta segurança seria viabilizada justamente pela existência dos trabalhadores periféricos, que poderiam ser mais facilmente demitidos em caso de necessidade. Estes trabalhadores periféricos são muitas vezes chamados de contingentes.

Dentro de uma perspectiva gerencialista, Handy (1994) também utiliza o conceito de trabalhador contingente ao discutir a estrutura da mão-de-obra dentro das organizações. Para o autor a flexibilidade é fundamental para a sobrevivência em uma economia globalizada, e deve ser apoiada por uma estratégia de recursos humanos, na qual um conjunto de trabalhadores centrais está rodeado por uma reserva de trabalhadores contingentes, que pode ser contratada ou demitida de acordo com as necessidades. Esta estrutura é descrita por Handy (1992) como a organização trevo, que teria trabalhadores essenciais apoiados por mão-de- obra externa e ajuda em tempo parcial. O modelo de trevo é bastante semelhante ao proposto por Atkinson (1984). Ele seria composto de três folhas: a primeira – trabalhadores centrais –, a segunda – trabalhadores flexíveis qualificados –, e a terceira – trabalhadores flexíveis pouco qualificados. Este formato permitiria que a empresa adequasse facilmente o tamanho e as características da sua força de trabalho às suas necessidades, por meio da contratação ou demissão de trabalhadores periféricos.

A classificação dos trabalhadores em função da estabilidade do seu vínculo de trabalho tem sido muito utilizada em pesquisas sobre a estrutura da força de trabalho na empresa flexível (HAKIM, 1988; KALLEBERG, 2003; PROCTER et al., 1994). Dentro desta perspectiva, estaríamos em um ambiente de trabalho no qual haveria um grupo de trabalhadores em relações de trabalho estáveis e um outro grupo contingente (qualificado e não-qualificado) que teria relações de trabalho não-estáveis. A diferença básica entre os dois grupos é que o grupo estável possuiria habilidades consideradas centrais e estratégicas, e o grupo periférico possuiria habilidades não-centrais e não-estratégicas.

Deve-se ressaltar, no entanto, que talvez a estabilidade de emprego nos anos 60 e 70 tenha sido superestimada. Pollert (1988) salienta que a insegurança que seria inerente ao trabalho periférico, na verdade, não é nova, e sempre esteve presente dentro das empresas. Como colocam Kalleberg (2000) e Polivka (1996a), as relações de trabalho não-padrões não são um fenômeno novo. Sempre existiram arranjos de trabalho que não se encaixavam no modelo

padrão e a história está repleta de exemplos de forças de trabalho periféricas atuando em mercados de trabalho flexíveis, nos quais o trabalho era instável e temporário. Pode-se questionar a sustentabilidade em longo prazo de um sistema com trabalhadores centrais e periféricos, devido às tensões decorrentes da existência de condições de trabalho tão diferentes em um mesmo ambiente.

Além disso, Hakim (1990) questiona o quanto este padrão é mais prescritivo do que descritivo, já que as evidências sobre a adoção na prática de um modelo de trabalhadores centrais e trabalhadores periféricos são contraditórias. Hakim (1990) relata que pesquisas nacionais na Inglaterra indicaram que apenas uma minoria dos empregadores utilizava esse tipo de prática de forma intencional. Já o aumento do uso de terceiros, subcontratados e trabalhadores autônomos apareceu como um elemento importante na reorganização das relações de trabalho. Em pesquisa conduzida por Cappelli e Neumark (2004), os resultados encontrados não confirmaram a hipótese da divisão dos trabalhadores em dois grupos: centrais (permanentes) e periféricos (não-permanentes). Os dados indicaram o contrário, que o uso de trabalho temporário era positivamente correlacionado com a ocorrência de uma flexibilidade numérica por meio de rotatividade involuntária, sugerindo que estas práticas são complementares, e não excludentes.

A partir dos anos 90 começou-se a discutir o quanto este tipo de modelo seria adequado para descrever o ambiente de trabalho contemporâneo, uma vez que as estratégias de flexibilização foram estendidas a grupos de trabalhadores que normalmente eram considerados protegidos, pois teriam habilidades centrais para a organização. Cappelli (1995) debate evidências que descartam a idéia de que a periferia funcionaria como uma proteção para os trabalhadores centrais. O que normalmente se argumenta é que os postos de trabalhos dos empregados permanentes estariam sendo transferidos para trabalhadores com outros tipos de contrato de trabalho. Para Cappelli (1995) esta visão não corresponde à realidade, pois o que estaria acontecendo seria uma transformação dos mercados de trabalho internos, por meio de processos de downsizing, que afetariam todos os trabalhadores, até mesmo os funcionários permanentes, que se supunha que não seriam atingidos por esse tipo de processo. Como conseqüência, mesmo trabalhadores centrais poderiam se deparar com carreiras não- estruturadas e com diversas mudanças de empregador ao longo da vida produtiva.

Outra evidência das transformações nas relações de trabalho, e da expansão de estratégias de flexibilização para trabalhadores qualificados é a disseminação do trabalho autônomo nesse grupo. Barley e Kunda (2004) conduziram um estudo para documentar a dinâmica social de trabalhadores contingentes qualificados nos Estados Unidos. A maior parte das pesquisas sobre o assunto foca as razões das empresas para usarem esse tipo de força de trabalho, e os custos e benefícios associados com tal prática. Os trabalhos que estudam o tema a partir da perspectiva dos trabalhadores são em número muito menor e normalmente adotam ou a perspectiva “institucionalista” ou a perspectiva do “agente livre”.

Barley e Kunda (2004) descrevem as duas abordagens como opostas. Para a perspectiva “institucionalista” a expansão do trabalho contingente ameaça a segurança da força de trabalho e o sistema de seguridade social americano, que foi feito com base no emprego em tempo integral. O crescimento do trabalho contingente representaria a disseminação do trabalho secundário no centro da economia. Já para a perspectiva do “agente livre”, os trabalhadores especializados que são autônomos são chamados de “agentes livres”, os heróis e heroínas do período pós-industrial. Este grupo também percebe que a segurança no emprego e suas instituições de apoio estão se desfazendo. No entanto, dentro desta perspectiva, as mudanças têm o seu lado bom e eles elogiam a nova forma de contratação, que é vista como uma rebelião libertadora e anticorporativa. A visão é otimista, pois o trabalho contingente seria uma escolha e não uma coação.

A coleta de dados da pesquisa destes autores foi feita diretamente com os autônomos e o resultado do trabalho traz um fascinante retrato desse universo dentro da sociedade americana. Para conseguir trabalho, a identificação das oportunidades é apenas o primeiro passo; a seguir é necessário fazer negociações complexas que envolvem também os gerentes contratantes e agentes. Esta é uma realidade inesperada para os autônomos. Assim, o conhecimento técnico não é suficiente para uma carreira lucrativa como autônomo: é necessário também possuir habilidades sociais e capital social.

Pelo lado dos contratantes a contratação de conhecimento especializado era apenas uma parte do negócio; havia também uma expectativa (normalmente não percebida) de “se livrar da dor de cabeça” de gerenciar empregados permanentes. Os contratantes também experimentavam sentimentos conflitantes – por um lado, satisfação com o conhecimento contratado e relações

de amizade com os autônomos; por outro, uma inveja das habilidades, remuneração e aparente liberdade que os autônomos tinham.

Como resultado, a experiência do autônomo em suas relações de trabalho era ambígua. Apesar de serem apreciados, integrados e aceitos, eles seriam sempre outsiders. Para alguns, isso era fonte de ansiedade, enquanto para outros era até reconfortante. Os trabalhadores contingentes na pesquisa tinham se tornado commodities no mercado, e não eram mais vistos como recursos humanos. Ocasionalmente clientes convidam alguns autônomos para trabalhar em contratos padrão; no entanto, a maioria não tem interesse em voltar a ser funcionário.

Um ponto importante levantado pela pesquisa de Barley e Kunda (2006) é que, quando os especialistas passam a trabalhar como autônomos, eles perdem o acesso a instituições de apoio que existem para o profissional corporativo. Esta é uma perda substancial, pois eles precisam de contato com outros membros de sua comunidade ocupacional para atuar como profissionais técnicos. Para suprir essa deficiência, este grupo de profissionais começou a construir comunidades ocupacionais voltadas para os profissionais itinerantes, normalmente com ajuda de sofisticadas tecnologias de comunicação, o que na percepção dos autores é um importante passo no sentido da institucionalização do profissionalismo itinerante como modo de prática estável e coerente.

Para os autores, o autônomo especializado e o profissionalismo itinerante que ele alimenta podem representar uma forma econômica incipiente que eles chamam de “economia matricial”. Neste ambiente, as empresas se tornam o local para um conjunto de projetos, e as ocupações se tornam o eixo para a acumulação, o desenvolvimento e a disseminação do conhecimento. As empresas acessam o conhecimento por meio de relações de trabalho temporárias. Neste caso, as necessidades ocupacionais do profissional itinerante – de aprender, manter o conhecimento profissional, achar clientes e assegurar segurança econômica de longo prazo – são supridas fora das empresas, por meio da combinação de iniciativa individual, associações profissionais, redes ocupacionais e empresas privadas. A pesquisa de Barley e Kunda (2006) questiona alguns mitos, na medida em que retrata a condição de autônomo não como uma mudança na direção de um profissional livre em um mercado livre, pois o especialista itinerante depende do apoio de estruturas ocupacionais e dos serviços de informação, atualmente oferecidos por agências de colocação e redes de profissionais, para conseguir operar com sucesso. O mercado no qual o trabalhador

contingente qualificado atua envolve organizações intermediárias de mão-de-obra, além da organização contratante e do próprio trabalhador (KUNDA; BARLEY; EVANS, 2002).

Foi feito um levantamento da literatura relacionada às relações flexíveis de trabalho e identificamos a emergência de dois temas específicos relacionados ao assunto. Estes temas foram mais intensamente estudados e existe uma maior quantidade de pesquisas disponível sobre eles. Apresentamos a seguir os resultados de pesquisa sobre as seguintes características das relações flexíveis de trabalho: tempo de trabalho e comprometimento no trabalho.